“Não
há nenhuma democracia interna no CDS-PP”
José
Ribeiro e Castro O ex-líder do CDS sai da política com fortes
críticas ao sistema e à direcção de Paulo Portas. E defende que a
coligação devia fazer primárias para escolher candidatos a
deputados
Sofia Rodrigues /
10-7-2015 / PÚBLICO
Fez deputado parte
da desde Constituinte1999 — José Ribeiro e Castro, 62 anos,
considera que a estratégia “real” da coligação “não é ter
a maioria”, mas fazer uma “mera limitação de danos”. Diz que
sai da política livre como um passarinho. Para fazer o quê? Saio da
actividade partidária, o que representa meia liberdade — a pessoa
pode falar com mais independência. Vou reconstruir a minha vida
profissional, será essa a prioridade nos próximos meses.
Continuarei nas actividades cívicas em que tenho estado envolvido,
nos movimentos que tenho animado, como o do 1.º de Dezembro. Sai
muito desiludido com o sistema partidário? Sim. Não sou eu, é um
tema geral, toda a gente tem apontado que caminharemos para a
ruptura. O próprio Presidente da República, no discurso do 5 de
Outubro, chamou a atenção para a possível implosão. Acho isso
pernicioso, porque nós precisávamos de um sistema democrático
genuíno, participado, mais saudável. O Livre/Tempo de Avançar fez
primárias para os candidatos a deputados. O que lhe parece? Uma boa
medida é a reforma do sistema eleitoral. Acho que a experiência das
primárias do Livre/Tempo de Avançar foi um paliativo interessante e
eu acharia interessante que o CDS fizesse primárias já.
Para escolha de
deputados? Sim. O líder do partido escolhe o lugar que quiser, o
líder parlamentar também, se o entender. Todos os outros deviam ser
sujeitos a primárias e essa seria até uma forma de reencontro com
as bases do partido. Se o PSD fizesse o mesmo, acho que isso seria
uma entrada de ar fresco que talvez desse o embalo que falta para
ganhar as eleições. Acho que seria uma grande surpresa que faríamos
ao PS.
Vai propor isso no
partido?
Não. Hoje, no
partido, as ideias não se discutem, discutem-se as pessoas. As
coisas são boas ou más consoante quem as apresenta. Se eu digo a
maior banalidade, como “olha, está aqui um copo de água”, e
estou na linha certa, sou genial. Se digo a coisa mais inteligente e
mais profunda e estou na linha errada, dizem “que grande besta, que
cavalgadura, temos que derrotar o tipo”. Este é o tique que se
apossou do funcionamento dos partidos e que os liquida como
instituições importantes. Se Paulo Portas sair do partido após as
legislativas, admite ser candidato à sucessão? Não estou a pensar
nisso. Acho que esse é, aliás, um dos sintomas mais negativos da
situação actual: os círculos mais próximos das direcções dos
dois partidos falarem abundantemente na sucessão. Ou seja, trabalham
num cenário de derrota eleitoral, porque, senão, não faz sentido
que arejem [discutam] situações de sucessão. Se é essa a
estratégia real, não é a que é declarada. A declarada é a de que
lutam para a maioria, a real é outra. E essa estratégia real é
escondida, o que considero um sinal dessa decadência do sistema
político. Tudo isto é postiço. Não dou para esse peditório. Acho
que, mesmo que houvesse uma derrota, [Paulo Portas] deveria continuar
e não repetir a cena que fez em 2005. Acho que isso seria negativo.
Ele terá condições para continuar? Não faço ideia. Acho que tem
obrigação. Acho que o partido deveria ter equacionado um novo
ciclo, com um novo congresso. Há pouca democracia interna no CDS.
Não há nenhuma.
Ainda é um partido de um homem só? Não é isso. Há outras pessoas
que o ajudam nesta linha, que é errada, senão, não seria possível.
Eu já estive na direcção do doutor Paulo Portas, conheço a sua
maneira de ser. Tem uma idiossincrasia própria, tem aspectos
positivos e negativos — este é um aspecto muito negativo, que é
quebra profundíssima da vida institucional do partido. Hoje custa-me
ver que há oito vicepresidentes no partido e nenhum compensa isto.
Alguns são professores de Direito e, portanto, ensinam como eu
ensinei, na minha curta experiência, que isto é uma viciação da
formação da vontade política. Há um disfuncionamento
institucional do partido que é contra a tradição mais genuína do
partido e é contra o institucionalismo que o partido prega. Como é
que avalia a estratégia de Paulo Portas na coligação? Bem, no
princípio; mal, a meio até recentemente; e acertou agora o passo,
não sabemos se com convicção ou se não havia alternativa. Se
havia problemas de fundo na coligação, o partido devia ter sido
convocado. Também não foi chamado na reforma do Estado, que é
fundamental. Acha que foi feita uma verdadeira reforma do Estado? Não
fez nada. Fez umas coisas, mas não fez o que era necessário, que
era redimensionar o Estado para responder às necessidades de
soberania, às necessidades de políticas sociais, dentro das
capacidades financeiras. Esse guião, muito criticado, acabou por
falecer. Aliás, se o guião fosse aquilo que era suposto ser, a
moção de estratégia [de Paulo Portas] era essa. O maior chumbo foi
feito pelo congresso do CDS, que não disse, sobre esse documento,
uma palavra. A coligação tem condições para ganhar as
legislativas? Acho que tinha obrigação de o fazer. As tarefas de
que o país precisa são tarefas para mais de uma legislatura. Isso
não se cumpre com esta descontinuidade, com esta hesitação. É
evidente que o programa que se esteve a executar era muito difícil,
muito exigente, mas a generalidade da sociedade portuguesa deu
mostras de que compreendia. Havia condições para isso. Uma delas
era ter esclarecido a questão das listas há um ano, ter abraçado
um programa de reformas, ter governado a sério neste último ano e
não estar em voo de planador desde que a troika saiu. Também não
se mobilizou um candidato presidencial que interpretasse este
desígnio. Nós continuamos neste vazio. Nesta altura, não há
nenhum candidato da maioria. Se não houve uma maioria absoluta, o
CDS deve viabilizar um governo? É possível que a coligação tenha
maioria, tem muitas condições para isso. Tem esta questão do
Syriza, ainda que eu ache que é perigoso fazer uma campanha apenas
com o Syriza. A estratégia real não é ter a maioria, mas uma mera
limitação de danos, sobretudo no CDS, que teria um resultado
desastroso se não fosse em coligação. Há aqui uma almofada mútua
de limitação de danos como a estratégia real. Acho isso muito
fraquinho e pouco mobilizador. Foi muito crítico sobre o corte das
pensões. Há um problema de sustentabilidade da Segurança Social?
Acho que existe. As pessoas não percebem como é que se fez uma
reforma em 2007, muito elogiada, que assegurava a sustentabilidade do
sistema até 2030, e que agora está insustentável outra vez. É
preciso que se explique. Depois, não se pode ter um discurso em que
se culpe os idosos da insolvência do Estado. E tenho pena que
estejamos num completo vazio com esta questão dos 600 milhões para
trás, 600 milhões para a frente. Há aqui um jogo de
esconde-esconde diante dos eleitores.
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