A
noite em que os gregos aprovaram (a custo) um mal menor
MARIA JOÃO
GUIMARÃES (em Atenas) 16/07/2015 - PÚBLICO
Deputados
ignoraram o relógio e debateram pela noite dentro antes de votarem o
plano de austeridade acordado em Bruxelas para um terceiro resgate.
Já bem depois da
meia-noite, quando expirava o prazo com que a Grécia se tinha
comprometido a aprovar as medidas de austeridade determinadas nas
negociações com os credores para ter acesso a um terceiro resgate,
a maioria dos deputados gregos votaram a favor, mas o Syriza, partido
do Governo, saiu dividido.
O debate foi
fervoroso e as intervenções sucederam-se umas atrás das outras,
contra o Governo, contra a Alemanha, contra os erros dos “partidos
do passado”, contra a austeridade, contra o sistema financeiro
mundial, contra o regresso ao dracma. O ponteiro do relógio foi
avançando pela madrugada dentro. No fim, o Governo conseguiu um
vitória expressiva mas dorida.
Segundo os primeiros
cálculos, 229 deputados votaram a favor, 64 contra – entre eles o
ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis – e seis abstiveram-se.
O primeiro-ministro,
Alexis Tsipras, que não tinha aparecido no plenário para defender a
aprovação do plano que ninguém quer, surgiu já depois das doze
badaladas para fazer um último apelo. “Não vamos fazer aos nossos
adversários o favor de sermos um breve parêntesis no tempo”,
disse, referindo-se ao Governo mais à esquerda da União Europeia.
Este voto era cada
mais visto como um voto de confiança a Tsipras. A linha de defesa do
Governo era simples: quem votar contra vai permitir que se concretize
um golpe de Estado de Bruxelas provocando a queda do Governo. Quem
votar a favor vai manter a Grécia na zona euro e evitar o desastre
de um regresso ao dracma.
A tensão era
visível no Parlamento de Atenas antes do debate. Nos corredores
havia grupos silenciosos, outros a discutir exaltados. Havia muitos
cigarros a ser fumados, e no meio de um destes grupos, um homem com o
branco dos olhos totalmente vermelho. Na praça Syntagma, a batalha
começou antes do plenário – entre grupos anti-sistema que vinham
preparados e polícia artilhada. Acrescentando ainda mais uma
incógnita, o primeiro-ministro pediu ao Presidente, Prokopis
Pavlopoulos, para se manter no seu gabinete até tarde.
O Governo teve a
difícil missão de levar os deputados a votar a favor de um acordo
que todos acham mau. Admitiu-o Tsipras numa entrevista à emissora
pública ERT na véspera, admitiu-o o ministro das Finanças,
Euclides Tsakalotos, no início do debate, admitiu-o o ministro da
Economia, Giorgos Stathakis, também no plenário.
Coube a Tsakalotos
abrir o debate num tom emocionado: “Segunda-feira foi o dia mais
difícil da minha vida. É uma decisão que me vai pesar para o resto
da vida”, disse. E, segundo a tradução para inglês: “Não sei
se fizemos o que estava certo. Mas sei que sentimos que não tínhamos
outra escolha.”
Tsipras tinha dito
claramente na véspera que a alternativa seria a Grécia sair do
euro, e isso era ainda pior. A dada altura nas negociações,
tornou-se claro que havia uma intenção real de fazer a Grécia sair
do euro, disse o primeiro-ministro, levando muitos a questionar-se
depois disso por que não houve preparativos para esta eventualidade.
Tsipras disse ainda que encomendou um estudo sobre o cenário e que
as consequências seriam demasiado pesadas para contemplar essa
hipótese.
Tsipras, ao apelar à
aprovação deste acordo ao seu grupo parlamentar durante a tarde,
defendeu que está nas mãos dos deputados do Syriza impedir o golpe
de Estado que acusa Bruxelas de preparar: se a rebelião for muito
grande, esta implicará a queda do Governo. O argumento foi repetido
no final do debate pelo líder do grupo parlamentar do partido, Nilos
Filis, para quem, se os deputados rejeitassem o acordo estariam de
facto a permitir o golpe. “Sem um governo do Syriza no poder, o
plano de Schäuble será aprovado, e a extrema-direita vai ganhar.”
Panos Kammenos, dos
Gregos Independentes, o parceiro de coligação do Syriza, também
declarou que o seu partido teria de “votar contra a consciência e
apoiar o acordo”. “Se este Governo cair hoje não haverá
esperança nem para a Grécia nem para a Europa.”
Uma sondagem da
véspera do instituto Kapa dizia que a maioria dos gregos estão com
Tsipras: 72% queriam a aprovação das medidas, apesar de terem
rejeitado um plano anterior em referendo com 61% de não. 68% defende
ainda que o líder do Syriza se mantenha no cargo contra 22,6% que
são de opinião que o executivo deveria ser liderado por “uma
outra figura com grande base de aceitação”.
Um após outro, os
partidos na oposição aproveitavam o debate para fustigar o
executivo. O deputado da Nova Democracia Christos Stilousras acusou o
Governo de ter uma atitude simplista nas negociações. Do mesmo
partido, Kyriakos Mitsotakis disse que havia medidas alternativas a
aumentar impostos. Também declarou que embora o partido aprovasse
estas medidas necessárias para o acordo, não havia “maiorias a la
carte” e que o seu apoio em votações seguintes não pode ser dado
como garantido. “Acabaram por fazer o que estava certo”, disse
ainda Mitsotakis. “Mas não esperem elogios por isso.”
O líder do partido
To Potami (O Rio) Stavros Theodorakis, disse que Tsipras tem de
expulsar os deputados que querem voltar à antiga moeda grega, e que
tem de “acreditar na mudança e concretizá-la”. “Iremos votar
‘sim’ a este acordo embora tivesse sido possível conseguir um
acordo muito melhor”, defendeu. E repetiu que o seu partido não se
juntará à coligação no Governo.
Não estando
presente no Parlamento, George Papandreou, primeiro-ministro que
negociou o primeiro memorando, usou o Twitter para lançar a sua
farpa ao executivo: “Cinco meses de ilusões e supostas negociações
sem estratégia”, disse, “trouxeram enormes perdas que serão
pagas pelo povo”.
Previa-se que 30 a
40 deputados do Syriza votassem contra – fazendo com que o plano
fosse aprovado mas deixando o Governo dependente da oposição. Se
isso tiver acontecido, o Governo ficará em causa, ainda mais com os
partidos da oposição a indicar durante o debate que o executivo não
poderia contar sempre com eles.
Na entrevista à
ERT, Tsipras disse que era sua prioridade absoluta aprovar as
medidas, e depois então discutir a situação interna. O perigo mais
imediato da saída da Grécia do euro, declarou, ainda não foi
afastado.
Mas com uma greve da
função pública e protestos nas ruas, tudo era ainda mais difícil.
Durante a tarde, o comité central do Syriza dividiu-se: 109 dos 201
membros pediram um voto não às medidas a aprovar, e ainda uma
conferência de emergência nacional. Para ele, as medidas são
“incompatíveis com os princípios da esquerda”.
Uma após outra,
figuras do partido foram manifestando discordância. Havia quem se
demitisse, como a vice-ministra das Finanças Nantia Valavani, que
ainda na semana passada apoiou a negociação com os credores. “Uma
coisa é enfrentar uma situação excepcionalmente difícil com
esperança e um futuro de dignidade e independência”, escreveu
numa carta a Tsipras. “Outra coisa é uma catástrofe que será
feita com o que quer que sobre do rendimento nacional a ir para o
estrangeiro para pagar uma dívida que não pode ser paga em
séculos.”
A sessão acabou por
ser parcialmente presidida pelo vice presidente do Parlamento, Alexis
Mitropoulos, depois da Presidente, Zoe Kostantopoulou, defender que
não fosse respeitado o limite da meia-noite (o que acabou por
acontecer, embora não de modo planeado), e ainda aconselhasse, aos
deputados do partido, o voto contra: “Temos de deixar de ser
chantageados pela zona euro. Estas medidas têm de ser rejeitadas”.
Na comissão que discutiu as medidas antes da votação,
Kostantopoulou ainda acrescentou: “Senti verdadeira raiva quando
ouvi Merkel dizer o quê e como o Parlamento grego irá votar”,
disse – uma das condições do plano era que o pacote total e
quatro medidas específicas fossem aprovadas esta quarta-feira e
outras duas na quarta seguinte.
Para além de deixar
passar o prazo da meia-noite, foi ainda feita outra alteração: a
parte que descreve todo o pacote de medidas foi transformada numa
declaração e não numa medida a ser sujeita a aprovação. Foi o
modo encontrado para assegurar o voto favorável dos Gregos
Independentes.
Enquanto isso,
estava marcado o novo Eurogrupo para a manhã desta quinta-feira e
sem esperar pelo que acontecia no Parlamento grego, o Parlamento
francês aprovava o início das negociações do terceiro programa
com a Grécia: 412 votos a favor e 69 contra.
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