Nasceu
uma nova zona euro: a zona euro reversível
17 Julho 2015 /
OBSERVADOR
Edgar Caetano
Catarina Falcão
O que muda numa
união monetária que reconheceu, depois de anos de negação, que um
país pode sair - forma "temporária"? "As regras do
jogo mudaram", admitem eurodeputados, economistas e
investidores.
Onde estava na tarde
de domingo, 12 de julho de 2015? Foi nesse dia que nasceu uma nova
zona euro. Ou foi, no mínimo, o dia em que se reconheceu –
oficialmente – que a zona euro já não é a mesma que era há
alguns anos. A união monetária, que em julho de 2012 Mario Draghi
jurou ser “irreversível”, passou a prever no domingo que um
membro possa sair, ainda que uma forma pretensamente “temporária”
e por sua iniciativa. Ouvimos eurodeputados, economistas e
investidores para tentar perceber quais serão as implicações do
time-out que chegou a ser proposto à Grécia pelos outros ministros
das finanças da zona euro, apesar de este ter sido apagado, depois,
na declaração dos chefes do governo. Conclusão: a frase poderá
ter “mudado as regras do jogo”.
“Se não for
possível chegar a um acordo, à Grécia deve ser facultado o acesso
a negociações rápidas com vista a um tempo fora da zona euro, com
possibilidade de reestruturação da dívida“. A frase surgiu,
domingo, no final de um documento de quatro páginas elaborado pelos
ministros das Finanças em que estavam gizadas, com grande detalhe,
as medidas com que a Grécia teria de se comprometer se quisesse ter
um terceiro resgate. A alternativa ao acordo sobre essas medidas
vinha, portanto, no final, dentro de parêntesis retos.
"In
case no agreement could be reached, Greece should be offered swift
negotiations on a time-out from the euro area, with possible debt
restructuring."
Recuemos três anos.
Voltemos ao início do verão de 2012, quando os receios de
redenominação faziam subir os juros não só da Grécia e de
Portugal mas, também, de Espanha e Itália. Receios de
redenominação, em linguagem corrente, significam que os
investidores vendiam os títulos de dívida destes países por
recearem que, um qualquer dia, acordassem e constatassem que a moeda
em que estes títulos estavam expressos tinha deixado de ser euros e
tivesse sido mudada (redenominada) para liras, pesetas, escudos ou
dracmas.
Conta-se que foi em
2012, depois das eleições gregas, que à segunda tentativa deram
maioria a uma coligação liderada por Antonis Samaras, que Angela
Merkel e o governo alemão passaram a dizer “A Grécia fica”,
quando nas semanas anteriores vários responsáveis políticos e
analistas falavam, sem tabus, do desmembramento da zona euro, a
começar pela periferia. A 26 de julho, Mario Draghi dizia que o BCE
faria tudo o que for necessário para garantir que a união monetária
permaneceria intacta e que não fazia sentido especular outra coisa.
Fast forward. A 16
de julho de 2015, Mario Draghi senta-se na sala de conferências de
imprensa em Frankfurt para falar de política monetária. O italiano
garante que o BCE está a lançar mais estímulos caso a estabilidade
financeira seja posta em causa e, sobre a Grécia, eis o que o
presidente do BCE teve a dizer:
“Não cabe ao BCE
decidir quem são e quem deixam de ser os membros [da zona euro]. O
BCE tem agido dentro do seu mandato e continuará a fazê-lo,
trabalhando no pressuposto que a Grécia vai continuar a ser um
membro da zona euro.”
“Nos últimos três
anos, a mensagem do BCE tem sido de que ‘o euro é irreversível e
faremos tudo o que for necessário’ para manter o euro intacto para
‘não cabe a nós decidir quem fica ou quem sai’. Isto é uma
diferença muito importante“, diz ao Observador Nicholas Spiro,
consultor de investimentos e especialista em dívida soberana na
londrina Spiro Sovereign Strategy. “A declaração mostra que nada
é irreversível e, certamente, a zona euro deixou de ser vista como
irreversível”, diz Nicholas Spiro.
O especialista diz
que esta frase histórica a falar na saída temporária do euro,
contida num documento oficial, “vem mudar as regras do jogo na
Europa”, além de mostrar que “a Alemanha está em completo
controlo das políticas económicas na zona euro e que, caso seja
desafiado por Tsipras ou por outro líder político por essa Europa
fora que se queira armar em Tsipras, a Alemanha irá usar todo o seu
peso político para impor a sua vontade”.
Ouvida pelo
Observador, a eurodeputada Elisa Ferreira acredita que o último fim
de semana deixou uma “cicatriz” na União Europeia e
especialmente na zona euro, mas espera que as repercussões não se
façam sentir no longo prazo. “Ficou uma cicatriz, espero que não
tenha ficado uma brecha na União Europeia”, diz a eurodeputada.
“Aquilo que era
irreversível passou a poder saltar para cima da mesa a qualquer
momento”, diz Elisa Ferreira. “A solução e admissão de uma
saída temporária criou nos mercados a ideia que a robustez da zona
euro não é tão sólida como todos acreditávamos”, acrescenta a
eurodeputada, uma das principais impulsionadoras da União Bancária
e do aprofundamento da União Económica e Monetária no Parlamento
Europeu.
Opinião oposta tem
Nicolas Véron, co-fundador do think tank Bruegel e investigador em
Finanças e Economia. “Não acredito que a perceção dos
investidores em relação ao euro tenha mudado realmente” por causa
dessa frase. Há muito que “os investidores observam as tensões
que existem dentro da zona euro, que se tornaram claras em 2010 e
estão, claramente, cada vez mais azedas”, diz Nicolas Véron. Mas,
alerta o investigador, não faz sentido falar em desmembramento da
zona euro porque, “no terreno, as decisões políticas caminham
sempre no sentido de uma integração crescente e enquanto assim for
não vejo razões para achar que a perceção pode mudar”.
Tenha a perceção
de indivisibilidade mudado ou não, ou fosse essa perceção mais ou
menos sólida, o que é que a introdução desta frase vai implicar
para a zona euro e para Portugal? Para o investigador William
Bartlett, da London School of Economics, a Grécia “é um caso
extremo”, embora outros países sofram as mesmas pressões da
Grécia, incluindo terem de apresentar de “forma mágica”
maneiras de alterar a estrutura das economias para estas se tornarem
mais competitivas.
Também em conversa
com o Observador, outro académico, George Tzogopoulos, diz que “não
parece plausível que Portugal ou Irlanda tenham, realmente, um risco
de saída do euro”. Mas o investigador, ligado à grega ELIAMEP
(Hellenic Foundation for European and Foreign Policy), diz que
admitir “uma saída da Grécia da zona euro poderá criar alguma
preocupação em relação ao seu futuro, no sentido em que se
verifica que se pode chegar a uma situação em que a zona euro deixa
de proteger a sua integridade”. “Esta é uma questão política,
não apenas económica, e discordo de qualquer pessoa que diga que só
falamos aqui de números”, remata.
Mas ficará a zona
euro necessariamente mais frágil só porque se admitiu que não é
irreversível? Nem todos subscrevem este ponto de vista. O presidente
da BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos de todo o mundo,
Larry Fink, disse esta semana em entrevista à CNBC que “foi muito
importante que a Europa se tenha mantido firme. Não se pode permitir
o mesmo tipo de comportamento em Espanha e Portugal“. Por “este
tipo de comportamento”, Larry Fink refere-se àquilo que viu como
uma tentativa unilateral por parte do governo grego de renegociar um
contrato que tinha sido assinado por um país, não por um qualquer
governo anterior. “As coisas não se fazem assim“, rematou.
Para Paulo Rangel,
eurodeputado do PSD, esta admissão no documento do Eurogrupo serviu
como “instrumento de pressão” e ajudou a clarificar as intenções
dos parceiros da moeda única, nomeadamente da Alemanha e da
Finlândia, mas também a posição do Syriza. “Tornaram-se mais
confiáveis e houve um desanuviamento nas negociações”, afirma o
deputado, dizendo que apesar de a questão estar longe de resolvida,
“há um clima mais otimista”. “O ponto mais positivo das
negociações foi a Grécia não ter saído do euro”, defende o
social-democrata.
Mas faz sentido
falar em saídas temporárias da zona euro? A proposta lançada por
Wolfgang Schäuble e que constaria no documento dos ministros das
Finanças dizia que teria de caber à Grécia pedir essa saída e
chamou-lhe um timeout, ou seja, uma saída temporária. Mas Nicolas
Véron não vê “qualquer diferença prática entre uma pausa e uma
saída“. E porquê? “Se houver uma saída, há sempre uma
possibilidade de regressar se as condições forem cumpridas”, diz
o investigador, notando que o processo seria o mesmo que para
qualquer país que nunca fez parte do euro e queira entrar.
“Se houvesse uma
saída temporária, haveria sempre condições para reentrar.
Portanto, uma saída temporária não seria mais do que um eufemismo
para dizer saída“, afirma Nicolas Véron.
Ainda assim, Nuno
Cunha Rodrigues, professor Auxiliar da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, diz que é possível e lembra que o Tratado
de Lisboa tem disposições transitórias que já acomodam os países
que não cumprem os requisitos para entrar na moeda única, mas têm
intenção de o fazer, não acreditando, no entanto, que possa vir a
constar nos Tratados qualquer alteração para a retirada de Estados
da moeda única. “A União Europeia e as suas leis têm sido
construídas na perspetiva da integração e não da regressão”,
afirma o académico que também é vice-presidente do Instituto
Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa.
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