domingo, 19 de julho de 2015

Lisboa: o turismo de chinelo Lucy Pepper / OBSERVADOR


De acentuar que a versão Inglesa deste texto é intitulada : Would you please get dressed?
Lisboa caminha decididamente e inevitávelmente para o ponto de saturação e de ruptura de Barcelona e será irremediávelmente “devorada” por esta espécie infestante que se chama Turismo de Massas, roubada da sua autenticidade, invadida na sua vivência, alienada da sua espontaneidade, anestesiada na sua hospitalidade e reduzida a um produto vazio.
Tal como eu já afirmei várias vezes em diversas circunstâncias:
Tudo dirigido ao novo “Bezerro de Ouro” que se chama Turismo, fenómeno importante com indiscutível potencial de reconhecimento e prestígio, com vasta dimensão económica, mas que sem gestão equilibrada, transforma as cidades em produto efémero e temporário.”
António Sérgio Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO

EDITORIAL / PÚBLICO
Vamos finalmente pensar o turismo?
DIRECÇÃO EDITORIAL 11/07/2015
Barcelona já acordou para o tema, se assim se pode dizer. Devido a uma cada vez maior pressão turística, a nova autarca catalã assinou no início deste mês uma moratória com vista a regular as vagas do turismo, congelando a concessão de licenças para construir mais 45 novos hotéis (outros 40 já estão em construção e assim vão continuar). Agora surge a notícia de que o governo português segue pelo mesmo caminho. Mas enquanto na Catalunha há actos concretos (como a moratória), em Portugal pensa-se num grupo de reflexão informal, com autarquias, especialistas e entidades regionais. Não se trata ainda de avançar com qualquer medida, mas apenas fazer avaliações. Ora se o turismo é uma coisa desejável, desde que devidamente regulado, pode transformar-se numa praga que leve inclusive a refrear o interesse de novos visitantes. O problema é mundial, afecta muitos países, e Portugal só faz bem em encará-lo. Não pode é ficar por aí.

Lisboa: o turismo de chinelo
Lucy Pepper

19/7/2015 / OBSERVADOR

Pessoas em férias têm o aspecto de estarem em férias, e dão a Lisboa o aspecto de um destino turístico de praia. Mas Lisboa não é uma praia.

Lisboa está com dificuldades para se manter apresentável. E não me estou a referir aos graffiti (reparo até que tem havido um grande esforço a limpar alguns bairros), nem ao lixo na rua, nem à vasta quantidade de publicidade e branding, em neon e perspex, que está condenada a chocar com qualquer coisa Manuelina-Pombalina-RaulLina que não tenha sido construída no ano passado.
O problema são os turistas.
Estejam ou não os lisboetas contentes com o recente tsunami de turismo, não é fácil habituarmo-nos a tantas mudanças na cidade e em tão pouco tempo. Os passeios estão cheios de pessoas em férias. Ora, pessoas em férias têm o aspecto de estarem em férias, e dão a Lisboa o aspecto de um destino turístico de praia, em vez da fascinante cidade antiga, cheia de pessoas e coisas interessantes, que Lisboa é.
Para começar, temos as mochilas, de todos os tamanhos, que gritam “Cá estou eu!!!! Sou Turista!!!” Há as mochilas minúsculas, que funcionam como carteira e como alvo fácil para os carteiristas, e há as mochilas gigantes, que parecem carapaças de tartaruga e podem atirar ao chão duas ou três pessoas no passeio se por acaso o ocupante da carapaça espirrar.
Chapéus há muitos. O que define o turista não é só o facto de usar quase sempre “baseball caps”, os quais nunca deram bom aspecto a ninguém na história do mundo. É o mero facto de usar chapéu. Tanto quanto uma mochila grita “turista!!”, também gritam os chapéus… e, já agora, as sandálias com meias, as camisas havaianas, a roupa khaki de out-door, os vestidos estampados com flores gigantes, os sacos de praia, os sarongues, os biquinis, e os chinelos. E a coroar tudo isso, aqueles narizes, ombros e costas com a cor das lagostas cozidas, que só de olhar quase nos fazem sentir doridos no lugar da pessoa.
Mas o problema dos turistas não é só a maneira como se vestem. É também o modo como interagem com a cidade. Há aqueles que vão pelo caminho a berrar um ao outro factos óbvios, com o ar de quem não está a perceber nada, incluindo o facto de nós entendermos tudo o que dizem. Há os que aparecem vestidos de khaki e que não sorriem, porque não estão inteiramente satisfeitos com a consciência ecológica do país. Há casais que empurram carrinhos de bebé pela calçada sob 40ºC, com os bebés a fritar lá dentro, enquanto eles se queixam de que Lisboa não é amiga das famílias. Há gangues de mulheres jovens que caminham lado ao lado nos passeios estreitos, como se fossem um muro, cada qual, depois de ter passado alguns dias online antes das férias, a tentar exceder as amigas no conhecimento dos melhores bares da cidade. Há bandos de homens que se estão nas tintas para tudo o que é melhor, e que só querem encontrar a cerveja mais barata. Há os que falam muito alto e devagar em inglês, para serem entendidos pelos nativos. E já vi um homem gordo, sem camisa nem t-shirt, de calções de natação e cerveja na mão, a passear estranhamente em Alcântara, como se estivesse ao lado da piscina.
E depois há dos outros, os que se portam bem, mas que mesmo assim ainda têm um aspecto que não condiz com nada de Manuelino-Pombalino-RaulLino, incluindo as coisas construídas no ano passado, por que parecem demais que estão em férias.
Pessoas em férias nunca têm bom aspecto. Estão demasiadas relaxadas. Há demasiada carne branquíssima ou rosa choque à mostra, as roupas são sempre muito estampadas, e os chapéus dão-lhes um ar palerma.
Britânicos, Irlandeses, Americanos, Alemães, Dinamarqueses, Suecos, Holandeses, Franceses. Todos na mesma onda. Os italianos e os espanhóis são os únicos que escapam ao “ar de turista”. Talvez porque saibam como é viver num parque temático.
Não estou à espera que os nossos turistas se vistam com fatos e vestidos, e finjam que estão a caminho do escritório. De qualquer modo, Lisboa já não é aquela cidade de há uns anos, quando era impensável sair de casa a não ser vestido para uma cerimónia com o presidente da república… e graças a Deus que isso mudou.
Mas esta cidade é um centro vivo de artes, negócios e ciência… um facto desconhecido para a maior parte dos turistas. Por isso, precisamos que quem aqui vive e trabalha se sinta em casa, e não fora do lugar num campo de férias. Bastava que os turistas diminuíssem um pouco os sinais do “OLÁ, ESTOU EM FÉRIAS!!!”. Ajudaria os Lisboetas a sentirem que não são apenas os empregados do célebre parque temático “Lisboalândia”.

Não seria possível pôr uns cartazes no aeroporto avisar que Lisboa não é uma praia e que devem vestir-se a condizer com uma capital europeia?

Sem comentários: