De
Atenas a Berlim, propostas gregas dividem a Europa
SÉRGIO ANÍBAL e
MARIA JOÃO GUIMARÃES (Atenas) 10/07/2015 - PÚBLICO
Eurogrupo
discute este sábado a possibilidade de um terceiro resgate à
Grécia. Com muitas questões por resolver, opiniões divergentes por
toda a Europa e muito pouco tempo para discutir, um acordo ainda não
parece fácil.
Alexis Tsipras
centrou esta sexta-feira os seus esforços na tentativa de assegurar
para já o apoio político na Grécia, para que este sábado possa
virar as atenções para a Europa, onde ainda não é certo que a
nova proposta de Atenas venha a ser totalmente aceite e recompensada
com a perspectiva de uma reestruturação de dívida.
O documento enviado
na quinta-feira pelo Governo grego a Bruxelas inclui mais medidas de
austeridade do que aquelas que tinham agora sido aceites por Atenas e
aproxima-se da última versão defendida pela troika e que foi
chumbada no referendo do passado domingo. Em duas áreas – IVA e
pensões – essas cedências são particularmente claras, havendo do
lado grego a expectativa que tal seja suficiente para os parceiros
europeus, não só garantirem o financiamento do país durante os
próximos três anos, como também abrirem a porta à tão desejada
reestruturação da dívida.
Havia por isso muita
expectativa, no dia a seguir à apresentação da proposta, em
relação a qual seria a reacção em Atenas e nas outras capitais da
zona euro. À primeira vista, Tsipras parece conseguir segurar um
apoio dentro do seu próprio partido, mas o nível de aceitação na
zona euro é ainda pouco claro, com declarações muito divergentes.
Em Atenas o dia foi
passado numa maratona de discussões no Parlamento com o
primeiro-ministro, Alexis Tsipras, a tentar convencer o Governo e o
seu partido a aceitarem as suas propostas para um terceiro resgate.
“Conseguimos um mandato para um acordo melhor do que o ultimato que
o Eurogrupo nos deu, mas não tivemos certamente um mandato para
tirar a Grécia do euro”, declarou, perante uma esperada revolta
dos deputados da ala mais à esquerda do Syriza.
Esta revolta
parecia, no entanto, não se concretizar, com os sinais que havia ao
fecho desta edição a apontarem para uma aprovação certa de uma
lei que autoriza o primeiro-ministro e o ministro das Finanças,
Euclides Tsakalotos, a negociar um acordo baseado em novas propostas.
O debate começava às 23h30 (hora de Atenas, 21h30 em Portugal
continental) e votação era esperada para a madrugada.
Tsakalotos pediu aos
deputados para avaliarem o novo programa como um todo. Até agora, os
gregos têm-se fixado no facto de que o acordo vai ser ainda pior do
que o que estava em cima da mesa antes do referendo, e muitos
questionam-se que propósito teve a votação. Analistas dizem que,
paradoxalmente, pode ter sido a única maneira de Tspiras ganhar
poder e convencer os deputados da ala radical do seu partido.
A aprovação
parecia garantida com o apoio da oposição, apesar dos relatos de
possíveis deserções, especialmente do lado dos Gregos
Independentes, populistas nacionalistas e parceiros do Syriza na
coligação.
Uma manifestação
defendendo a recusa das propostas ainda saiu à rua em Syntagma, mas
foi um protesto pequeno, organizado por partidos como o Comunista ou
o radical de esquerda Antarsya e marcado por palavras de ordem
gritadas a megafone, sem qualquer semelhança com as manifestações
da semana anterior.
Enquanto isso, o
ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que se demitiu na
segunda-feira na sequência da vitória do ‘não’ no referendo à
proposta dos credores para “facilitar as negociações”,
continuava a dominar as atenções. Depois de rumores de que iria
votar ‘não’, Varoufakis postou no Twitter uma carta enviada à
presidente do Parlamento, Zoi Konstantopoulou, dizendo – em grego,
ao contrário do que vinha a ser habitual nos seus tweets: “Amanhã,
Euclides merece o apoio de todos os nós. O meu apoio é total.
Depois avaliaremos o efeito.”
O antigo ministro
ausentou-se do debate invocando razões pessoais, mas continuou a
chamar a atenção, especialmente a acusação que fez, num artigo do
diário britânico The Guardian, ao ministro das Finanças da
Alemanha, Wolfgang Schäuble. Para Varoufakis, Schäuble quer a
Grécia fora do euro para que haja um caso de castigo exemplar de um
país que não cumpriu regras e assim “encher os franceses de medo
e fazê-los aceitar o seu modelo de uma zona euro de disciplina”.
Europa dividida?
Na Europa, a tarefa
de Tsipras de obter um acordo parece para já mais complexo. Aquilo
que se ouviu, foram declarações muito diferentes, consoante o país
de onde vinham e, no caso da Alemanha, dependendo de qual o partido
da coligação governamental que se pronunciava.
Os mais elogiosos da
proposta grega e mais favoráveis a um esforço europeu para atingir
um acordo foram os responsáveis políticos franceses. O presidente
François Hollande classificou as propostas gregas de “sérias e
credíveis”, enquanto o ministro da Economia Emmanuel Macron falou
de “avanços significativos”, dizendo estar “razoavelmente
optimista em relação a um acordo”.
Na Alemanha, Merkel
e Schäuble não falaram, tendo-se ouvido figuras de proa dos dois
partidos da coligação governamental. No SPD, um discurso igual à
França, com apelos à aceitação de um acordo, na CDU muita
desconfiança em relação à Grécia. “Qual é a diferença entre
Domingo e hoje? No domingo os gregos votaram contra estas medidas”,
afirmou Michael Fuchs, vice-líder da bancada do partido de Angela
Merkel no parlamento.
Ainda mais dúvidas
manifestaram alguns líderes dos países bálticos. "Será muito
difícil para mim persuadir o parlamento e, para o parlamento, será
muito difícil votar favoravelmente, porque a pensão média na
Letónia e bastante mais baixa do que na Grécia", disse o
primeiro ministro letão, Laimdota Straujuma.
É por isto que um
responsável político da zona euro citado pelo The Guardian (mas não
identificado) se mostra pouco optimista na obtenção de um acordo.
“Há demasiados problemas, muito pouco tempo e demasiadas pessoas
que não acreditam que os gregos vão cumprir a sua parte do acordo”,
afirma.
Dúvidas por
resolver
Esta sexta-feira à
noite, esperava-se que as instituições da troika fizessem chegar
aos ministros das Finanças da zona euro a sua opinião sobre a
proposta grega. Essa avaliação é importante porque servirá de
base para a discussão que decorrerá este sábado no Eurogrupo.
Um acordo rápido e
favorável à Grécia dos ministros das Finanças poderia até tornar
desnecessária a realização da cimeira de líderes da zona euro e
do conselho europeu que estão agendados para domingo. Já um
desacordo total ou parcial obrigaria os líderes a viajar (mais uma
vez) para Bruxelas.
E a verdade é que
há muitos obstáculos e dúvidas por esclarecer até que se chegue a
um acordo.
Uma das questões
que se coloca neste momento é saber de que forma é que as
exigências de austeridade da troika vão mudar pelo facto de agora
se estar a discutir um pacote de financiamento de 53,5 mil milhões
de euros para três anos, em vez de um empréstimo de 7,2 mil milhões
de euros (mais a utilização do dinheiro previsto para a
capitalização da banca) para apenas cinco meses. Em declarações
feitas esta semana, Angela Merkel já deixou claro que, num programa
a três anos, se terá de reforçar aquilo que é exigido. Quanto, é
o que se irá ver já este sábado.
Outra questão
central em cima da mesa, é a de que tipo de reestruturação de
dívida estão os outros países da zona euro dispostos a conceder à
Grécia.
Na proposta que é
conhecida, Atenas não mostra qual é a sua ideia neste capítulo,
mas é claro que existe a expectativa do lado grego de que seja
possível um compromisso por parte dos parceiros europeus em relação
a um alívio da sua dívida. Para Alexis Tsipras isto é essencial
para poder “vender” internamente o acordo que venha a obter em
Bruxelas.
Nos últimos dias, é
verdade que os líderes europeus têm revelado disponibilidade para
aceitarem um alívio do peso da dívida, mas existem poucas certezas
quanto à dimensão da reestruturação que acham possível. A
liderança alemã deixou já claro que um corte do valor da dívida
nominal não será aceite, porque tal iria contra os tratados
europeus. Estão mais disponíveis contudo para medidas como o
alargamento dos prazos de pagamento ou uma redução dos juros, à
semelhança do que aconteceu já em 2012, embora digam que o espaço
de manobra a este nível é já muito reduzido.
Esta sexta-feira no
parlamento, o ministro das Finanças grego, Euclides Tsakalotos,
disse estar convicto que irá ficar acordada uma transferência dos
títulos de dívida grega na posse do BCE para o Mecanismo Europeu de
Estabilidade, uma proposta feita já há várias semanas por Atenas,
que aliviaria o calendário de amortização de dívida para os
próximos meses.
Mas há ainda outras
dúvidas que terão de ser esclarecidas no Eurogrupo. Uma é o facto
de, devido aos procedimentos nacionais e comunitários que ainda é
preciso percorrer, um acordo poder não significar que o dinheiro
chega à Grécia a tempo de se efectuar a 20 de Julho o pagamento de
3500 milhões de euros ao BCE.
Isso pode ser
resolvido se os lucros obtidos com a dívida grega pelo Eurosistema e
os outros Estados membros forem transferidos imediatamente à Grécia.
Em causa estão cerca de 3900 milhões de euros relativos a lucros em
2014 e 2015, que podiam ser libertados sem a necessidade de
aprovações parlamentares de cada um dos países. Outra hipótese é
a concessão de um empréstimo ponte para os próximos meses, que
ofereça ao Estado grego a liquidez de que precisa, até que o novo
empréstimo se venha a concretizar. Por fim, há também a passagem
dos títulos do BCE para o MEE com um alargamento dos prazos. Em
todos os casos, é possível que os credores exijam ainda mais
garantias de que a Grécia irá mesmo colocar em prática as medidas
prometidas.
Outra questão
pendente é saber se os bancos gregos irão precisar, mesmo com um
acordo, de ser capitalizados. A Reuters noticiou esta sexta-feira que
entre os responsáveis dos principais bancos gregos se calcula que
seja necessário injectar entre 10 e 14 mil milhões de euros. Isto
significa que esta verba poderá ter de estar incluída no programa,
aumentando o nível das verbas a disponibilizar pelos credores.
A forma como os
bancos irão ser capitalizados será também decisivo para a forma
como o BCE irá passar a garantir o seu financiamento e para a
velocidade a que serão retirados os controlos de capital actualmente
em vigor. O ministro das Finanças grego diz que, em caso de acordo,
muito rapidamente deixará de haver restrições aos movimentos dos
depósitos, mas vários analistas defendem que esse processo poderá
demorar meses ou anos, como aconteceu em Chipre.
O papel a
desempenhar pelo FMI é também um factor de incerteza. Uma vez que a
Grécia está em falta com um pagamento, o Fundo não pode nesta fase
fazer qualquer novo empréstimo, mas é provável que continue a
participar na avaliação da execução do plano.
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