LISBOA
Vem
dar uma voltinha no meu tuk-tuk
O
Observador foi em viagem num dos triciclos que circulam na capital,
sem legislação própria, para perceber porque é que fascinam
turistas, irritam taxistas e deixam os moradores de cabelos em pé.
O Miradouro da
Senhora do Monte é um dos locais mais frequentados por tuk-tuks
Catarina Lopes
João Pedro Pincha /
17/7/2015 / OBSERVADOR
Vruuuuuuuuum,
vruuuuuuuuum, vruuuuuuuum, criiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Um cético que
olhe de fora talvez não acredite que aquele pequeno triciclo
avermelhado seja capaz de galgar eficazmente as sinuosas ruas
lisboetas, mas a verdade é que não parece haver obstáculo que
trave um tuk-tuk. Seja a subir da Baixa para o Castelo, seja a
esquivar-se aos elétricos constantes, seja a cavalgar para a Senhora
do Monte ou a descer as ruas inconstantes de Alfama, os tuk-tuk já
fazem parte da paisagem de Lisboa e a facilidade com que circulam e
estacionam é tal que dá a ideia de que sempre aqui estiveram.
Georgete, contudo,
sabe bem que tuk-tuks são coisa recente pelo centro de Lisboa. Ela
tem uns setenta anos e pouco mais de cinquenta foram passados no
Largo do Contador-Mor, paredes meias com o Miradouro de Santa Luzia,
não muito longe do Castelo, onde o movimento destes veículos
turísticos é constante. “Ui, nem me fale”, atira mal lhe
falamos nisto. Está bem, não falamos, vamos antes contar como foi a
viagem que uma equipa do Observador fez de tuk-tuk.
No dia anterior à
conversa com Georgete, mais ou menos pela mesma hora, aquela em que o
sol torra o incauto que não se previna com um chapéu, passámos
pelo Miradouro de Santa Luzia a bordo de um destes triciclos. “Vão
lá ver esta vistinha”, disse o condutor, estacionando junto a
outros dois tuk-tuks. “Ah já têm aqui um sítio próprio para
parar”, comentámos. “Mais ou menos…”
Para o motorista do
tuk-tuk que apanhamos na Praça da Figueira, quem ia a bordo eram
turistas portugueses, de fora de Lisboa, que poucas vezes tinham
vindo à capital. Por isso, queriam ver os pontos principais do
centro, os que habitualmente são procurados por estrangeiros. Foi
fácil fazer o negócio: por 45 euros, tínhamos direito a uma hora
de passeio por sítios escolhidos pelo condutor, que também daria
umas explicações sobre o que visitássemos. Se houvesse algum sítio
específico onde quiséssemos mesmo ir, era só dizer. Mas não,
queríamos era ser guiados.
As regras virão. “A
seu tempo”
Vruuuuuuuum,
vruuuuuum, criiiiiiiiiiiiiiii, vruuuuuuuuuuuum, criiiiiiiiiiiii.
Ultrapassados dois elétricos e fintado o trânsito na Baixa, a
primeira paragem é na Sé. O motorista Rui, chamemos-lhe assim, já
foi dando algumas explicações pelo caminho, mas não foi fácil
ouvir devido ao barulho que o tuk-tuk faz. Falou do terramoto de
1755, que aconteceu “ou no dia de Todos os Santos ou no dia de
Santo António”, que pôs em causa a fé dos lisboetas e destruiu
mais uma das torres do monumento do que a outra, “por isso é que
isto está assim”.
O terramoto de
Lisboa foi a 1 de novembro, Dia de Todos os Santos, e de facto levou
ao desabamento de uma torre da Sé, mas nenhuma das duas que hoje lá
estão. “As barbaridades que eles dizem…” Paulo Cosme,
secretário-geral do Sindicato Nacional da Atividade Turística,
Tradutores e Intérpretes (SNATTI), alterna entre o tom jocoso e
desgostoso quando se trata de falar sobre os condutores de tuk-tuk. O
nosso, Rui, admite-nos a páginas tantas que não tem qualquer
formação sobre turismo ou sobre Lisboa e que o que vai dizendo é
fruto de autoaprendizagem.
tuk-tuk
Os próprios
motoristas de tuk-tuk pensam que devia haver regras claras. Foto:
Catarina Lopes
Esta é uma das
coisas que motivam queixas de vários setores contra estes veículos
turísticos. “Inventam imenso, quando não sabem inventam ainda
mais”, diz Paulo Cosme, indicando que tem inúmeros exemplos de
“disparates” que os condutores de tuk-tuk dizem aos turistas. Eis
alguns:
A Ponte 25 de Abril
chama-se assim porque foi inaugurada nesse dia de revolução.
O Cristo Rei é mais
pequeno do que o do Rio, porque não tivemos dinheiro para fazer um
maior.
[No Rossio, cujo
nome oficial é Praça D. Pedro IV] O tipo a cavalo na praça foi o
quarto rei de Portugal.
A bem da verdade,
digamos que o motorista Rui não deu nenhuma informação deste
género, mas cometeu mais uma imprecisão histórica além da
relativa ao dia do terramoto. Junto ao Miradouro da Senhora do Monte,
apontou para uma cúpula na colina oposta e disse: “A basílica da
Estrela foi feita com as pedras que sobraram de Mafra pelo D. João
V”. O convento de Mafra, mandado erguer pelo rei Magnânimo, é da
primeira metade do século XVIII, enquanto a Estrela é já do fim do
século. Mesmo que algumas pedras tenham viajado da zona saloia para
Lisboa na altura, a basílica foi ideia de D. Maria I, neta de D.
João.
“Nós não podemos
fazer absolutamente nada”, queixa-se Paulo Cosme, porque até
agora, em Lisboa, não há regulamentação para esta oferta em
nenhuma vertente: não há regras sobre circuitos e locais de
paragem, não há normas sobre zonas de interdição, não há
diretivas sobre ruído e poluição e também não estão definidos
os requisitos mínimos para conduzir um tuk-tuk. Em alguns anúncios
de emprego disponíveis na internet, o que se pede aos candidatos a
motoristas é que tenham o 12º ano, carta de condução categoria B
e saibam falar inglês. “Conhecimentos de francês, alemão ou
Espanhol serão altamente valorizados”, lê-se em várias
propostas.
Quem emite a licença
que permite às empresas de tuk-tuk operarem é o Turismo de
Portugal. O Observador está há semanas a tentar perceber junto
desta entidade em que consiste o processo, quantos veículos existem
atualmente em Lisboa, quais os requisitos para se ser condutor e se
há algum tipo de fiscalização a esta atividade. O Turismo de
Portugal ainda não respondeu.
Por outro lado, a
Câmara Municipal de Lisboa está há alguns meses a trabalhar num
regulamento para os tuk-tuk, depois de duas recomendações da
assembleia municipal. Entre outras coisas, nesse documento deverão
estar inscritos os locais próprios de estacionamento e os circuitos
autorizados dentro da cidade. Em março, o vereador Duarte Cordeiro
garantia que o regulamento estava quase pronto. Há algumas semanas,
ao Observador, a câmara apenas disse que tudo será apresentado “a
seu tempo”.
No Porto, a
regulamentação já existe pelo menos desde janeiro. Segundo o
gabinete de comunicação da câmara, não existem normas gerais para
os tuk-tuk, mas cada empresa tem bem definidos quais os percursos que
podem ser feitos e quais os locais onde podem parar. Foi um processo
feito individualmente, com cada um dos operadores turísticos da
cidade.
“Crescente
mal-estar”
O motorista Rui
também acha que falta regulamentação. “Andamos sempre a jogar ao
gato e ao rato com a polícia”, diz já perto do Miradouro da
Senhora do Monte, poiso habitual de tuk-tuks, que ali levam centenas
de turistas diariamente. Neste local, é muito frequente os triciclos
terem de parar em segunda ou terceira fila, porque os lugares de
estacionamento são escassos e estão quase sempre ocupados. Ainda
assim, o movimento destes veículos turísticos por aqui é
constante, das oito da manhã até às nove ou dez da noite, para
desgosto de Maria de Jesus. “Isto é tuca-tuca-tuca sempre por aqui
abaixo”. O prédio de Maria é logo ao lado do miradouro e as
janelas dela estão ao nível do passeio, por isso todos os barulhos,
por muito pequenos, entram-lhe pela casa adentro. “Eles vão por
aqui abaixo aos gritos, vão com caipirinhas ‘eeeeeeeeh’ por aqui
abaixo”.
A queixa é comum a
várias das pessoas com quem falámos nos bairros históricos. “Dá
vida à cidade, é certo, só que são incomodativos”, lamenta
Manuel Lopes, habitante da Calçada de Santo André, não muito longe
do Miradouro das Portas do Sol, outro local por onde passeámos. Para
ele, e para outros moradores da zona, o problema não são os
tuk-tuks nem sequer os turistas, antes o barulho que provocam. “Os
silenciosos tudo bem, até dão animação”, diz Manuel, que afirma
ter de fechar as janelas sempre que quer ouvir a televisão. O mesmo
diz Alzira Simões, que se deita cedo e vê passar tuk-tuks pela zona
até à noite. “Se me saísse o euromilhões, eu nem um minuto mais
cá estava”, atira.
Segundo Miguel
Coelho, presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior, que
agrega precisamente as áreas de Alfama, Castelo, Baixa e Chiado, “a
atividade diária e constante dos tuk-tuk provoca muito ruído e
poluição pelos sítios onde passam e tem vindo a causar um
crescente mal-estar nos residentes dos bairros históricos, pondo em
causa o seu direito à privacidade e à tranquilidade”, lê-se na
recomendação aprovada em novembro na assembleia municipal.
Tuk Tuk
Na Baixa, em
especial na Rua do Comércio, são visíveis inúmeros tuk-tuks todos
os dias
Ganhar a vida
Enquanto nos passeia
de volta à Baixa, Rui vai contando coisas sobre Lisboa, sobre a vida
e sobre este negócio. Para ele, “o mercado está saturado”
porque já há mais de 250 veículos nas ruas da capital. É uma
estimativa própria, porque números concretos ninguém os parece
ter. A câmara diz que quem tem de responder é o Turismo de
Portugal, o Turismo de Portugal não respondeu e a Associação
Nacional de Empresários de Tuk Tuk (Astuk), a quem o Observador
enviou uma série de questões, também não deu respostas.
O presidente da
ANTRAL, associação que representa os taxistas e que desde sempre se
opôs a que os tuk-tuk circulem sem regras, afirma que “já no ano
passado havia 270″ triciclos em Lisboa e que “isto está a passar
tudo o que seria razoável”. A ANTRAL, juntamente com outras
organizações do setor do táxi, participou em diversas reuniões
com a câmara para definir o regulamento municipal, nas quais as
empresas de tuk-tuk não estiveram representadas. “Fomos nós que
impedimos que eles fossem”, confirma Florêncio Almeida, que usa a
distinção entre os táxis (meio de transporte de passageiros) e os
tuk-tuk (veículos turísticos) para justificar a ausência destes
nas reuniões.
Indiferente a
querelas, Rui conduz o tuk-tuk para ganhar a vida e só quer que não
o chateiem. Está a acabar um curso superior e, como não tinha
perspetivas imediatas de emprego duradouro, veio para este trabalho.
Às vezes, admite, chega a trabalhar 12 horas por dia, mas porque
quer. No fim do verão, terá acumulado bom dinheiro para o resto do
ano e leva daqui muitos contactos estrangeiros e histórias para
contar.
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