Afinal,
está tudo em aberto em Atenas e em Bruxelas ainda se negoceia
MARIA JOÃO
GUIMARÃES (em Atenas), MIGUEL CASTRO MENDES (Bruxelas) e SOFIA
LORENA 30/06/2015 – PÚBLICO
Dia
de propostas, recusas e a confirmação de que ninguém deixou a mesa
das negociações. Governo grego admite até desconvocar o referendo.
Tudo depende de conseguir um terceiro empréstimo e uma
reestruturação da dívida.
Menos de 24 horas
depois de Alexis Tsipras ter ido à televisão grega apelar a um voto
maciço no “não” ao referendo que convocou sobre a última
proposta dos credores, defendendo que isso favorecerá a posição
negocial de Atenas, o seu adjunto, Yannis Dragasakis, informava os
gregos, também pela televisão, que ainda é possível que a
consulta não chegue a realizar-se. Se os gregos já estavam
confusos, agora resta-lhes esperar.
No dia em que
expirava o programa de assistência financeira à Grécia, houve
tempo para uma última reviravolta nas negociações. O
primeiro-ministro grego surpreendeu os parceiros europeus com nova
uma proposta, numa carta endereçada ao início da tarde ao
presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. Tsipras fez três
pedidos aos credores: uma extensão do actual programa por alguns
dias, uma reestruturação das dívidas gregas ao fundo de resgate
europeu, e um novo empréstimo de dois anos que permita ao país ter
liquidez até ao final de 2017.
Para já, os
restantes países recusaram dois dos pedidos, aceitando apenas
considerar o terceiro resgate, mas avisando que “as condições
serão ainda mais duras do que as actuais”. O que o líder grego
não indicou na carta foi precisamente quais serão as condições
que pode aceitar para esse novo empréstimo, apesar de qualquer apoio
financeiro concedido pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)
implicar a assinatura pelo país requerente de um memorando.
Tsipras também não
especificou o montante do empréstimo que as autoridades gregas
pretendem solicitar, mas juntou à carta que enviou a Dijsselbloem
uma tabela com os pagamentos de Atenas aos seus credores nos próximos
dois anos, que totalizam cerca de 30 mil milhões de euros.
Em troca, segundo
fontes ouvidas pela Reuters, o Governo grego estaria pronto a apoiar
o "sim" no domingo, dia para o qual convocou o referendo
sobre a última proposta conhecida dos credores, ou mesmo a anular a
consulta. Aqui, persiste uma dúvida, com a presidente do Parlamento
grego, Zoe Konstantopoulou, membro da ala esquerda do Syriza, a
insistir que "não há nenhum procedimento constitucional"
que permita cancelar um referendo depois de anunciado.
A carta de Tsipras
apanhou as instituições europeias e os outros Estados-membros da
zona euro de surpresa, e obrigou Dijsselbloem a convocar de imediato
uma reunião telefónica extraordinária do Eurogrupo.
Rapidamente se
percebeu que as propostas não foram bem acolhidas. Os ministros das
Finanças da zona euro não precisaram de mais de uma hora para
concluir que não podiam aceitar. O que não significa que a situação
não possa mudar, já que os contactos entre os líderes europeus não
cessaram depois do fim do encontro – e esta quarta-feira, pelas
11h30 (10h30 em Lisboa), o Eurogrupo estará de novo reunido em
teleconferência.
Discordâncias entre
capitais
No fim do encontro,
Dijsselbloem deu uma entrevista à CNN, confirmando que o programa de
assistência financeira à Grécia chegava ao fim terça-feira à
noite, e que já é "tarde de mais" para estender o
programa actual, até porque isso teria de ser votado por vários
parlamentos nacionais para poder ser aprovada.
"A posição
política do Governo grego não parece ter mudado", lamentou,
acrescentando que nenhum novo programa pode ser decidido antes do
referendo de domingo, o que já tinha sido defendido pela chanceler
alemã, Angela Merkel.
Mas e se não houver
referendo? E se a proposta que Atenas vai apresentar esta
quarta-feira for muito diferente?
Sabe-se que há
discordâncias entre as capitais. O primeiro-ministro espanhol,
Mariano Rajoy, começou o dia a dizer que uma vitória do “sim”
no referendo grego permitiria aos credores negociarem com outro
Governo em Atenas, “uma coisa boa para a Grécia”. Mas Tspiras
telefonou ao longo do dia a vários líderes europeus, como o
italiano Matteo Renzi, e o francês François Hollande parecia
empenhado em encontrar ainda uma solução, um dia depois de ter
debatido a crise com Barack Obama.
De acordo com Yannis
Dragasakis, a carta enviada por Tsipras “limita mais ainda as
diferenças” entre o Governo do Syriza e os parceiros europeus,
sugerindo assim que o executivo de esquerda pode estar disposto a
novas concessões para obter um terceiro resgate. “Estamos a fazer
um esforço adicional. Há seis pontos em que esse esforço pode ser
feito. Não quero entrar em pormenores, mas isso incluiu as pensões
e questões laborais”, afirmou.
Governo quer acordo
Segundo o jornal
grego Kathimerini, o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, estava
a trabalhar na explicitação das medidas que a Grécia está
disposta a concretizar em troca de um terceiro empréstimo. A
especulação é grande entre jornalistas e políticos. O professor
de sociologia política Michael Spourdalakis (que se descreve como
sendo de esquerda), diz que tudo está em aberto. Se vai mesmo haver
referendo? “Não consigo dizer”.
Spourdalakis aposta
que é mais provável que o referendo se realize, com o
primeiro-ministro mudar a intenção de voto para “sim” se
entretanto conseguir um acordo mais favorável.
“As últimas
horas”, argumenta o analista, “mostraram que o Governo gostaria
de ter algum tipo de acordo.” Mas Spourdalakis não acredita que as
instituições acabem por apresentar essa proposta. E quanto mais
dias passam com os bancos fechados, “mais ajuda quem quer um acordo
a qualquer preço”.
Spourdalakis
sublinha ainda que o Syriza esteve em perigo de fazer o mesmo “que
todos os outros Governos” – de comprometer muito mais do que
tinha prometido. “Com a última proposta, já estava a caminhar em
areias muito, muito movediças”.
Tudo em aberto,
portanto, num dia que ficou ainda marcado por uma enorme manifestação
contra o Governo – na noite anterior, tinham sido os apoiantes do
Syriza a juntar-se na Praça Syntagma, diante do Parlamento. Para os
próximos dias, estão já previstos novos protestos, de ambos os
campos.
Ser do contra
Antes do início da
manifestação, um lembrete de como as coisas podem escalar – um
grupo de anarquistas juntava-se na zona da universidade, de bandeiras
vermelho-negras e alguns com capacetes. A ideia era irem até à
Syntagma. “As ruas são nossas, não são dos capitalistas”,
defendia um. Não era claro se teriam conseguido.
A reivindicação
das manifestações como exclusivas de um tipo de pessoas já tinha
acontecido na semana passada, quando houve protestos rivais. Nas
redes sociais, tornou-se quase viral, e alvo de muita troça, a
imagem de um grego que protestava com ar relaxado, pullover nas
costas, e um copo de vinho rosé na mão.
Mas os defensores do
“sim” no referendo recusam esta associação: “Eu trabalho num
call center, recebo 600 euros, e estou aqui”, diz uma jovem de
cabelo curto que não quer ser identificada. “Se o ‘não’
ganhar, se calhar não tenho sequer trabalho. Nem eu tenho trabalho,
nem talvez os meus pais tenham, e os meus avós poderão não ter
reforma, ou esta desvalorizar ainda mais. E se eu posso emigrar, eles
já não conseguem. É muito fácil ser do contra, mas o que propõem?
A União Europeia nunca vai aceitar um acordo muito melhor.”
Parte da resposta
chegará esta quarta-feira aos gregos e aos restantes Estados-membros
da União pela voz de Yanis Varoufakis.
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