“Vamos
tentar algo diferente. Nem que seja um caminho solitário”
Há
quem ache que há “alguma beleza em não saber o que pode
acontecer”. 67% dos gregos mais jovens votaram “não
“Gosto muito
da ideia romântica da Europa. Mas isto é uma ideia, não é a
realidade”
Maria João
Guimarães, em Atena / 9-7-2015 / PÚBLICO
Maria Vatista tem 23
anos e sente a vida em suspenso. Até este mês, o plano era ir
trabalhar um ano para ganhar dinheiro para um mestrado no
estrangeiro. “Agora, vamos ver.” Sophia Kaisari, de 32 anos, é
enfermeira e não sabe se vai ter emprego quando o seu contrato
acabar daqui a quatro meses. “Espero ter algo para sobreviver.”
Já Electra, também de 32 anos mas que prefere aparecer sem apelido,
está finalmente “calma” depois de uma semana de ansiedade: o
mais importante para ela era recusar a austeridade.
O desconhecido
assusta mais ou menos os mais jovens que votaram no “não” — o
voto mostrou uma grande divisão etária, com uma grande percentagem
dos eleitores entre 18 e 34 anos (67%) a escolher o “não” no
referendo. O que uns vêem como um prelúdio de um período sombrio,
outros vêem como a possibilidade de esperança.
Os jovens têm
sentido especialmente a crise. O desemprego entre os menores de 35
anos já ultrapassou os 50%, a maioria dos mais de 200 mil gregos que
emigraram desde o início da crise são jovens, e muitos sentem que
estão a pagar os 40 anos de políticos corruptos que distribuíram
empregos a pessoas que os mantêm, mesmo que sejam menos competentes.
São sobretudo eles quem trabalha em empregos de 10h por dia para
ganhar o salário de mínimo de 480 euros, são precisamente eles que
não podem planear ter filhos.
Maria é a jovem
europeia por excelência. Regressou há um ano do programa Erasmus,
tem uma série de amigos espanhóis, italianos, portugueses e turcos,
sempre quis ir fazer o mestrado para o estrangeiro e, quem sabe,
trabalhar fora. Não por necessidade — ela já pensava assim antes
da crise.
Tinha tudo planeado:
depois de terminar a cadeira que lhe falta para terminar o curso de
Arqueologia, agora ou em Setembro, iria continuar algumas coisas que
já faz ( babysitting, dar aulas de Literatura Grega e fazer
programas culturais para uma fundação), iria poupar dinheiro para o
mestrado, talvez em Maastricht. “Mas o país está em suspenso. Até
a fundação agora não está a conseguir pagar, por causa das
restrições”, nota.
“Quero um futuro
na Europa. Gosto muito da ideia romântica da Europa. Mas isto é uma
ideia, não é a realidade”, diz Maria com o sorriso que nunca
deixa de ter, mesmo quando se nota algum desânimo. Ela não está
nada optimista. “Votei ‘não’ porque não conseguia votar
‘sim’, acho que a sociedade grega não ia aguentar dizer ‘sim’
a estas medidas. Mas acho que não há nada para celebrar”.
Conta como a mãe
perdeu o trabalho por causa de um grupo de funcionários públicos
que não fizeram a requisição certa dos fundos europeus. “Por
causa da decisão de um grupo de pessoas que nunca serão
penalizadas”, nota, comentando que são “coisas que acontecem”
por aqui. Coisas que tem medo que aconteçam mais, caso se perca a
ligação à UE.
Só uma coisa
melhorou entretanto: depois de uma semana de ânimos exaltados, agora
tudo acalmou. “Podemos passar fome, mas vamos passar fome juntos”,
diz, meio a rir.
Electra, socióloga
de 32 anos, diz que depois da noite de domingo ficou “finalmente
calma”. A televisão mostra o primeiroministro, Alexis Tsipras, no
Parlamento Europeu, mas ela não está nervosa. O que vier aí não a
assusta. “O que me assustaria era continuar assim. Há algo de
bonito em não saber. E então? Vamos não saber!”, entusiasma-se.
“Talvez sair até fosse um alívio. Deixarmos de viver assim, com
reuniões todos os meses, e prazos.”
Já Sophia Kaisari,
que mete conversa num café ao perceber que na mesa ao lado está uma
jornalista estrangeira, diz que a situação da Grécia lhe faz
lembrar tempos medievais. “Parece que há um rei que quer tudo de
nós e espreme até à última gota o que conseguimos tirar da
terra.”
Sente-se a pagar
injustamente. Da casa em que vive com a mãe, conta, pagaram o
imposto três vezes. “A primeira vez foi pago pelo meu avô, a
segunda quando passou do avô para a mãe, e a terceira foi o imposto
que criaram em 2012”, uma medida decidida por um Estado que tem
dificuldade em cobrar impostos para arrecadar receita fiscal com
facilidade.
E ainda acontece o
Estado tentar enganá-la. “Tenho de ir com uma fotocópia do Diário
da República para pedir o subsídio de incapacidade da minha mãe,
porque senão tentam dar-me um valor mais baixo do que está na
tabela.”
A Grécia está num
momento crucial antes do próximo momento decisivo para ela, quando
acabar o seu contrato. “Espero nessa altura encontrar um país que
tenha o suficiente para me apoiar,” diz, mas descrente. “Será
que vou encontrar outro trabalho? Será que vou ter o suficiente para
viver?”
Sophia acha que se
aproxima a hora em que a Europa vai deixar a Grécia cair. Ela vai
falando e vãose notando os seus sentimentos contraditórios. “É
uma pena, porque somos pessoas, não somos números.” E ainda: “Se
isso acontecer, vai ser mau para nós. Mas não vai ser mau só para
nós. Vai ser mau para a Espanha, para Portugal, para Itália. E
depois a quem é que a Alemanha vai vender? Também vai ser mau para
eles. E eu passei a vida toda nisto, emprego-desemprego, já estou
habituada. Mas eles não.”
Por outro lado, pode
ser pelo melhor. “Estes cinco anos já vimos no que deu. Eu
trabalho num hospital. Não temos nada para os doentes, ontem nem
tínhamos guardanapos. Vamos tentar algo diferente. Nem que seja um
caminho solitário”.
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