Tsipras
lança em Estrasburgo o último apelo antes da cimeira de domingo
O
Parlamento Europeu está tão dilacerado como a Europa. O líder
grego tentou aumentar a pressão sobre Berlim, foi aplaudido pela
direita eurocéptica e vitoriado pela esquerda radical
Jorge Almeida
Fernandes
O discurso do
primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, ontem, no Parlamento Europeu
(PE), e a discussão que se lhe seguiu demonstraram quanto a crise
grega e o Governo do Syriza radicalizaram as posições dentro da
Europa. Encostado à parede pela “asfixia financeira”, Tsipras
escolheu Estrasburgo para lançar um derradeiro apelo antes da
cimeira de domingo e aumentar a pressão sobre Berlim. Nas bancadas
de grupos eurocépticos viam-se cartazes com a palavra “Oxi”, uma
alusão ao “não” do referendo grego.
No centro do
discurso de Tsipras está uma mensagem que encerra simultaneamente um
pedido e uma ameaça: “[A Grécia] é um problema europeu e os
problemas europeus exigem soluções europeias.” Garantiu que não
tem uma agenda oculta para sair do euro, manifestando “confiança”
na obtenção de “um compromisso honroso” que evite “uma
ruptura histórica” da Europa. A ameaça implícita é o risco de
que um “Grexit” (saída do euro) provoque, a prazo, a
desintegração da moeda única e um desastre geopolítico para os
europeus — gregos incluídos.
Que deseja Atenas?
“A minha pátria foi transformada num laboratório experimental da
austeridade, mas a experiência não teve sucesso. Reivindicamos um
acordo com os nossos aliados que nos leve directamente para fora da
crise e que faça ver uma luz ao fundo do túnel, com reformas
credíveis, mas que, ao mesmo tempo, redistribuam o fardo pelos que o
podem assumir e com o menor risco possível de recessão.”
Diz que o país se
encontra “num círculo vicioso e no impasse da austeridade”,
denunciando a ajuda prestada nos últimos cinco anos: “Os dinheiros
dados à Grécia nunca chegaram ao povo, os fundos foram dados para
salvar os bancos gregos e europeus.” Quer um debate sem tabus
“sobre a sustentabilidade da dívida pública” e garantiu que “a
proposta do Governo grego para a reestruturação da dívida não foi
concebida para agravar o fardo dos contribuintes europeus”. Não o
explicou de forma mais concreta.
Noutra passagem,
abandonou o discurso nacionalista e antieuropeu que faz em Atenas.
“Não sou um daqueles políticos que dizem que os problemas da
nossa pátria são culpa dos estrangeiros: durante demasiados anos os
governos gregos criaram um Estado clientelista, alimentaram a
corrupção entre política e empresas, enriquecendo uma certa camada
do povo, os 10% que detêm 56% da riqueza do país. E esta enorme
desigualdade, junta ao programa de austeridade, agravou a crise em
vez de a corrigir.”
Contra-ataque do PPE
Tsipras foi atacado
pelos eurodeputados do Partido Popular Europeu (PPE, democrata-
cristão), aplaudido pela esquerda radical e pela extrema- direita,
poupado pelos socialistas.
A resposta mais
virulenta veio do alemão Manfred Weber, líder da bancada do PPE: “O
senhor tem um balanço catastrófico, não representa a esperança.
(...) Não minta às pessoas. Serão a Espanha, Portugal ou a
Eslováquia a pagar as vossas dívidas. O senhor organizou um
referendo e, agora, a Eslováquia também quer fazer um porque está
farta de pagar por vós. (...) O senhor representa um Governo que
disse muitas coisas nas últimas semanas, como, por exemplo, ter
chamado terroristas aos credores. O primeiro-ministro grego deveria
pedir desculpa por essas declarações inaceitáveis.”
E ironizou: “Os
extremistas da Europa aplaudem-no. Está a dar-se com os amigos
errados.”
De Farage a Iglesias
De facto, os grandes
elogios vieram da direita eurocéptica e da esquerda radical, mas em
registos diferentes — contra a UE ou em nome de “uma outra UE”.
O inglês Nigel
Farage, líder do UKIP (xenófobo e antieuropeu) saudou o “não”
do referendo: “Aquilo a que estamos a assistir nesta câmara, e em
toda a Europa, é à diferença cultural entre a Alemanha e a Grécia,
à divisão entre o Norte e o Sul da Europa. O projecto europeu está
a começar a morrer.” E incentivou Tsipras a ir mais longe: “Se
tem coragem, devia conduzir, de cabeça erguida, o povo grego para
fora da zona euro. Sim, vai ser duro nos primeiros meses, mas com uma
moeda desvalorizada e amigos em todo o mundo, o país vai recuperar.”
A mensagem de Marine Le Pen foi a mesma: a Grécia deve sair da zona
euro “porque ainda é tempo de dissolver o euro [de forma
ordenada].”
Pablo Iglesias,
líder do Podemos espanhol, agradeceu enfaticamente a Tsipras “por
resistir à chantagem” e ter erguido “a bandeira da Europa”.
Respondeu às críticas de Weber: “O que destrói a Europa é a
arrogância do Governo alemão e a incapacidade de certos governos
para defenderem os seus povos.”
Menos tonitruantes
foram as reacções dos outros grupos. O italiano Gianni Pittella,
líder socialista, sublinhou a frontal oposição dos socialistas a
uma saída da Grécia do euro e apelou: “Confio em que o
primeiroministro grego demonstre visão política e responsabilidade
pela bem do povo grego.” O belga Guy Verhofstadt, chefe do grupo
liberal, acusou Tsipras de não fazer reformas, e fez um aviso:
“Estamos a caminhar
como sonâmbulos em
direcção ao ‘ Grexit’ e quem pagará a conta maior serão os
cidadãos gregos.”
Na sua resposta,
Tsipras replicou: “A Grécia apresentará na quinta-feira [hoje] ao
Eurogrupo um programa com reformas credíveis para encontrar uma
solução da crise, equatitativa e viável.” Em resumo: aceita
fazer reformas “para mudar a Grécia”, mas quer um corte da
dívida.
O debate no PE valeu
pelo que revela sobre a radicalização das posições. Não houve
vencedores. Tsipras não ganhou amigos nem fez novos inimigos. No PE,
os grupos parlamentares ou as “famílias políticas” encobrem
também as crescentes divergências nacionais.
Foi uma manhã de
teatro que ocupou as televisões. Todos os olhos estavam postos
noutros lugares: em Paris e Berlim, no BCE ou em Washington, que
continua a pressionar Angela Merkel para que aceite uma redução da
dívida grega.
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