Um
enigma grego: a metamorfose de Tsipras
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 19/07/2015 - PÚBLICO
Foi o alemão
Schäuble a propor um “Grexit temporário”. E Atenas não tinha
nenhum “plano B”.
Disse Alexis
Tsipras, terça-feira, na televisão pública grega: “Estamos ainda
a sofrer de um distúrbio de stress pós-traumático.” Durante três
semanas alucinantes, ele desafiou os credores, rompeu negociações,
venceu o referendo, retomou as negociações e, por fim, sofreu na
cimeira de Bruxelas uma derrota sem contemplações. Voltou a Atenas
para pôr em prática um programa que contradiz tudo quanto o seu
governo fez durante seis meses e o voto do referendo. Foi acusado de
“capitulação”. Fala-se agora no “radical convertido ao
realismo”.
As sondagens dão um
quadro diferente dos discursos dos seus correligionários europeus
que, depois de o terem elevado à categoria de herói da resistência
a Berlim, dizem coisas apocalípticas sobre a Europa e a Grécia. Que
dizem os gregos? 51,5% declaram-se a favor do acordo de Bruxelas e
70,1% a favor da sua aprovação pelo Parlamento; 48,7% atribuem a
responsabilidade da degradação económica à Europa contra 44,4 que
a atribuem a erros do governo. 68,1% querem que Tsipras continue a
governar. É o único político popular (58,8%).
Mistérios do
referendo
Após a vitória nas
eleições de 25 de Janeiro, Tsipras não optou por uma aliança
europeísta, mas por um “bloco soberanista” com a direita
nacionalista e eurocéptica do ANEL. Desperdiçou o clima favorável
que a França e a Itália lhe tentaram criar na Europa. Meteu na
gaveta as reformas, organizou toda a política em torno da
“recuperação da soberania”, enquanto o ministro Varoufakis dava
“aulas” no Eurogrupo. Estava refém do seu “duplo mandato”
eleitoral: pôr fi m à austeridade e manter a Grécia no euro.
Tsipras supunha ter
uma “arma atómica”: a UE seria forçada a financiar a Grécia
nas condições ditadas por Atenas sob pena de desintegração da
zona euro. Namorou Putin para sublinhar a segunda arma, a de um
desastre geopolítico para a Europa e os Estados Unidos. Romperam-se
as relações de confiança. Tsipras abusou da demagogia nacionalista
e Varoufakis tratou os parceiros de “terroristas”. Em Junho, a
falência e o Grexit pareciam iminentes.
O referendo é ainda
um mistério. Contou Varoufakis que, na noite da vitória do “não”,
enquanto os adeptos celebravam o sucesso na praça Syntagma, fi cou
espantado ao encontrar um Tsipras melancólico no seu gabinete. O
ministro estava eufórico e tinha até um “plano B” para fazer
xeque-mate à Europa. O plano foi recusado, Varoufakis demitiu-se e
Tsipras apresentou a Bruxelas uma proposta muito parecida com a que
foi chumbada pelos eleitores.
O referendo teve uma
leitura óbvia: Tsipras contava reforçar a posição negocial da
Grécia e obter concessões de última hora. A imprensa internacional
interpretou a vitória do “não” como uma humilhação de Merkel.
Houve outras
leituras. Terá Tsipras apostado numa vitória do “sim” para
legitimar a aceitação das condições de Bruxelas? É uma hipótese
improvável. Noutra versão, talvez mais realista, Tsipras terá
percebido que a ultra-esquerda do Syriza estava decidida a
bloqueá-lo. Por isso teria feito uma “fuga para frente”: romper
as negociações e vencer o referendo, o que reforçaria a sua
liderança e lhe daria margem de manobra para negociar com a Europa.
Tsipras equivocou-se
num ponto: ganhou força, mas perdeu a negociação. O seu poder
negocial estava quase reduzido a zero. Atenas perdera a credibilidade
e estava isolada no Eurogrupo. O referendo acelerou a desintegração
económica. E a “arma atómica” funcionou ao contrário: se o
Grexit era perigoso para a UE — embora menos do que em 2011 — era
letal para os gregos. Foi o alemão Schäuble a propor um “Grexit
temporário”. E Atenas não tinha nenhum “plano B”.
Tsipras cedeu
perante a força da realidade e a vontade dos gregos. Saiu incólume,
e até reforçado, dos seus erros de cálculo porque “respondeu à
primeira exigência dos gregos: a manutenção na zona euro”,
resumiu a jornalista Thomais Papaioannou.
E, paradoxalmente,
ganhou credibilidade junto dos parceiros europeus. “A assinatura do
acordo garante hoje a Tsipras benefi ciar do apoio europeu”,
declara o politólogo George Prevelakis. “É o princípio do
bombeiro-pirómano. Ateou um fogo que só ele pode apagar porque
conserva a confi ança da opinião pública.”
Nasce um estadista?
Os líderes europeus
tomaram nota de que o único interlocutor que têm na Grécia é
Tsipras — e nenhum outro. Simultaneamente, a dureza de Berlim
causou graves estragos à sua imagem, o que Merkel tentará corrigir.
A ameaça de Schäuble foi um erro político, ao pôr em causa o tabu
da irreversibilidade da pertença ao euro. O acordo, com um novo
resgate, foi apenas o primeiro acto de um drama que poderá trazer
surpresas. Está garantida a pertença da Grécia ao euro? A resposta
é não. Poderá a Grécia obter melhores condições? A resposta é
sim.
A cena política
continua fluída mas a popularidade de Tsipras mantém-se, apesar das
“cambalhotas” — que os gregos perdoam aos políticos. A sua
ultra-esquerda teme eleições. Vota contra os acordos mas não quer
derrubar o governo. A subida nas sondagens do Aurora Dourada
(neonazi) tem um efeito dissuasor.
E se as ideias
comuns estiverem erradas? Assinala o jornalista italiano Vittorio Da
Rold, que bem conhece a Grécia: “Depois da cimeira de Bruxelas,
Tsipras abraçou o realismo, pondo de lado o radicalismo do Syriza.
Até o jornal conservador Kathimerini, outrora muito crítico do
primeiro-ministro, tomou nota da mudança de rumo: de líder
partidário a chefe do governo do país.”
Frisa Da Rold que há
outro Tsipras, o que tem esperança que o Podemos vença as eleições
em Espanha, para ajudar a “mudar a Europa”. Mas insiste: “Ele
tem uma oportunidade para modernizar o país, canalizando as estéreis
fúrias políticas através de propostas políticas e tentando
finalmente atrelar Atenas ao comboio da modernidade europeia.”
Corrobora o
editorialista conservador Nikos Konstandaras: “Tsipras tem
legitimidade para fazer reformas e provar que a sua viragem foi
justifi cada. Estará sob fogo contínuo dos camaradas mais
revolucionários do Syriza. Se tiver cabeça, se evitar a arrogância
do poder, se unir em vez de dividir, Alexis Tsipras poderá servir
bem o país.” Mais do que o que ele diz, olhem o que ele faz.
Escreveu em Janeiro
— com algum cepticismo — o historiador Stathis Kalyvas: “Se
[Tsipras] se mostrar capaz de reformar a disfuncional máquina
administrativa, reformar o sistema de pensões, cortar a corrupção
e a evasão fiscal, será celebrado como um grande reformador e
dominará a política grega por uma década.”
Muda um político em
20 dias? A metamorfose de Alexis Tsipras é o novo enigma — e a
incógnita — da Grécia de hoje.
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