Contestação
na apresentação do projecto de reabilitação do Jardim Botânico
“Tenho
sérias dúvidas que, com a implementação do projecto que foi
apresentado, isto continue a ser um jardim botânico. O que se quer é
trazer para aqui turistas”, afirmou. Manuela Correia
POR O CORVO • 24
JULHO, 2015 • /
http://ocorvo.pt/…/contestacao-na-apresentacao-do-projecto…/
A recuperação do
espaço verde criado em 1873, a arrancar em meados do próximo ano,
será feita com recurso ao meio-milhão de euros ganhos pela proposta
vencedora do Orçamento Participativo 2013/2014. Mas a sessão de
apresentação do plano ficou marcada por duríssimas críticas dos
membros da Liga dos Amigos do Jardim Botânico. Dizem que o projecto
foi feito a pensar nos turistas e criticam a alegada
insustentabilidade ambiental do sistema de rega. Os responsáveis
pelo projecto refutam as acusações.
Texto: Samuel Alemão
A reabilitação do
Jardim Botânico de Lisboa deverá arrancar no próximo ano, mas a
contestação e a polémica em torno do projecto começaram logo na
sessão de apresentação pública, ocorrida ao princípio da noite
desta quinta-feira (23 de Julho), no palmário ali existente. Tudo
porque a Liga dos Amigos do Jardim Botânico contestou no local, e de
forma veemente, a forma como se materializará a obra de recuperação
daquele espeço verde, que será levada a cabo com recurso a um
financiamento camarário de meio-milhão de euros resultante da
proposta 121 ter sido a mais votada no Orçamento Participativo de
Lisboa 2013/2014. “Este é um projecto virado para os turistas, que
desvirtua a essência do jardim”, acusam os membros da liga.
Estava-se quase no
fim de uma sessão de detalhada apresentação, mas também de
autêntica celebração e elogio mútuo por parte dos intervenientes
na elaboração do projecto – que foi esmiuçado tanto por José
Pedro Sousa Dias, diretor do Museu Nacional de História Natural e da
Ciência (MNHNC) da Universidade de Lisboa, entidade responsável
pelo espaço, como por João Castro, arquitecto paisagista que
liderou a equipa da Câmara Municipal de Lisboa responsável pelo
plano de recuperação do jardim nascido em 1873. E quando chegou a
vez de serem feitas perguntas, vieram também as fortes críticas dos
membros da Liga dos Amigos do Jardim Botânico, sobretudo da sua
presidente Manuel Correia, para quem “o projecto não resolve o
problema de base do Jardim Botânico”.
O projecto ontem
apresentado contempla a reabilitação do jardim, a recuperação dos
edifícios de apoio, a implementação de um sistema informativo e de
comunicação e ainda a remodelação das redes de infra-estruturas
de apoio ao jardim e edifícios. Será realizado em duas fases,
privilegiando na primeira fase um plano de recuperação do jardim na
zona do Arboreto, isto é, a zona inferior daquele espaço verde,
onde se concentram espécies de estratos arbóreos, arbustivos e
herbáceos. Aí serão privilegiadas infra-estruturas como os
caminhos, os sistemas de rega e também da rede de escoamento de
águas pluviais. Nessa zona será também construído um pequeno
anfiteatro ao ar livre, que será utilizado para espectáculos.
“Nesta fase,
reduziremos drasticamente a intervenção na Classe” – parte
superior do Jardim Botânico, onde se concentram as famílias das
dicotiledóneas e gimnospérmicas, mas no qual se concentra sobretudo
“património edificado a necessitar de cuidados especiais” -,
explicou o director do MNHNC. Antes, já havia dito que “estes 500
mil euros parecem muito dinheiro, mas, quando se trata de um jardim
de cinco hectares e com o valor histórico e natural deste, haveria
sempre que fazer-se opções”. Daí o facto de o responsável
esperar que, numa fase posterior, se venha a conseguir captar mais
dinheiro para recuperar outras partes do jardim que está
classificado como Monumento Nacional.
Atento a esse
estatuto, o arquitecto João Castro, da Direcção Municipal de
Ambiente Urbano da CML, frisou que a principal preocupação do
projecto desenvolvido pela equipa por si liderada era o de manter
quase intacta a imagem do jardim, “ que mudou muito pouco desde a
sua criação”. “Há áreas onde não vamos mexer, porque possuem
características tão identitárias que qualquer intervenção as
descaracterizaria”. “Não estamos a tratar este jardim como outro
jardim qualquer. Tivemos esse cuidado”, sublinhou.
Uma apreciação que
não se revelou suficiente para travar as críticas contundentes, que
viriam logo depois – e quando o vereador José Sá Fernandes ainda
estava na sala. Falando em nome individual, Jorge Teixeira Pinto
confessou não perceber o destaque dado na apresentação aos
arranjos das infraestruturas, “quando diversas árvores do jardim
estão doentes e a morrer”. Mas foi Manuela Correia, presidente da
Liga dos Amigos do Jardim Botânico, quem mais criticou, e com maior
intensidade, o projecto ali revelado ao público. “Este não é um
jardim como os outros e neste projecto de reabilitação
privilegia-se o visitante, o turista, e não a faceta de botânica,
que é a principal deste Monumento Nacional”.
A dirigente da
associação foi mais longe e criticou também José Pedro Sousa Dias
por não ter convidado a Liga a dar a sua opinião sobre o plano que
ali se apresentava. O director do museu respondeu-lhe que havia sido
“uma opção”, fundada no facto de as relações entre as duas
partes estarem longe de ser amistosas. Na contra-resposta, Manuela
Correia recordou “obras ilegais” realizadas no Jardim Botânico,
em 2012, e “denunciadas pela Liga” à Direcção-Geral do
Património Cultural. Além disso, apontou ainda a existência de
“três painéis ilegais na fachada do edifício do museu” –
situação que deixou visivelmente incomodado José Pedro Sousa Dias
e outros elementos presentes na assistência.
Mas Manuela Correia
e outros elementos da referida associação criticaram também o
facto de, alegadamente, o projecto de reabilitação não garantir a
sustentabilidade total do sistema de rega. Actualmente, quase toda a
rega é feita com recurso à água da rede pública. “É um crime
ambiental”, acusou a presidente da Liga. Uma afirmação contestada
tanto por José Pedro Sousa Dias e João Castro, que apesar de
admitirem a impossibilidade em garantir um aproveitamento integral da
água proveniente das chuvas, rejeitaram a ideia de que pouco foi
feito para alterar tal situação.
“A água da EPAL
vai continuar a ser utilizada, a alimentar o jardim, porque este não
tem água suficiente”, admitiu João Castro, o arquitecto
paisagista camarário. Por seu lado, o director do museu disse ter
sido “com muita tristeza que se assumiu que o Jardim Botânico não
tem capacidade de armazenamento da água e que o nível freático é
quase nenhum”. Ainda assim, o técnico responsável pela elaboração
do projecto de rega, Francisco Manso, disse que aquele que irá ser
implementado no Jardim Botânico “está ao nível do melhor que se
faz no mundo” e tentará aproveitar ao máximo a água que puder
ser aproveitada.
No final da sessão,
Manuela Correira reiterou ao Corvo tudo o que havia dito. “Tenho
sérias dúvidas que, com a implementação do projecto que foi
apresentado, isto continue a ser um jardim botânico. O que se quer é
trazer para aqui turistas”, afirmou.
Sem comentários:
Enviar um comentário