Lisboa:
o turismo de chinelo
Lucy Pepper
19/7/2015 /
OBSERVADOR
Pessoas
em férias têm o aspecto de estarem em férias, e dão a Lisboa o
aspecto de um destino turístico de praia. Mas Lisboa não é uma
praia.
Lisboa está com
dificuldades para se manter apresentável. E não me estou a referir
aos graffiti (reparo até que tem havido um grande esforço a limpar
alguns bairros), nem ao lixo na rua, nem à vasta quantidade de
publicidade e branding, em neon e perspex, que está condenada a
chocar com qualquer coisa Manuelina-Pombalina-RaulLina que não tenha
sido construída no ano passado.
O problema são os
turistas.
Estejam ou não os
lisboetas contentes com o recente tsunami de turismo, não é fácil
habituarmo-nos a tantas mudanças na cidade e em tão pouco tempo. Os
passeios estão cheios de pessoas em férias. Ora, pessoas em férias
têm o aspecto de estarem em férias, e dão a Lisboa o aspecto de um
destino turístico de praia, em vez da fascinante cidade antiga,
cheia de pessoas e coisas interessantes, que Lisboa é.
Para começar, temos
as mochilas, de todos os tamanhos, que gritam “Cá estou eu!!!! Sou
Turista!!!” Há as mochilas minúsculas, que funcionam como
carteira e como alvo fácil para os carteiristas, e há as mochilas
gigantes, que parecem carapaças de tartaruga e podem atirar ao chão
duas ou três pessoas no passeio se por acaso o ocupante da carapaça
espirrar.
Chapéus há muitos.
O que define o turista não é só o facto de usar quase sempre
“baseball caps”, os quais nunca deram bom aspecto a ninguém na
história do mundo. É o mero facto de usar chapéu. Tanto quanto uma
mochila grita “turista!!”, também gritam os chapéus… e, já
agora, as sandálias com meias, as camisas havaianas, a roupa khaki
de out-door, os vestidos estampados com flores gigantes, os sacos de
praia, os sarongues, os biquinis, e os chinelos. E a coroar tudo
isso, aqueles narizes, ombros e costas com a cor das lagostas
cozidas, que só de olhar quase nos fazem sentir doridos no lugar da
pessoa.
Mas o problema dos
turistas não é só a maneira como se vestem. É também o modo como
interagem com a cidade. Há aqueles que vão pelo caminho a berrar um
ao outro factos óbvios, com o ar de quem não está a perceber nada,
incluindo o facto de nós entendermos tudo o que dizem. Há os que
aparecem vestidos de khaki e que não sorriem, porque não estão
inteiramente satisfeitos com a consciência ecológica do país. Há
casais que empurram carrinhos de bebé pela calçada sob 40ºC, com
os bebés a fritar lá dentro, enquanto eles se queixam de que Lisboa
não é amiga das famílias. Há gangues de mulheres jovens que
caminham lado ao lado nos passeios estreitos, como se fossem um muro,
cada qual, depois de ter passado alguns dias online antes das férias,
a tentar exceder as amigas no conhecimento dos melhores bares da
cidade. Há bandos de homens que se estão nas tintas para tudo o que
é melhor, e que só querem encontrar a cerveja mais barata. Há os
que falam muito alto e devagar em inglês, para serem entendidos
pelos nativos. E já vi um homem gordo, sem camisa nem t-shirt, de
calções de natação e cerveja na mão, a passear estranhamente em
Alcântara, como se estivesse ao lado da piscina.
E depois há dos
outros, os que se portam bem, mas que mesmo assim ainda têm um
aspecto que não condiz com nada de Manuelino-Pombalino-RaulLino,
incluindo as coisas construídas no ano passado, por que parecem
demais que estão em férias.
Pessoas em férias
nunca têm bom aspecto. Estão demasiadas relaxadas. Há demasiada
carne branquíssima ou rosa choque à mostra, as roupas são sempre
muito estampadas, e os chapéus dão-lhes um ar palerma.
Britânicos,
Irlandeses, Americanos, Alemães, Dinamarqueses, Suecos, Holandeses,
Franceses. Todos na mesma onda. Os italianos e os espanhóis são os
únicos que escapam ao “ar de turista”. Talvez porque saibam como
é viver num parque temático.
Não estou à espera
que os nossos turistas se vistam com fatos e vestidos, e finjam que
estão a caminho do escritório. De qualquer modo, Lisboa já não é
aquela cidade de há uns anos, quando era impensável sair de casa a
não ser vestido para uma cerimónia com o presidente da república…
e graças a Deus que isso mudou.
Mas esta cidade é
um centro vivo de artes, negócios e ciência… um facto
desconhecido para a maior parte dos turistas. Por isso, precisamos
que quem aqui vive e trabalha se sinta em casa, e não fora do lugar
num campo de férias. Bastava que os turistas diminuíssem um pouco
os sinais do “OLÁ, ESTOU EM FÉRIAS!!!”. Ajudaria os Lisboetas a
sentirem que não são apenas os empregados do célebre parque
temático “Lisboalândia”.
Não seria possível
pôr uns cartazes no aeroporto avisar que Lisboa não é uma praia e
que devem vestir-se a condizer com uma capital europeia?
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