quinta-feira, 9 de julho de 2015

“Não há nenhuma democracia interna no CDS-PP”


Não há nenhuma democracia interna no CDS-PP”
José Ribeiro e Castro O ex-líder do CDS sai da política com fortes críticas ao sistema e à direcção de Paulo Portas. E defende que a coligação devia fazer primárias para escolher candidatos a deputados

Sofia Rodrigues / 10-7-2015 / PÚBLICO

Fez deputado parte da desde Constituinte1999 — José Ribeiro e Castro, 62 anos, considera que a estratégia “real” da coligação “não é ter a maioria”, mas fazer uma “mera limitação de danos”. Diz que sai da política livre como um passarinho. Para fazer o quê? Saio da actividade partidária, o que representa meia liberdade — a pessoa pode falar com mais independência. Vou reconstruir a minha vida profissional, será essa a prioridade nos próximos meses. Continuarei nas actividades cívicas em que tenho estado envolvido, nos movimentos que tenho animado, como o do 1.º de Dezembro. Sai muito desiludido com o sistema partidário? Sim. Não sou eu, é um tema geral, toda a gente tem apontado que caminharemos para a ruptura. O próprio Presidente da República, no discurso do 5 de Outubro, chamou a atenção para a possível implosão. Acho isso pernicioso, porque nós precisávamos de um sistema democrático genuíno, participado, mais saudável. O Livre/Tempo de Avançar fez primárias para os candidatos a deputados. O que lhe parece? Uma boa medida é a reforma do sistema eleitoral. Acho que a experiência das primárias do Livre/Tempo de Avançar foi um paliativo interessante e eu acharia interessante que o CDS fizesse primárias já.
Para escolha de deputados? Sim. O líder do partido escolhe o lugar que quiser, o líder parlamentar também, se o entender. Todos os outros deviam ser sujeitos a primárias e essa seria até uma forma de reencontro com as bases do partido. Se o PSD fizesse o mesmo, acho que isso seria uma entrada de ar fresco que talvez desse o embalo que falta para ganhar as eleições. Acho que seria uma grande surpresa que faríamos ao PS.
Vai propor isso no partido?
Não. Hoje, no partido, as ideias não se discutem, discutem-se as pessoas. As coisas são boas ou más consoante quem as apresenta. Se eu digo a maior banalidade, como “olha, está aqui um copo de água”, e estou na linha certa, sou genial. Se digo a coisa mais inteligente e mais profunda e estou na linha errada, dizem “que grande besta, que cavalgadura, temos que derrotar o tipo”. Este é o tique que se apossou do funcionamento dos partidos e que os liquida como instituições importantes. Se Paulo Portas sair do partido após as legislativas, admite ser candidato à sucessão? Não estou a pensar nisso. Acho que esse é, aliás, um dos sintomas mais negativos da situação actual: os círculos mais próximos das direcções dos dois partidos falarem abundantemente na sucessão. Ou seja, trabalham num cenário de derrota eleitoral, porque, senão, não faz sentido que arejem [discutam] situações de sucessão. Se é essa a estratégia real, não é a que é declarada. A declarada é a de que lutam para a maioria, a real é outra. E essa estratégia real é escondida, o que considero um sinal dessa decadência do sistema político. Tudo isto é postiço. Não dou para esse peditório. Acho que, mesmo que houvesse uma derrota, [Paulo Portas] deveria continuar e não repetir a cena que fez em 2005. Acho que isso seria negativo. Ele terá condições para continuar? Não faço ideia. Acho que tem obrigação. Acho que o partido deveria ter equacionado um novo ciclo, com um novo congresso. Há pouca democracia interna no CDS.

Não há nenhuma. Ainda é um partido de um homem só? Não é isso. Há outras pessoas que o ajudam nesta linha, que é errada, senão, não seria possível. Eu já estive na direcção do doutor Paulo Portas, conheço a sua maneira de ser. Tem uma idiossincrasia própria, tem aspectos positivos e negativos — este é um aspecto muito negativo, que é quebra profundíssima da vida institucional do partido. Hoje custa-me ver que há oito vicepresidentes no partido e nenhum compensa isto. Alguns são professores de Direito e, portanto, ensinam como eu ensinei, na minha curta experiência, que isto é uma viciação da formação da vontade política. Há um disfuncionamento institucional do partido que é contra a tradição mais genuína do partido e é contra o institucionalismo que o partido prega. Como é que avalia a estratégia de Paulo Portas na coligação? Bem, no princípio; mal, a meio até recentemente; e acertou agora o passo, não sabemos se com convicção ou se não havia alternativa. Se havia problemas de fundo na coligação, o partido devia ter sido convocado. Também não foi chamado na reforma do Estado, que é fundamental. Acha que foi feita uma verdadeira reforma do Estado? Não fez nada. Fez umas coisas, mas não fez o que era necessário, que era redimensionar o Estado para responder às necessidades de soberania, às necessidades de políticas sociais, dentro das capacidades financeiras. Esse guião, muito criticado, acabou por falecer. Aliás, se o guião fosse aquilo que era suposto ser, a moção de estratégia [de Paulo Portas] era essa. O maior chumbo foi feito pelo congresso do CDS, que não disse, sobre esse documento, uma palavra. A coligação tem condições para ganhar as legislativas? Acho que tinha obrigação de o fazer. As tarefas de que o país precisa são tarefas para mais de uma legislatura. Isso não se cumpre com esta descontinuidade, com esta hesitação. É evidente que o programa que se esteve a executar era muito difícil, muito exigente, mas a generalidade da sociedade portuguesa deu mostras de que compreendia. Havia condições para isso. Uma delas era ter esclarecido a questão das listas há um ano, ter abraçado um programa de reformas, ter governado a sério neste último ano e não estar em voo de planador desde que a troika saiu. Também não se mobilizou um candidato presidencial que interpretasse este desígnio. Nós continuamos neste vazio. Nesta altura, não há nenhum candidato da maioria. Se não houve uma maioria absoluta, o CDS deve viabilizar um governo? É possível que a coligação tenha maioria, tem muitas condições para isso. Tem esta questão do Syriza, ainda que eu ache que é perigoso fazer uma campanha apenas com o Syriza. A estratégia real não é ter a maioria, mas uma mera limitação de danos, sobretudo no CDS, que teria um resultado desastroso se não fosse em coligação. Há aqui uma almofada mútua de limitação de danos como a estratégia real. Acho isso muito fraquinho e pouco mobilizador. Foi muito crítico sobre o corte das pensões. Há um problema de sustentabilidade da Segurança Social? Acho que existe. As pessoas não percebem como é que se fez uma reforma em 2007, muito elogiada, que assegurava a sustentabilidade do sistema até 2030, e que agora está insustentável outra vez. É preciso que se explique. Depois, não se pode ter um discurso em que se culpe os idosos da insolvência do Estado. E tenho pena que estejamos num completo vazio com esta questão dos 600 milhões para trás, 600 milhões para a frente. Há aqui um jogo de esconde-esconde diante dos eleitores.

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