O
“estranho caso” da torre de Lisboa que “não pára de crescer”
INÊS BOAVENTURA
28/07/2015 - PÚBLICO
O
cálculo da edificabilidade atribuída ao promotor da torre que vai
nascer na Fontes Pereira de Melo e o recurso à figura dos créditos
de construção continuam a levantar dúvidas na assembleia
municipal.
“Já
estou vacinado quanto a essa matéria”, disse ainda, referindo-se a
dúvidas que têm sido levantadas quanto a eventuais favorecimentos
seus ao BES, acrescentando que é “primo direito” e “amigo”
de Ricardo Salgado.
Há O Estranho Caso
de Benjamin Button, personagem da literatura e do cinema que “nascia
e depois ia ficando cada vez mais novo e encolhendo”, e depois há
“o estranho caso da torre da Fontes Pereira de Melo”, que “a
todo o tempo vai crescendo, ganhando pisos e área”.
A comparação foi
feita pelo BE na Assembleia Municipal de Lisboa, órgão no qual
deputados de vários partidos manifestaram dúvidas sobre o processo
que envolve o licenciamento da construção de um edifício com 17
andares em Picoas.
Aquilo que estava em
discussão na assembleia era a proposta camarária (que acabou por
ser aprovada por maioria) de consagrar à reabilitação de edifícios
de habitação no Bairro Padre Cruz, na freguesia de Carnide, uma
verba de 2,774 milhões de euros. Esse é o valor que o município
prevê arrecadar com a venda de créditos de construção ao promotor
do projecto imobiliário que vai ser desenvolvido no gaveto da
Avenida Fontes Pereira de Melo com a Avenida 5 de Outubro.
Globalmente, os
deputados manifestaram a sua concordância com essa intenção, mas
não deixaram de verbalizar as dúvidas que têm relativamente à
maneira como foi calculada a edificabilidade atribuída ao promotor
(17 mil m2) e à forma como lhe foi permitido que fizesse essa
edificabilidade crescer de duas formas: através da atribuição pela
autarquia de créditos de construção pela “integração de
conceitos bioclimáticos e de eficiência na utilização dos
recursos e da eficiência energética nos edifícios” (mais 2300
m2) e da venda de créditos de construção no valor de 2,774 milhões
de euros (mais 3900 m2).
A essas dúvidas,
alguns deputados acrescentaram outras, relacionadas com o facto de a
um anterior proprietário do terreno em causa ter sido transmitido
pelo município, em 2011, que não poderia construir no local mais do
que de 12.377 m2, em sete pisos acima do solo, caso apostasse em
comércio e serviços. Uma situação que o PÚBLICO já noticiou e
cuja diferença face à situação actual a câmara tem justificado
com a entrada em vigor, em 2012, de um novo Plano Director Municipal
(PDM) e de um regulamento municipal de “incentivos a operações
urbanísticas com interesse municipal”.
Essa explicação
não convenceu o bloquista Ricardo Robles, que usou a comparação
com a história do personagem interpretado no cinema pelo actor Brad
Pitt para defender que se assiste aqui a um “estranho caso” de
uma torre que “ainda não saiu do papel mas não pára de crescer”.
Considerando que este processo “é fruto da política urbanística
do executivo, fruto do PDM [Plano Director Municipal] e respectivos
regulamentos”, o deputado lamentou que o presidente da Câmara de
Lisboa “assine por baixo” aquilo que o vereador do Urbanismo,
Manuel Salgado, decide.
Também Victor
Gonçalves questionou vários aspectos deste processo, nomeadamente o
facto de se ir permitir um aumento de edificabilidade com base num
critério (o de valoração de conceitos bioclimáticos e de
eficiência na utilização de recursos e de eficiência energética
nos edifícios) que só trará benefícios para quem vier a trabalhar
na torre e “não para a comunidade”. “É para valorizar o
prédio, é uma forma de marketing”, afirmou o deputado do PSD,
acrescentando que isso não respeita “o espírito” com que a
assembleia municipal aprovou o regulamento que prevê a atribuição
de créditos de construção.
Pelo PEV, Sobreda
Antunes disse, referindo-se ao facto de a receita com a venda de
créditos ir ser aplicada na requalificação do Bairro Padre Cruz,
que “apesar de a intenção ser boa” o seu partido não pode
aceitar que tal seja feito “com recuso a estas negociatas”.
Já Fábio Sousa,
que preside à Junta de Freguesia de Carnide, fez saber que o PCP não
se sente “minimamente confortável com a ausência de resposta” a
algumas das questões levantadas, mas lembrou que o investimento
naquele bairro municipal “não só é útil e necessário, como é
bastante urgente”. “O bairro precisa de ser acarinhado, de um
olhar diferente, precisa que o processo de regeneração em curso não
fique suspenso”, afirmou.
Presente na reunião
da assembleia municipal que se realizou esta terça-feira, o deputado
independente Nunes da Silva não usou da palavra, mas do parecer que
a Comissão de Ordenamento do Território produziu sobre este tema
constam várias pergunta suas sobre “o modo como foi definida a
edificabilidade” atribuída pela câmara ao promotor. Perguntas que
já no fim da discussão o autarca disse ao PÚBLICO que não
considerou que tivessem ficado esclarecidas com a intervenção de
Manuel Salgado.
Nessa intervenção,
o vereador do Urbanismo afirmou que o terreno em causa “não foi
entregue ao BES”, mas sim “ao Fundo Flit, que pertence a todos os
bancos nacionais e no qual o Novo Banco tem uma participação de
cerca de 10%”. “Já estou vacinado quanto a essa matéria”,
disse ainda, referindo-se a dúvidas que têm sido levantadas quanto
a eventuais favorecimentos seus ao BES, acrescentando que é “primo
direito” e “amigo” de Ricardo Salgado.
Em defesa da
proposta camarária surgiu também o socialista André Couto, que
defendeu que o executivo usou neste processo os meios de que dispõe
“de forma transparente e legítima”. O autarca sublinhou que os
deputados municipais têm “uma função política, e não técnica”,
não lhes competindo portanto “estar a fiscalizar cálculos”
feitos pela câmara.
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