Lava
Jato em 5 gráficos. Como o caso brasileiro cruza vários processos
em Portugal
Maria Catarina Nunes
Milton Cappelletti
21-7-2015 /
OBSERVADOR
Operação Marquês,
Monte Branco, BPN. O escândalo brasileiro cruza vários processos
nacionais. 5 gráficos para perceber a teia de ligações que a PGR
vai ajudar o Brasil a investigar.
Os negócios entre o
Brasil e Portugal cresceram visivelmente nos últimos anos. Um dos
responsáveis por esse crescimento foi inegavelmente Lula da Silva, o
ex-presidente brasileiro, que valorizou as ligações a Portugal.
Quando se descobrem casos suspeitos do outro lado do Atlântico é
normal que alguns deles cheguem a Portugal. Mas o Lava Jato, o
escândalo de corrupção que agora agita o Brasil (depois do
Mensalão e do Petrolão) não se cruza apenas com um processo, mas
sim com vários. Uma teia de relações entre empresas e pessoas que
o Observador tentou simplificar em 5 gráficos.
No cruzamento de
linhas do Brasil para Portugal (com passagens por África e Suíça),
o Lava Jato entra pelo processo Operação Marquês dentro, pelo qual
estão detidos José Sócrates (prisão preventiva), Armando Vara,
ex-administrador da CGD, Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo
Lena, e o empresário Carlos Santos Silva (todos em prisão
domiciliária). Toca também no caso Monte Branco, via Akoya, a
empresa suíça gestora de fortunas representada em Portugal por
Francisco Canas. É no âmbito deste processo que, entre muitos
outros, é arguido Ricardo Salgado, que teve de pagar uma caução de
três milhões de euros para aguardar julgamento em liberdade. E nem
o BPN escapa, uma vez que o banco de Oliveira e Costa (que aguarda
julgamento em prisão domiciliária) seria usado para a circulação
de dinheiro.
Até Passos Coelho
acabou por ser citado, alegadamente por ter recebido de Lula da Silva
um pedido para interceder a favor da Odebrecht aquando da
privatização da EGF. A construtora brasileira acabou por nem
concorrer e Passos negou que Lula lhe tivesse metido qualquer “cunha”
a favor de empresas brasileiras.
E ao mesmo tempo que
se multiplicam as notícias e as ligações entre Lula da Silva, o
processo Lava Jato, a empresa Odebrecht e os processos em
investigação em Portugal, a Procuradoria-Geral da República
portuguesa já confirmou ter recebido um pedido de ajuda das
autoridades brasileiras e garantiu o seu apoio à investigação que
acaba de incluir o próprio Lula da Silva. “Confirma-se a receção
de pedido de cooperação judiciária internacional, através de
carta rogatória”, diz a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Mas o caso parece ir muito além da simples suspeita de tráfico de
influências do ex-presidente brasileiro como representante da
construtora Odebrecht, quando deixou o cargo no Palácio do Planalto.
Comecemos pelo
Brasil e pelas últimas notícias sobre o caso. São de sexta-feira,
primeiro, quando se soube que Lula da Silva ia mesmo ser investigado.
E depois de domingo, quando se conheceram alguns telegramas
diplomáticos que envolviam o ex-presidente do Brasil em várias
ligações que iam além do lobby a favor da construtora brasileira
Odebrecht. O ex-presidente é investigado por suspeitas de tráfico
de influência em transação comercial internacional.
A Odebrecht, uma das
maiores construtoras do Brasil, está no centro de uma das maiores
redes de corrupção no Brasil, a Operação Lava Jato. O seu
presidente, Marcelo Odebrecht, está detido desde 19 de junho,
juntamente com mais 7 executivos da empresa. São suspeitos de
fraude, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, crime
contra a ordem económica e organização criminosa. Na mesma
investigação, diga-se de passagem, foram também detidos o
presidente da Andrade Gutierrez e oito outras pessoas da empresa que
esteve ligada aos negócios entre a PT SGPS e a brasileira Oi.
Voltando a Lula.
Dois telegramas analisados pela Polícia Federal brasileira vieram
sustentar a suspeita do Ministério Público do Brasil e o pedido de
ajuda a Portugal. E porquê? A rede de ligações de Lula da Silva, e
de empresários detidos no âmbito do processo Lava Jato, a
empresários e altos quadros do Estado portugueses, que por sua vez
estão envolvidos nos processos investigados em Portugal, começam a
surgir, umas atrás das outras.
As viagens de Lula
de Silva
Viagens de Lula da
Silva
Lula da Silva terá
utilizado as suas viagens pelo mundo para ajudar a construtora
brasileira Odebrecht, da qual se tornou representante após deixar de
ser presidente brasileiro, em várias frentes. Mas Lula terá ido
além do simples lobby. Terá usado os seus conhecimentos para
interceder a favor da empresa. Em Cuba e em países africanos, entre
2011 e 2014, terá colaborado para a angariação de novos contratos
para a empresa. Essa é uma das razões para o ex-presidente ser
suspeito de tráfico de influências em transação internacional
dentro do processo Lava Jato.
Mas não só. Lula
da Silva terá intercedido a favor da construtora para que o Banco
Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), ligado ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do
Brasil, financiasse obras da empresa, mas fora do país. O aeroporto
de Cuba é um exemplo. Em troca, a Odebrecht terá pago
contrapartidas a Lula da Silva.
Quando se deslocou a
Portugal, as viagens do ex-presidente terão sido pagas pela
Odebrecht. Seis das deslocações, pelo menos, terão sido suportadas
pela empresa brasileira. Numa dessas viagens, em 2013, Lula da Silva
apresentou o livro de José Sócrates, “A Confiança no Mundo”. O
presidente da Odebrecht Portugal, Fábio Januário, garantiu ao
Expresso, que aquela viagem financiada pela construtora foi apenas
para trazer Lula às comemorações dos 25 anos da empresa.
A apresentação do
livro teria sido apenas um extra, justificado com a relação pessoal
entre Lula e Sócrates.
Mas terá havido
mais. Num telegrama diplomático, datado de 25 de outubro de 2013, o
Ministério Público brasileiro encontrou suspeitas. No documento, o
embaixador brasileiro em Lisboa comenta com o ministério dos
Negócios Estrangeiros do Brasil a visita de Lula da Silva a
Portugal, nos dias anteriores: entre 21 e 23 de outubro. O documento
deixa claro que o convite da viagem partiu da Odebrecht Portugal e
revela reuniões em Lisboa com empresários brasileiros ligados à
construtora. Investiga-se agora com que propósitos.
Lula da Silva e as
conversas com Passos Coelho
Lula da Silva e
Passos Coelho
O atual
primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, também vê o seu nome
associado às notícias sobre o processo Lava Jato, por alegadas
conversas com Lula da Silva.
De acordo com um
relatório da Polícia Federal brasileira, o ex-presidente brasileiro
terá contactado Passos Coelho para demonstrar o interesse da
construtora Odebrecht no processo de privatização da portuguesa
Empresa Geral de Fomento (EGF) e para lhe pedir que intercedesse a
favor dos brasileiros.
O negócio de
privatização da EGF foi anunciado no início de 2014 e fechado em
novembro do mesmo ano. Recorde-se que a Suma, consórcio liderado
pela Mota-Engil, foi a vencedora e comprou a EGF por 149,9 milhões
de euros. Nenhuma empresa brasileira chegou a concorrer.
Mas um segundo
telegrama diplomático investigado pelas autoridades brasileiras,
trocado em maio de 2014, entre o embaixador brasileiro em Lisboa e o
ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros, analisa a
privatização da EGF. E nele, o embaixador Mário Vivalva destaca
que as empresas brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o
grupo português Visabeira, tinham interesse no negócio. A atenção
teria gerado “simpatia dos formadores de opinião em Portugal”. É
depois desta informação que “a ação direta de Lula em favor da
Odebrecht” terá sido referida, avança o Globo.
Por causa destas
notícias, e das alegadas conversas com Lula da Silva, Passos Coelho
teve de fazer um desmentido claro esta segunda-feira: “A empresa
brasileira que é referida não apresentou candidatura”. A garantia
de negação foi mais longe e o primeiro-ministro decidiu mesmo
utilizar vocabulário corrente “para que todos percebam de forma
direitinha: o ex-presidente do Brasil nunca me veio meter nenhuma
cunha”.
Operação Monte
Branco e Caso BPN
Francisco Canas
Mais conhecido por
Zé das Medalhas, Francisco Canas, antigo quadro do banco suíço
UBS, é suspeito por ter montado uma rede para fugir ao fisco e
branquear capitais. O esquema, considerado o maior caso de fraude
fiscal e branqueamento de capitais em Portugal, surge dentro da
Operação Monte Branco (o único caso pelo qual Ricardo Salgado foi
constituído arguido, tendo de pagar uma caução de três milhões
de euros).
Canas estaria ligado
aos administradores da Akoya Asset Management, Michel Canals, Nicolas
Figueiredo e José Pinto, que foram detidos em maio de 2012 no âmbito
deste processo. É que, através daquela empresa gestora de fortunas,
a rede (que funcionaria entre Portugal, Cabo Verde e Suíça)
incluiria um esquema de lavagem de dinheiro para os clientes
portugueses, utilizada por pessoas influentes. Canas faria com que
dinheiro não declarado em Portugal chegasse à Akoya Asset
Management, a tal empresa de gestão de fortunas. Daí, o dinheiro
regressava a Portugal já sem pagar impostos, através do Banco
Português de Negócios (BPN). Outro dos grandes casos em
investigação em Portugal.
Segundo o DCIAP, o
caso começou a ser investigado “tendo por base factos
identificados na investigação do caso BPN”, tendo sido detetados
fluxos financeiros, ocorridos entre 2006 e 2012, que atingem cerca de
200 milhões de euros.
É aqui que entra a
Bento Pedroso Construções, sucursal portuguesa da Odebrecht. A
empresa era cliente de Francisco Canas e, através deste esquema de
lavagem de dinheiro, terá movimentado, pelo menos, 6,1 milhões de
euros.
Também Duarte Lima,
ex-deputado do PSD, que foi condenado a 10 anos de prisão no
processo Homeland (um processo que nasceu de um certidão paralela à
investigação do BPN), era cliente de Francisco Canas.
Operação Marquês
e Armando Vara
Armando Vara
Também Armando
Varas, o mais recente arguido na Operação Marquês – o processo
que mantém José Sócrates em prisão preventiva – poderá estar
ligado a negócios no processo Lava Jato.
Como se sabe, Vara
foi administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2005 e
2007, e é suspeito de ter intercedido no financiamento do resort de
Vale do Lobo, negócio investigado na Operação Marquês, pelo qual
o ex-ministro socialista estará em prisão domiciliária.
Mas o alegado
conflito de interesses parece não ser único. E chega à Camargo
Corrêa.
Comecemos pelo
princípio. Entre 2005 e 2007, a CGD adquiriu participações na
cimenteira portuguesa CIMPOR: 1,21% em 2005 e 0,87% no ano seguinte.
Em 2007, o banco público vendeu o total, 2,08%, que tinha comprado.
A CIMPOR é propriedade da Camargo Corrêa, construtora brasileira,
desde 2012. Dalton Avancini, presidente daquela construtora,
abandonou o cargo quando o seu nome saltou para o processo Lava Jato.
O ex-presidente está em prisão domiciliária e a Camargo Corrêa é
agora liderada por Artur Coutinho.
E é aqui que
Armando Vara poderá estar, novamente, no centro das atenções por
alegado conflito de interesses. Quando abandonou a CGD, o ex-ministro
entrou para o Banco Comercial Português (BCP) como vice-presidente.
Em novembro de 2009, quando foi constituído arguido no Processo Face
Oculta (condenado a 5 anos de prisão efetiva, aguarda recurso), o
ex-ministro abandona o cargo.
Mas no ano seguinte,
Armando Vara é convidado para presidente do conselho de
administração da Camargo Corrêa em África. O ex-ministro foi
administrador da construtora entre 2010 e 2014. Dalton Avancini
(ex-presidente da empresa, agora em prisão domiciliária) foi seu
patrão durante essa época.
TGV e Operação
Marquês
TGV
O projeto do TGV,
aprovado no governo de José Sócrates, caiu com a chegada da crise e
intervenção da troika
A Bento Pedroso
Construções, sucursal portuguesa da Odebrecht, integrava ainda o
consórcio ELOS, vencedor da construção do troço Poceirão Caia do
TGV. Do ELOS, fazia ainda parte o Grupo Lena. Recorde-se que o
controverso negócio do TGV ficou suspenso com a intervenção da
troika em Portugal e foi chumbado pelo Tribunal de Contas.
O Grupo Lena tem
aparecido ligado diversas vezes ao processo Operação Marquês. O
seu ex-administrador, Joaquim Barroca, está em prisão domiciliária.
Terá sido através da empresa de Leiria que o empresário amigo de
José Sócrates, Carlos Santos Silva (também em prisão
domiciliária), terá feito grande parte dos negócios suspeitos no
caso pelo qual está detido o ex-primeiro-ministro.
Cabe agora às
autoridades brasileiras, com a ajuda do Ministério Público
português, conseguir unir as pontas de tantas linhas cruzadas. Que
podem continuar a ser apenas isso: um emaranhado de ligações, cujo
nexo está por provar.
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