A
tristeza de ser pequenino
LUÍS RAPOSO
17/07/2015 - PÚBLICO
Em
Portugal não existe uma política cultural. Existem apenas agendas
de amigos, bastando possuir os conhecimentos e as influências
adequadas para que do outro lado da linha telefónica atenda a pessoa
certa no lugar certo.
Aparentemente, já
tudo foi dito, nos media e na rua, sobre o episódio rocambolesco da
apresentação da chamada Colecção SEC nas novas instalações do
Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) — Museu do Chiado. Só
não se disse talvez ainda o quanto ele é triste e paradigmático de
como alastra entre nós a doença de ser pequenino.
Ser pequeno antes de
tudo no plano mais sério do projecto que nos constrói como Nação
e Estado. Com efeito, um primeiro e mais profundo sinal de pequenez é
aqui a facilidade com que podem ser postas em causa, quiçá
destruídas, orientações estratégicas, que se julgaria estarem
consolidadas. No fundo, concluímos mais uma vez, como se não
soubéssemos já, que em Portugal não existe uma política cultural,
muito menos uma política museológica. Existem apenas agendas de
amigos, bastando possuir os conhecimentos e as influências adequadas
para que do outro lado da linha telefónica atenda a pessoa certa no
lugar certo. Neste caso, um primeiro-ministro prestado a “pisar os
calos” a um secretário de Estado de sua tutela directa,
obrigando-o a desdizer-se. Dificilmente se identificará quem é mais
pequeno neste universo liliputiano, se um administrador de Serralves,
pequeno no seu acto gestionário ou bairrismo, ambos vesgos, se um
primeiro-ministro, pequeno na sua visão do interesse nacional, se um
secretário de Estado, pequeno na defesa das políticas do sector que
circunstancialmente lhe foi dado dirigir e pequeno também na sua
própria verticalidade. Neste último caso, aliás, com a agravante
de ter potencialmente cometido uma irregularidade ao anular o seu
despacho de incorporação da Colecção SEC no MNAC, dado que nos
termos da letra e do espírito da Lei-quadro dos Museus Portugueses
qualquer acto de desincorporação de colecção de museu público
deve carecer de parecer prévio da secção relevante do Conselho
Nacional de Cultura, ainda que a mesma se mantenha no domínio
público — sem o que estaria aberto o caminho à total
discricionariedade dos políticos de turno na gestão de acervos que
constituem memória de contrato intergeracional.
Mas importa ir mais
longe. Importa não nos refugiarmos apenas na crítica “aos
políticos”, mantendo um doce e cúmplice silêncio sobre o
comportamento dos técnicos, de colegas afinal. Existem neste plano
outras dimensões de ser pequenino.
Em face de situação
denunciada publicamente, causadora da demissão do director do museu
e da comissária (curadora, diz-se agora, embora mal) da exposição,
será razoável que a tutela imediata não suporte o Museu e o
projecto cultural estratégico que lhe subjaz e, pelo contrário,
amesquinhe director e museu de uma assentada? Será normal que se
destaquem dirigentes-para-todo-o-serviço, de resto patéticos nas
suas intervenções públicas, com o fim de, como se diz em linguagem
policial, “tomar conta da ocorrência”? E será tolerável
profissional e humanamente que colegas de outros museus aceitem
instalar-se no MNAC, exercendo funções que deveriam caber à
respectiva equipa? Cumprirão seguramente ordens, dir-se-á. Mas, no
mínimo, expressaram publicamente repúdio pelas mesmas — como
deviam? Ou recusaram até cumpri-las — como poderiam em obediência
ao seu código ético? Ou será simplesmente que vivemos já no reino
do vale tudo do ponto de vista da ética profissional e as relações
humanas desceram ao nível do “salve-se quem puder”?
Há cerca de ano e
meio, quando foi chamado às funções de direcção no MNAC, o
director que ora se agigantou, demitindo-se, foi ele próprio um
tanto infeliz ao comentar a saída do seu antecessor, também ela em
contencioso na defesa do Museu, dizendo que “é sempre possível
contornar as dificuldades”. Palavras que lhe podem agora ser
retribuídas por quem o suceder. Porque, sendo indiscutível que
“contornar as dificuldades” ou fazer melhor é sempre possível,
aquilo que a presente situação demonstra é que também é sempre
possível… descer mais fundo, sermos mais pequeninos. Por este
caminho, do mundo não passaremos cada vez mais a ver senão a imagem
difusa e pardacenta de quem vai sucessivamente descendo no poço.
Arqueólogo
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