domingo, 19 de julho de 2015

Um enigma grego: a metamorfose de Tsipras / JORGE ALMEIDA FERNANDES

"Nem calculei que pudessem tomar uma posição sem ter um plano de urgência", disse o economista (Paul Krugman) em entrevista à CNN.
"Talvez tenha sobrestimado a competência do Governo grego", indicou durante uma entrevista à cadeia televisa CNN.
"Nem calculei que pudessem tomar uma posição sem ter um plano de urgência", caso não obtivessem a ajuda financeira que solicitavam, explicou.
"Acreditaram que podiam simplesmente exigir melhores condições sem ter um plano alternativo", prosseguiu, ao referir-se a um "choque".
"Em qualquer caso, há poucas esperanças", considerou, "as novas condições são ainda piores, mas as condições que lhes propunham também não iriam funcionar".
Interrogado sobre uma possível saída da zona euro, não excluiu essa possibilidade. "Ou conseguem obter uma espécie de redução massiva da dívida, que ainda não garantiram, ou vão ter de sair".
In DN online


Um enigma grego: a metamorfose de Tsipras
JORGE ALMEIDA FERNANDES 19/07/2015 - PÚBLICO

Foi o alemão Schäuble a propor um “Grexit temporário”. E Atenas não tinha nenhum “plano B”.
Disse Alexis Tsipras, terça-feira, na televisão pública grega: “Estamos ainda a sofrer de um distúrbio de stress pós-traumático.” Durante três semanas alucinantes, ele desafiou os credores, rompeu negociações, venceu o referendo, retomou as negociações e, por fim, sofreu na cimeira de Bruxelas uma derrota sem contemplações. Voltou a Atenas para pôr em prática um programa que contradiz tudo quanto o seu governo fez durante seis meses e o voto do referendo. Foi acusado de “capitulação”. Fala-se agora no “radical convertido ao realismo”.

As sondagens dão um quadro diferente dos discursos dos seus correligionários europeus que, depois de o terem elevado à categoria de herói da resistência a Berlim, dizem coisas apocalípticas sobre a Europa e a Grécia. Que dizem os gregos? 51,5% declaram-se a favor do acordo de Bruxelas e 70,1% a favor da sua aprovação pelo Parlamento; 48,7% atribuem a responsabilidade da degradação económica à Europa contra 44,4 que a atribuem a erros do governo. 68,1% querem que Tsipras continue a governar. É o único político popular (58,8%).

Mistérios do referendo

Após a vitória nas eleições de 25 de Janeiro, Tsipras não optou por uma aliança europeísta, mas por um “bloco soberanista” com a direita nacionalista e eurocéptica do ANEL. Desperdiçou o clima favorável que a França e a Itália lhe tentaram criar na Europa. Meteu na gaveta as reformas, organizou toda a política em torno da “recuperação da soberania”, enquanto o ministro Varoufakis dava “aulas” no Eurogrupo. Estava refém do seu “duplo mandato” eleitoral: pôr fi m à austeridade e manter a Grécia no euro.

Tsipras supunha ter uma “arma atómica”: a UE seria forçada a financiar a Grécia nas condições ditadas por Atenas sob pena de desintegração da zona euro. Namorou Putin para sublinhar a segunda arma, a de um desastre geopolítico para a Europa e os Estados Unidos. Romperam-se as relações de confiança. Tsipras abusou da demagogia nacionalista e Varoufakis tratou os parceiros de “terroristas”. Em Junho, a falência e o Grexit pareciam iminentes.

O referendo é ainda um mistério. Contou Varoufakis que, na noite da vitória do “não”, enquanto os adeptos celebravam o sucesso na praça Syntagma, fi cou espantado ao encontrar um Tsipras melancólico no seu gabinete. O ministro estava eufórico e tinha até um “plano B” para fazer xeque-mate à Europa. O plano foi recusado, Varoufakis demitiu-se e Tsipras apresentou a Bruxelas uma proposta muito parecida com a que foi chumbada pelos eleitores.

O referendo teve uma leitura óbvia: Tsipras contava reforçar a posição negocial da Grécia e obter concessões de última hora. A imprensa internacional interpretou a vitória do “não” como uma humilhação de Merkel.

Houve outras leituras. Terá Tsipras apostado numa vitória do “sim” para legitimar a aceitação das condições de Bruxelas? É uma hipótese improvável. Noutra versão, talvez mais realista, Tsipras terá percebido que a ultra-esquerda do Syriza estava decidida a bloqueá-lo. Por isso teria feito uma “fuga para frente”: romper as negociações e vencer o referendo, o que reforçaria a sua liderança e lhe daria margem de manobra para negociar com a Europa.

Tsipras equivocou-se num ponto: ganhou força, mas perdeu a negociação. O seu poder negocial estava quase reduzido a zero. Atenas perdera a credibilidade e estava isolada no Eurogrupo. O referendo acelerou a desintegração económica. E a “arma atómica” funcionou ao contrário: se o Grexit era perigoso para a UE — embora menos do que em 2011 — era letal para os gregos. Foi o alemão Schäuble a propor um “Grexit temporário”. E Atenas não tinha nenhum “plano B”.

Tsipras cedeu perante a força da realidade e a vontade dos gregos. Saiu incólume, e até reforçado, dos seus erros de cálculo porque “respondeu à primeira exigência dos gregos: a manutenção na zona euro”, resumiu a jornalista Thomais Papaioannou.

E, paradoxalmente, ganhou credibilidade junto dos parceiros europeus. “A assinatura do acordo garante hoje a Tsipras benefi ciar do apoio europeu”, declara o politólogo George Prevelakis. “É o princípio do bombeiro-pirómano. Ateou um fogo que só ele pode apagar porque conserva a confi ança da opinião pública.”

Nasce um estadista?

Os líderes europeus tomaram nota de que o único interlocutor que têm na Grécia é Tsipras — e nenhum outro. Simultaneamente, a dureza de Berlim causou graves estragos à sua imagem, o que Merkel tentará corrigir. A ameaça de Schäuble foi um erro político, ao pôr em causa o tabu da irreversibilidade da pertença ao euro. O acordo, com um novo resgate, foi apenas o primeiro acto de um drama que poderá trazer surpresas. Está garantida a pertença da Grécia ao euro? A resposta é não. Poderá a Grécia obter melhores condições? A resposta é sim.

A cena política continua fluída mas a popularidade de Tsipras mantém-se, apesar das “cambalhotas” — que os gregos perdoam aos políticos. A sua ultra-esquerda teme eleições. Vota contra os acordos mas não quer derrubar o governo. A subida nas sondagens do Aurora Dourada (neonazi) tem um efeito dissuasor.

E se as ideias comuns estiverem erradas? Assinala o jornalista italiano Vittorio Da Rold, que bem conhece a Grécia: “Depois da cimeira de Bruxelas, Tsipras abraçou o realismo, pondo de lado o radicalismo do Syriza. Até o jornal conservador Kathimerini, outrora muito crítico do primeiro-ministro, tomou nota da mudança de rumo: de líder partidário a chefe do governo do país.”

Frisa Da Rold que há outro Tsipras, o que tem esperança que o Podemos vença as eleições em Espanha, para ajudar a “mudar a Europa”. Mas insiste: “Ele tem uma oportunidade para modernizar o país, canalizando as estéreis fúrias políticas através de propostas políticas e tentando finalmente atrelar Atenas ao comboio da modernidade europeia.”

Corrobora o editorialista conservador Nikos Konstandaras: “Tsipras tem legitimidade para fazer reformas e provar que a sua viragem foi justifi cada. Estará sob fogo contínuo dos camaradas mais revolucionários do Syriza. Se tiver cabeça, se evitar a arrogância do poder, se unir em vez de dividir, Alexis Tsipras poderá servir bem o país.” Mais do que o que ele diz, olhem o que ele faz.

Escreveu em Janeiro — com algum cepticismo — o historiador Stathis Kalyvas: “Se [Tsipras] se mostrar capaz de reformar a disfuncional máquina administrativa, reformar o sistema de pensões, cortar a corrupção e a evasão fiscal, será celebrado como um grande reformador e dominará a política grega por uma década.”


Muda um político em 20 dias? A metamorfose de Alexis Tsipras é o novo enigma — e a incógnita — da Grécia de hoje.

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