Dilma
cercada por escândalo de corrupção que assume dimensão
internacional
RITA SIZA 22/07/2015
– PÚBLICO
As
ondas de choque da operação Lava Jato já se sentem em vários
países da América Latina e até na Suíça. O elo comum é a
construtora Odebrecht.
No Brasil, mas
também no Peru, na Suíça, no Panamá ou no Equador, os negócios
da Odebrecht, a maior construtora da América Latina, estão sob
suspeita de corrupção – a empresa é indicada em investigações
judiciais enquanto membro do alegado cartel de construtoras que
usufruía de contratos com a petrolífera estatal Petrobras, em troca
de financiamentos partidários ilícitos, e enquanto beneficiária de
tratamento especial de governantes estrangeiros, por acção directa
de responsáveis políticos brasileiros.
Apesar de ter
presidido ao conselho de administração da Petrobras no período dos
factos denunciados (e já apurados) pela investigação Lava Jato, a
Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem sido poupada das suspeitas
de corrupção. Mas para 69,2% dos brasileiros, ela é uma das
culpadas pela corrupção na estatal, que 65% acreditam já ter
começado no mandato do seu antecessor Lula da Silva, revela uma
sondagem CNT/MDA. O cerco ao Governo de Dilma está a apertar-se: no
actual ambiente de desconfiança generalizada e crise institucional,
a sua margem de manobra política está seriamente diminuída, e a
sua imagem muito comprometida. Aliás, 63% dos brasileiros apoiam
agora a abertura de um processo para a destituição da Presidente,
que foi reeleita em Novembro passado com 51,6% dos votos.
O escândalo de
corrupção, que rebentou também há pouco mais de um ano, ainda
antes da reeleição, e inicialmente parecia circunscrito apenas à
empresa petrolífera estatal Petrobras, continua a crescer, deixando
no ar a ideia de que está “tudo” está ligado, e ao mais alto
nível: as maiores empresas do Brasil, os políticos e respectivos
partidos – do Governo e base aliada, e também da oposição –, e
até a Procuradoria e os tribunais. Porém, 67,1% dos entrevistados
pela CNT/MDA não acreditam que os responsáveis pela corrupção
venham alguma vez a ser castigados.
Peru e Suíça
investigam
E a rede já
extravasa as fronteiras brasileiras, com ramificações a tocarem
vários países latino-americanos e africanos. A prisão de Marcelo
Odebrecht, o presidente da administração, no âmbito da operação
Lava Jato, deixou "milhões de dólares em projectos de
infra-estrutura sob escrutínio por toda a região”, escreve a
Reuters. A Polícia Federal brasileira acabou de imputar ao
empresário os crimes de corrupção activa, lavagem de dinheiro,
fraude em licitações e crime contra a ordem económica – e além
de Odebrecht, foram também indiciados (e detidos) outros quatro
executivos da construtora.
O escândalo assumiu
uma dimensão internacional com a confirmação, pelo
Procurador-geral do Peru, Pablo Sanchéz, das diligências das
autoridades nacionais no âmbito da investigação a supostas
práticas de suborno em torno de um projecto viário
transcontinental, e que incluem uma missão de investigadores
peruanos ao Brasil para recolha de depoimentos e provas. “A
mensagem que o Brasil deu, com uma investigação da escala [da Lava
Jato] que vai ecoar aqui se encontrarmos provas, é de uma clara
batalha contra a corrupção nesta região”, disse Sanchéz.
Esta quinta-feira
foi conhecida a existência de um outro inquérito, aberto pelo
Ministério Público de Berna, na Suíça, por indícios de
pagamentos de subornos por parte da Odebrecht, através de contas
abertas naquele país por ex-directores da Petrobras.
De acordo com a
Reuters, outros países da América Latina estão a mexer-se para
descobrir o que está por trás dos negócios da construtora,
responsável por quase três quartos dos projectos de infra-estrutura
de empresas brasileiras no estrangeiro. “O Equador iniciou
auditorias a contratos da companhia. O vice-presidente da Colômbia
alertou que a empresa poderia ser proibida de participar em concursos
públicos durante décadas. Investigadores nos Estados Unidos e no
Panamá também estão a colaborar com as autoridades brasileiras”,
informa a agência.
Os Estados Unidos já
suspeitavam de que havia irregularidades com a actividade da
Odebrecht nesses países, lê-se em alguns dos telegramas
diplomáticos dos Estados Unidos revelados pela Wikileaks, e que o
jornal O Estado de São Paulo publicou nesta quarta-feira.
As desconfianças
dos EUA
Equador, Panamá,
Venezuela e Angola, são países onde a Odebrecht fez negócios que
os norte-americanos consideravam suspeitos, ainda durante a
presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (que deixou o cargo em
2009). O ex-Presidente e homem forte do Partido dos Trabalhadores
está no centro de um outro inquérito judicial, aberto pela
Procuradoria de Brasília para apurar a natureza da sua associação
à construtora depois de deixar o palácio do Planalto.
O diário aponta
casos concretos de mensagens enviadas para Washington da embaixada de
Quito, no Equador, que referem a pressão do Presidente Rafael Correa
sobre a Odebrecht, que terá sido ameaçada de expulsão do país,
depois de o chefe da secretaria anticorrupção equatoriana
questionar os preços e o financiamento dos seus contratos, informou
o embaixador norte-americano, num telegrama de Outubro de 2008.
“Apesar de não termos a história completa da ira de Correa contra
a Odebrecht, suspeitamos que a corrupção e a pobre construção da
empresa amplamente devem explicar as suas acções”, lê-se no
documento citado.
Datado de Outubro de
2009, um telegrama da embaixada dos EUA no Panamá alerta para um
escândalo de corrupção prestes a rebentar envolvendo a Odebrecht,
e menciona explicitamente “uma grande contribuição” para a
campanha do então Presidente Ricardo Martinelli, paga pela
construtora brasileira que tinha assinado um contrato de 60 milhões
de dólares para a construção de uma estrada “sem licitação”.
Outros telegramas
referem o papel do então Presidente Lula da Silva no fecho de
negócios da Odebrecht na Venezuela e em Angola. Se a conduta de Lula
não é posta em causa, já os contratos atribuídos à construtora
merecem as maiores dúvidas aos norte-americanos. Portugal não fez
qualquer pedido de cooperação internacional para investigar Lula,
assegurou o Ministério Público, depois de ter sido noticiado que os
contactos do ex-Presidente brasileiro com Passos Coelho estavam
também na mira das autoridades brasileiras.
Camargo Corrêa
condenada
Se Marcelo Odebrecht
beneficia, por enquanto, da presunção de inocência relativamente
aos crimes que lhe foram imputados no âmbito da Lava Jato, os
administradores de outra grande construtora brasileira, a Camargo
Corrêa, foram já condenados a penas de prisão e ao pagamento de
uma multa de sete milhões de reais (dois milhões de euros) pelos
crimes de corrupção, formação de quadrilha e branqueamento de
capitais.
O juiz aceitou que
Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Auler cumprissem a pena em
regime domiciliário: os três assinaram acordos de delação
premiada, fornecendo provas do pagamento de subornos no valor de 50
milhões de reais ao ex-director de Abastecimento da Petrobras, Paulo
Roberto Costa, por contratos nas obras das refinarias Getúlio
Vargas, no Paraná, e Abreu e Lima, em Pernambuco.
Além da Odebrecht e
da Camargo Corrêa, outras cinco construtoras foram nomeadas pelas
autoridades como integrantes do cartel que operava em sistema de
“rodízio”, pagando subornos para assegurar contratos da
Petrobras. Neste momento, há pelo menos 20 executivos
(administradores, directores) no banco dos réus, a aguardar
sentença.
De
volta ao que sempre fomos
O
Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das
bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante
LUIZ RUFFATO 22 JUL
2015 - 09:47 BRT /
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/22/opinion/1437567233_635494.html
Em novembro de 2009,
Beirute foi a capital mundial do livro, título concedido anualmente
pela Unesco. Em comemoração, foram convidados 15 escritores de oito
países para debater as perspectivas da literatura. No dia da
chegada, participamos de um jantar oficial oferecido pela
universidade Saint Joseph, a segunda mais importante do Líbano. À
entrada, o reitor recebia a todos com uma simpática mas rápida
saudação. Quando chegou minha vez, no entanto, ele, ao ouvir o nome
Brasil, segurou caloroso minha mão e passou a perguntar sobre o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com curiosidade e admiração.
Um ano antes, Lula
havia desafiado a crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária
norte-americana ao afirmar taxativamente que o que era tsunami nos
Estados Unidos seria sentido no máximo como marolinha no Brasil.
Assim, se em 2008 o Produto Interno Bruto cresceu 5%, no ano seguinte
—reflexo do “tsunami” norte-americano— conheceria uma forte
retração (0,2% negativo), dando um enorme salto em 2010 (7,6%),
último ano do segundo mandato de Lula. Vivíamos então a euforia de
ser a sétima maior economia do planeta —todos os olhos voltavam-se
para nós. Por conta disso, Lula não encontrou grandes dificuldades
para eleger como sucessora sua ministra da Casa Civil, Dilma
Rousseff, nome estranho aos quadros históricos do partido —ela
filiou-se em 2001 e na posse do primeiro mandato de Lula, janeiro de
2003, já era titular da pasta de Minas e Energia.
No poder, Lula,
assim como Dilma, mostraram-se bastante pragmáticos. Eleitos por uma
aliança com partidos conservadores, alguns claramente identificados
com clientelismo e corrupção, desenvolveram uma política econômica
baseada na ampliação do número de consumidores, não pela
distribuição de renda, mas pela transferência de renda, via
assistência social. O modelo começou a desmoronar já ao longo do
primeiro mandato de Dilma: o PIB cresceu 3,9% em 2011, 1,8% em 2012,
2,7% em 2013 e 0,1% em 2014. E as perspectivas para este ano são
péssimas: retração de 1,5% no PIB, taxa de desemprego de 8%,
inflação de 9%.
É evidente que não
se pode imputar unicamente a crise econômica ao governo —somos
peças de um quebra-cabeças internacional. Mas, com certeza, grande
parte da responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas,
agravadas agora por uma crise institucional sem precedentes, que
ameaça paralisar ainda mais o país. Em curso, a Operação
Lava-Jato já possibilitou a abertura de inquéritos no Supremo
Tribunal Federal (STF) contra 12 senadores, incluindo o presidente da
Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e 22 deputados federais. O
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
envolvido em denúncias de corrupção, ameaça, como patética
retaliação, patrocinar a abertura de processo de impeachment contra
a presidente Dilma Rousseff. Segundo na linha de sucessão, Cunha,
que conta com apoio de boa parte do Congresso, pertence ao mesmo
partido do vice-presidente Michel Temer, primeiro na linha de
sucessão —o PMDB vem se favorecendo da aliança com o PT, com
cargos e influência, desde 2006.
Não se pode imputar
unicamente a crise econômica ao governo. Mas parte da
responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas, agravadas
agora por uma crise institucional sem precedentes, que ameaça
paralisar ainda mais o país
Mesmo como bravata,
a atitude de Cunha acirra o já tenso panorama político-econômico.
Um processo de impeachment inviabiliza o país pelo tempo em que se
arrastar, que nunca é breve. Esse, portanto, deveria ser um momento
de reflexão e sobriedade. No entanto, parece que, acima dos
interesses coletivos, plainam soberbas as conveniências
particulares. O PMDB se beneficia em qualquer dos cenários futuros:
mantida no comando, Dilma, enfraquecida, dependeria ainda mais do
partido, que parasita a máquina administrativa com voracidade; com
Dilma impedida, o PMDB assume o governo —em ambas as situações,
sai fortalecido para lançar candidato próprio nas próximas
eleições. O PSDB também ganha, pois se consolida como opção
viável para governar o país, apesar de seu candidato natural, o
senador Aécio Neves, ter seu principal aliado, o senador e
ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, envolvido no
processo da Operaçao Lava-Jato que corre no STF.
Bons tempos aqueles
em que despertávamos a atenção do mundo pela novidade que
representávamos: primeira nação governada por um ex-operário
líder de uma agremiação de esquerda não comunista, que, rezando
por uma cartilha heterodoxa, impelia o crescimento do país num
momento de estagnação da economia global. Hoje, envolvido em
denúncias de lobby em favor de empreiteiras no exterior, e cercado
por dirigentes envolvidos em negociatas, Lula não passa de um triste
simulacro de si mesmo —e o Brasil volta a ser o que sempre foi, uma
melancólica república das bananas, governada por uma elite burra,
corrupta e arrogante.
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