Rui
e Marcelo: Espelho meu, espelho meu…
13
Junho 2015 / OBSERVADOR
Rita
Dinis
Rui
Rio ou Marcelo Rebelo de Sousa são dois dos prováveis candidatos à
direita que esta semana agitaram o PSD. Quem é quem aos olhos dos
sociais-democratas? Descubra as diferenças.
Um “não brinca em
serviço”, o outro brinca. Um é “previsível”, o outro é uma
caixinha de surpresas. Um é “inteligentíssimo”, o outro é
“rigorosíssimo”. Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Rio são a
“antítese um do outro”, mas, cada um à sua maneira, podem ser
vencedores à direita. Pelo menos é o que se diz no seio do PSD,
onde os amores se dividem e, em alguns casos, a seta do cupido tem
mesmo sérias dúvidas sobre em quem acertar.
Num jogo de avanços
e recuos, onde muitas vezes o que reina é o empurra, é afinal a
personalidade o que mais distingue dois dos possíveis candidatos da
direita à corrida a Belém e que esta semana estiveram em destaque.
Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa, como são eles aos olhos dos
dirigentes e deputados sociais-democratas?
Rui-Marcelo-personalidade
Rui Rio estudou no
Colégio Alemão desde os quatro anos e, diz quem o conhece, isso
influenciou muito a pessoa que é hoje. Rigoroso, racional, corajoso,
frontal, incorruptível e um exemplo pela luta contra todos os lóbis.
“Previsível”. Também teimoso, no sentido de “marreta”, por
levar a sua sempre até ao fim, e um pouco “orgulhosamente só” –
no partido ou mesmo quando esteve na Câmara. Tende a decidir tudo
sozinho. É esta a perceção daqueles que partilharam consigo os
bastidores da Assembleia ou da São Caetano à Lapa.
Rio chegou a dizer
em várias entrevistas que nunca fez nada para chegar onde chegou,
nem à Câmara do Porto nem à secretaria-geral do PSD, ou à
vice-presidência do partido – que não se move por ambição ou
desejo de poder, mas que é o seu trajeto e convicções que o levam
até lá. Todos os que o conhecem, contudo, vêem nele alguma
“frieza” e “calculismo político”, no sentido em que “não
dá um passo sem ter a certeza do que vai fazer”, como diz ao
Observador o deputado Couto dos Santos. E, nesse sentido, também
muito “previsível”: “Sabe-se sempre o que ele quer e o que vai
fazer, porque só faz o que quer, não se esperam surpresas ou
reviravoltas de última hora”, acrescenta um dirigente
social-democrata.
Hugo Velosa,
deputado do PSD há mais de 15 anos, lembra-se bem de Rio na comissão
parlamentar de Economia e da forma como “defendia ou atacava quando
sabia que tinha razão”. Sempre “bem preparado nos temas”, era
“coerente consigo próprio, e movia-se contra tudo e todos”, se
for preciso até contra “o sistema instalado”. A lealdade de
caráter é outro ponto que destaca.
Há sobretudo duas
palavras que tendem a vir logo à cabeça quando se fala em Rio:
racional e determinado. Um homem de convicções, sim, e muito
frontal. “É um político e ser humano exemplar, com as suas
qualidades e defeitos; tem uma estabilidade emocional à prova de
bala, é quase um cubo de gelo”, caracteriza o deputado Duarte
Marques. “Rigorosíssimo – não é rigoroso, é rigorosíssimo“,
acrescenta outra fonte social-democrata que se recorda da exigência
e pontualidade de Rio quando era secretário-geral do partido, no
tempo de Marcelo Rebelo de Sousa, precisamente.
Marcelo Rebelo de
Sousa, pelo contrário, é o emocional (a emoção antes da razão).
É o surpreendente, o conciliador, simpático e empático e, claro, a
mente brilhante. Aquele que tem uma visão mais alargada das coisas,
menos ideológica, e que é capaz de abranger (quase) todas as
franjas da população e do espetro político. É, aos olhos de
companheiros de partido, o estratega político que inspira e expira
política – “está-lhe nos genes, é quase como um vírus”, diz
Couto dos Santos -, com todas as vantagens e desvantagens que isso
acarreta.
“É muito menos
previsível do que Rui Rio, não se sabe com o que contar e com
Marcelo pode sempre haver surpresas”, define o deputado madeirense
Hugo Velosa, que aponta o comentador como uma figura “muito mais
empática com as pessoas” do que Rio. Rio ganha menos pela empatia
e mais pela “mensagem de rigor e obra feita que transmite”.
Pensando em Marcelo,
todos se lembram da mítica frase que disse em 1996, de que não
seria candidato à liderança do PSD “nem que Cristo descesse à
terra” – e foi. E esse é um episódio que ilustra bem a sua
personalidade, dizem. “É um estratega político – o que é
diferente de calculista político -, que arrisca com base nas emoções
e nos sentimentos, e que tem uma ligação muito estreita com as
bases”, acrescenta Couto dos Santos. Prefere o diálogo à decisão
individual e, se for preciso, senta-se a discutir um problema antes
de tomar a decisão sozinho. Rio é mais isolado.
A “inteligência
brilhante” de Marcelo é, de resto, outro ponto que não escapa a
ninguém. “A experiência e a mundividência que outros não têm
colocam-no num patamar superior”, diz um dirigente
social-democrata. Conhece gente em toda a parte e percebe de todos os
setores. Duarte Marques, deputado da bancada social-democrata e
ex-líder da JSD, arrisca que uma das vantagens dessa
multidisciplinariedade é o seu carácter de conciliador: “É capaz
de fazer pontes onde a direita não está habituada e aproxima-se
mais daquilo que a própria esquerda quer num Presidente”, diz,
destacando a sua preocupação com a cultura, lusofonia, à parte da
economia e aspetos financeiros.
Rui-Marcelo-experiencia
Rui Rio. Tem 57
anos, nasceu no Porto e licenciou-se em Economia. Começou por
trabalhar no setor têxtil, depois no Banco Comercial Português e
depois foi diretor financeiro da fábrica de tintas CIN. Entrou para
a política pela mão da Juventude Social Democrata, onde foi
vice-presidente da Comissão Política Nacional, entre 1982 e 1984.
Feita a escola, chegou a secretário-geral do partido doze anos
depois, em 1996, quando era Marcelo Rebelo de Sousa o presidente.
Visto por muitos como “relativamente isolado” no partido e o
“orgulhosamente só”, nunca chegou à liderança do PSD, apesar
de ter sido por duas vezes vice-presidente. Primeiro com Durão
Barroso e depois Pedro Santana Lopes, e, noutra fase, entre 2008 e
2010 quando era Ferreira Leite a presidente.
Entretanto esteve
uma década sentado na bancada social-democrata no Parlamento, entre
1991 e 2001, eleito pelo círculo eleitoral do Porto. Foi
vice-presidente do grupo parlamentar e o porta-voz para as questões
económicas. Mas acabou por sair de São Bento diretamente para a
presidência da Câmara do Porto, onde esteve durante três mandatos
até 2013.
Numa coisa todos
concordam, Rio é um político gestor. Vê tudo numa “lógica do
deve e do haver”, com muito “pragmatismo”, olhando para os
problemas na perspetiva de um gestor e tendo uma visão estratégica
de curto e médio prazo. Procura resultados mais imediatos, dizem.
Se pudesse
quantificar a habilidade política de Rio e de Marcelo, o deputado
Couto dos Santos arriscaria mesmo uma proporção: numa escala de
zero a 100, “Marcelo teria 80, Rio 50″.
Marcelo. Histórico
social-democrata, está no PSD desde a sua fundação no pós-25 de
abril. Nascido em Lisboa, tem 66 anos e subiu à liderança do PSD
entre 1996 e 1999, depois do cavaquismo e antes de Durão Barroso.
Foi ministro dos Assuntos Parlamentares e é ainda hoje conselheiro
de Estado, mas foram as suas qualidades de professor catedrático da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e de comentador
político que o transportaram para a ribalta na opinião pública.
Se Rio é o político
gestor, Marcelo é o político estratega. Ou o estratega político.
“Tem uma visão de médio e longo prazo para tudo”, diz Couto dos
Santos, e não se baseia apenas nas soluções imediatas para os
problemas. Por outro lado, a sua vivência na política e no ativismo
político desde a mais tenra idade faz dele um político “mais
adaptado ao sistema”, enquanto Rio tende a ser “mais disponível
para ir contra o sistema político enraizado”, acrescenta outra
fonte da bancada social-democrata.
“Os genes
políticos [de Marcelo Rebelo de Sousa] são de tal maneira ativos
que se tornam quase num vírus”, diz Couto dos Santos a respeito da
vida política do professor de Direito. O que pode não ser bom, por
infectar muitas vexes o seu desempenho dos cargos políticos, diz,
lembrando a saída abrupta de Marcelo da liderança do PSD ao fim de
três anos depois de entrar em rota de colisão com Paulo Portas. “A
sua convicção às vezes leva-o a conflitos com ele próprio, por
oscilar entre a vertente de comentador astuto com a de detentor de
cargos políticos”, acrescenta.
Em termos de
percurso político, no entanto, a maior diferença entre os dois é,
segundo dizem, uma só: Marcelo é mais popular juntos dos eleitores
pela “simpatia” e “genética política”, que suscita emoções.
Enquanto Rio é mais conhecido pela “imagem de rigor” que tende a
suscitar maior grau de credibilidade. Por essa razão, o deputado
Duarte Marques arrisca uma pista: Rio pode ser “uma surpresa”
para os portugueses, porque não o conhecem tão bem, e Marcelo pode
ser “uma desilusão”, porque o conhecem bem demais. Esses são os
riscos, aponta.
Rui-Marcelo-conquistas
Rui Rio. A Câmara
Municipal do Porto, especificamente a conquista surpreendente do
primeiro mandato, a batalha com Pinto da Costa e o Futebol Clube do
Porto, que deixou de poder festejar os títulos nos Paços do
Concelho e o rigor das “contas à moda do Porto”. São estas as
maiores glórias de Rio, dizem os dirigentes e deputados com quem o
Observador falou.
A “coragem” para
levar as suas convicções até ao fim e para dizer sempre o que
pensa, dizem, fez com que o seu mandato de 12 anos no Porto ficasse
para a história como o mandato do “rigor” e da separação entre
política e futebol. “A posição que tomou perante o FC Porto fez
com que se desmontasse a ideia de que o futebol e a política têm de
estar interligados – não tem de haver essa promiscuidade entre os
dois”, diz o deputado Hugo Velosa, que se interessa particularmente
por ambos. Para outro deputado, no entanto, o statement que Rio
deixou ao cortar relações com o futebol no Porto foi mais um
“número para marcar a diferença”, e não tanto uma “convicção
genuína”.
A gestão autárquica
é, de resto, o denominador comum de todas as opiniões sobre Rui
Rio. É o seu marco na história.
Marcelo.
Independentemente de tudo, ficará para a história como ‘o
professor’, que dá as notas aos políticos e que troca a política
por miúdos. “É o comunicador político por excelência e essa
será sempre a sua grande marca”, diz uma fonte da bancada. “A
forma como conquista as pessoas e como conseguiu criar empatia com os
portugueses é um grande mérito dele”, diz outra.
O mandato de três
anos à frente do PSD também não é esquecido e é apontado por
alguns como uma grande conquista e guerra vencida. Sem um status de
credibilidade unânime para aquelas funções, Couto dos Santos
lembra-se de como Marcelo “soube agarrar o partido numa altura
crítica” (na oposição a Guterres e, internamente, na transição
do cavaquismo) e “soube dar-lhe uma dinâmica própria”. Apesar
de ter saído três anos depois, fragilizado pela aliança que tentou
fazer com Paulo Portas (já então no CDS), todos recordam a
“frontalidade de Marcelo com Portas” e a “capacidade de dizer
que não”. “Não é só nos ganhos que se tiram louros e que se
faz história”, diz Couto dos Santos.
Foi durante esses
três anos que Marcelo, estando no partido da oposição, levou a
cabo, com o primeiro-ministro de então António Guterres, uma
revisão constitucional, e foi também o líder Marcelo que, em 1998,
foi buscar o referendo eleitoral à Constituição (já lá estava
desde sempre, mas nunca tinha sido utilizado), para travar a lei da
despenalização do aborto, depois de já ter sido aprovada no
Parlamento. Nesse mesmo ano realizou-se outro referendo, à
regionalização.
Rui-Marcelo-apoiantes
Rui Rio. Entre
amigos e apoiantes para uma candidatura a Belém, os nomes que surgem
imediatamente são o ex-ministro Nuno Morais Sarmento e Pacheco
Pereira. O próprio Marco António Costa, primeiro vice-presidente do
PSD, e até Passos Coelho, são tidos como apoiantes de Rio, no
sentido em que, se estiver a correr para Belém não estará a pensar
na presidência do partido.
Marcelo. Luís
Marques Mendes e Leonor Beleza, por outro lado são os nomes que
surgem na primeira fila de apoio a Marcelo Rebelo de Sousa e que
preferem ver Rio no partido como eventual sucessor a Passos Coelho.
Rui-Marcelo-passos
Diz-se que é Rio o
candidato de Passos para Belém, e não Marcelo. Mas também se diz
que é Rio porque Passos não o quer ver a desafiar a sua liderança
no partido em caso de derrota eleitoral nas legislativas. “Os dois
dão-se bem com Passos”, diz uma fonte da bancada social-democrata,
mas são conhecidas as resistências do atual primeiro-ministro a uma
candidatura de Marcelo à Presidência.
Em janeiro do ano
passado, na moção que levou ao 35.º congresso do partido, Passos
lançou um perfil daquele que seria o candidato apoiado pelo PSD e
deu a entender que Marcelo não, Rio talvez. Dizia Passos que o
futuro Presidente não podia ser um “catavento de opiniões
erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do
fenómeno político” e que não “devia buscar a popularidade
fácil”. Todos entenderam que era a Marcelo que se referia.
Pelo contrário, em
abril deste ano, durante a assinatura do acordo de coligação com
Paulo Portas, houve um pormenor que não passou indiferente a
ninguém: o acrescento da palavra “preferencialmente” à alínea
que dizia que a coligação iria apoiar um candidato presidencial
“preferencialmente depois das legislativas”. Todos entenderam que
era uma porta aberta para Rio, o único que não tinha posto o timing
do pós-legislativas como requisito para o seu eventual anúncio de
candidatura.
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