Piolhos
e gafanhotos no Parlamento
PEDRO SOUSA CARVALHO
10/07/2015 / PÚBLICO
Foi o último debate
do estado da nação da legislatura. A Assembleia da República mais
parecia a Assembleia do Reino de Deus. O PS abriu o Novo Testamento e
o PSD respondeu com o Antigo Testamento. Pregaram-se sermões,
prometeram-se milagres, jurou-se e esconjurou-se e até se
exorcizaram fantasmas do passado. O espírito de Sócrates, a
“assombração” como lhe chamou Paulo Portas, continua a pairar
sobre a bancada socialista.
De uma assentada
violaram-se no debate uns três ou quatro mandamentos. Os deputados
invocaram em vão o nome de Deus, levantaram falsos testemunhos e
cobiçaram as coisas alheias. Passos lembrou a "incompreensível
azia do PS com os resultados que vão sendo divulgados sobre o
desempenho económico em Portugal". O PS retribuiu acusando
Passos de "mentir cirurgicamente" sobre o estado do país,
deixando uma profecia: "Isto vai virar."
Como ainda não se
sabe se isto vai virar e para que lado é que vai virar, Paulo
Portas, pelo conteúdo e sobretudo pela ausência de radicalismo na
linguagem, conseguiu talvez o discurso mais equilibrado do debate.
Até recuperou o “há mais vida para além do défice” do
socialista Jorge Sampaio. Passos engoliu em seco. O primeiro-ministro
não é crente e não acredita que haja mais vidas para além daquela
que andámos a viver nos últimos quatro anos. Até já há quem na
São Caetano à Lapa tema que Portas, se o PS vencer sem maioria,
possa violar aquele outro mandamento sobre o adultério. As juras de
amor eterno nos estatutos da coligação só são válidas se a
maioria ganhar as eleições.
Quem pouco ou nada
está a ajudar o PS a ganhar eleições é Ferro Rodrigues. Não tem
jeito para ser líder da bancada parlamentar. O fim do debate do
estado da nação terá sido um alívio para o próprio e para
António Costa, que o escolheu para um cargo que deveria estar
reservado para um tribuno mais dotado e que preparasse melhor os
debates políticos. Quando no final da sua intervenção os deputados
do PS o aplaudiram de pé, percebeu-se que foram palmas combinadas,
palmas de nervosismo e palmas de alívio. Palmas de alegria porque
foi a última intervenção de Ferro Rodrigues na legislatura.
No debate, Ferro
recuperou os “sete pecados capitais do Governo" que António
Costa há uma semana enumerou no Largo do Rato. A previsibilidade é
tanta que, aos pecados de Costa, Passos Coelho contrapôs “as dez
pragas da herança socialista", numa alusão às dez pragas do
Egipto. Não se falou de rãs, piolhos, moscas, doenças ou de
gafanhotos, mas falou-se de opções de política económica, algumas
igualmente repugnantes. Mas vamos às pragas, uma a uma.
1. As “obras
faraónicas como as PPP e o TGV”. Passos tem razão. Que o digam os
1,5 mil milhões de euros que gastamos por ano a pagar as PPP. Fazer
obra à grande e à fartazana e enviar a factura para a futuro é uma
habilidade política que deveria ser considerada um pecado capital. E
que já vem desde o último Governo de Cavaco Silva.
2. “Os PEC de má
memória que não resolveram nada e que trouxeram cortes de salários
na função pública.” É preciso ter alguma lata para falar sobre
cortes salariais no Estado, vindo de alguém que se propõe manter os
cortes até 2019 e que se não fosse o Tribunal Constitucional há
muito que os funcionários públicos já tinham deixado de ter
subsídios de férias e de Natal.
3. "Uma das
maiores desigualdades entre os países da União Europeia.” É uma
conversa entre o roto e o nu. É verdade agora, como era verdade no
tempo de Sócrates, como era no tempo do Governo social-democrata que
o antecedeu.
4. "Défices
orçamentais ruinosos.” Uma verdade cristalina. No final da
governação socialista, o défice superava os 10%. Uma coisa é
haver vida para além do défice. Outra bem diferente é viver só do
défice.
5. "Défices
externos preocupantes." Outro tema para a animada conversa entre
o roto e o nu.
6. "Completo
desgoverno do Sector Empresarial do Estado." Mais um problema
que não surgiu por obra e graça do espírito santo. Foram
sucessivos governos, laranja e rosa, a engordar o monstro e a premiar
os fiéis militantes com cargos de chefias na administração dessas
empresas.
7. "A
nacionalização do BPN.” É injusto analisar a solução que foi
encontrada para o BPN aos olhos de hoje. E numa altura em que nem em
Portugal nem no resto da Europa havia uma lei que contemplasse a
resolução. É a mesma coisa que acusar um bombeiro de partir um
candeeiro (caro, sem dúvida) quando este tentava dominar o incêndio
que tomava conta da casa.
8. O “défice
tarifário na electricidade”. Uma praga semelhante à primeira e
uma herança que nos deixou Manuel Pinho. Cá estaremos até 2020
para o pagar.
9. O “endividamento
galopante”. Passos tem razão. Foi uma subida de 20 pontos em sete
anos de governação socialista. O PS contrapõe que com Passos
Coelho e a troika o aumento ainda foi maior. Mas é preciso não
esquecer que o empréstimo da troika não serviu apenas para fazer o
rollover da dívida. Foi preciso financiar o défice da praga número
4. Pagar as facturas das pragas 1, 5, 6, 7 e 8. E já agora não
esquecer da monumental desorçamentação (das empresas públicas à
reclassificação das PPP) e o colossal buraco na Madeira.
10. A última praga
é o “desemprego estrutural acima dos 10%” Continua a conversa
entre o roto e o nu. Quem tem razão? Venha o diabo e escolha.
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