Como
conter o poder alemão? Hollande quer um “governo económico”
TERESA DE SOUSA
15/07/2015 - PÚBLICO
Presidente
francês também defende a criação de um Parlamento autónomo para
os países do euro
Como é possível
evitar no futuro aquilo que se passou no último fim-de-semana, em
Bruxelas, em torno do destino da Grécia? A Europa deu dela própria
uma imagem muito pouco edificante. Chegar a um compromisso obrigou a
17 horas de trabalho e a confrontos por vezes violentos
A cimeira dos
líderes da zona euro salvou a Grécia, mas as dificuldades persistem
e os actores principais não tencionam abandonar facilmente as suas
posições de partida. Wolfgang Schaeuble insiste em ter razão
quanto ao Grexit. Em Atenas, o sapo parece demasiado grande para que
o Syriza o consiga engolir. Em Paris, François Hollande apresentou
aos franceses um balanço positivo do papel da França para salvar
Atenas mas foi mais longe. Na entrevista que deu no dia nacional da
França (14 de Julho) abriu as portas para uma reforma da governação
da zona euro que ajude a diluir o poder de um só país. Retomou uma
velha ideia francesa, a necessidade de criar um “governo económico”
capaz de contrabalançar a outra face da União Económica e
Monetária (UEM), e que aja em função da convergência real das
economias que partilham a mesma moeda.
A necessidade de
reformar a governação da zona euro tem estado em cima da mesa. Há
já um documento, chamado dos “cinco presidentes” (Comissão,
BCE, Conselho Europeu, Eurogrupo e Parlamento Europeu), que foi
entregue aos líderes na cimeira de 25 e 26 de Junho, mas ao qual
ninguém prestou grande atenção. A Grécia, que já estava a arder,
e a pouca vontade alemã acabaram por retirar-lhe importância. O
próprio relatório já tinha sido devidamente expurgado de alguns
aspectos que os alemães recusam, por exemplo, a ideia de um
orçamento próprio da zona euro para acorrer a choques assimétricos
ou crises de outra natureza que afectem um ou mais países, ou a
conclusão rápida da união bancária com o seu terceiro pilar,
referende à garantia comum de depósitos. Berlim continua a não
querer ouvir falar de uma “união de transferências”, que inclua
a partilha de responsabilidades e de riscos. A França, como a
Comissão e o PE, ou países que foram mais causticados pela crise
(como Portugal) defendem um reforço dos mecanismos comuns que gerem
a UEM, alegando que perderam os instrumentos nacionais para acorrer a
situações de crise, ao abdicarem da moeda. O próprio relatório
dos presidentes lembra que, mais tarde ou mais cedo, o orçamento
próprio da zona euro será o “desenvolvimento natural da UEM”,
lembrando que todas as uniões monetárias maduras dispõem de um.
Hollande veio agora
defender um “governo económico”, indispensável a partir do
momento em que os países do euro perderam a favor de Bruxelas boa
parte da sua política económica, incluindo as reformas estruturais.
A concepção francesa vai um pouco mais longe em matéria
institucional, defendendo também a criação de um Parlamento
autónomo para os países do euro, levando a separação entre os
dois níveis de integração ainda mais longe. Esta foi sempre a
ideia da França. Por um lado, quer que sejam os governos (e não a
Comissão) a gerir a UEM. Por outro, a ideia de um núcleo duro com
um grau elevado de autonomia institucional, mas que tem a oposição
dos países que ficam de fora.
A chanceler não vai
tão longe. Berlim considera que o Eurogrupo desempenha as funções
deste “governo económico” e recusa qualquer ideia de orçamento
próprio. Vale a pena recordar que a Alemanha, foi, até à crise do
euro o maior defensor, entre os “grandes”, de uma união política
europeia, assente no reforço das instituições (e não dos
governos). O Tratado Constitucional, cuja negociação foi lançada
por Berlim em 2000, foi a sua derradeira tentativa para avançar
nesse sentido. A França e a Holanda encarregaram-se de rejeitar em
referendo a nova Constituição, abrindo as portas para o Tratado de
Lisboa, de natureza muito mais intergovernamental, com o poder
centrado cada vez mais no Conselho Europeu. A crise foi a derradeira
gota de água para Berlim passar a ver as coisas de outra maneira e
recriar uma união monetária muito mais alemã. É o que está a
fazer. É neste impasse que a Europa se encontra. Mais tarde ou mais
cedo, a Europa tem de voltar a este debate. François Hollande já
prometeu uma proposta que traduza a visão da França. Que não é,
nem nunca foi, favorável ao reforço do poder da Comissão (é hoje
um assunto arrumado e dificilmente recuperado), mas precisa de um
quadro institucional que enquadre o poder excessivo da Alemanha.
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