O
dia seguinte
TERESA DE SOUSA
05/07/2015 - PÚBLICO
Não
vale a pena atribuir toda a responsabilidade à chanceler e a crise
na Grécia é disso um exemplo. Em Paris, Lisboa, Helsínquia ou Roma
os governos têm uma única preocupação: agradar aos eleitores
1.Como foi possível
chegar até aqui? A pergunta passou a ser incontornável porque, seja
qual for o resultado do referendo na Grécia, muito dificilmente a
Europa voltará a ser o que foi. Os danos são demasiado elevados
para que a confiança volte a ser estabelecida.
Durante cinco anos,
a crise e a forma como foi gerida foi criando divisões profundas
entre o Norte “virtuoso” e o Sul “vicioso” que permanecem. A
concentração do poder de decisão em Berlim tornou-se um facto
consumado. Os europeus perceberam que nada podia ser feito contra a
vontade da Alemanha. Foram-se adaptando. Este referendo que,
aparentemente, ninguém viu chegar, representa um salto no
desconhecido cujas consequências são imprevisíveis no curto e no
médio prazo. Há meia dúzia de anos seria impensável o clima de
absoluta desconfiança que se estabeleceu entre Atenas e Bruxelas,
como se se tratasse de uma negociação entre “inimigos”: o que
um ganha, o outro perde. Há seis meses, seria inadmissível ouvir um
primeiro-ministro europeu insultar os seus parceiros e os seus
credores. Foi exactamente isso que Alexis Tsipras fez na última
semana. Os gregos não sabem o que fazer de uma escolha que vai
determinar as suas vidas. Sair daqui vai exigir da parte europeia uma
capacidade política e estratégica que até agora pura e
simplesmente não existiu.
2. A Reuters
escrevia na quinta-feira passada que a popularidade do ministro das
Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, nunca tinha sido tão alta:
“70% dos alemães aprovam o que ele está a fazer”. Schäuble não
tem escondido o que pensa: quer a Grécia fora do euro e considera
que, se isso acontecer, não há problema nenhum. A chanceler não
pensa assim. Ou, pelo menos, não pensava, até ser “enganada”
pelo seu homólogo grego, que considerava um negociador credível,
apesar da “ideologia”. Nunca esperou perder o controlo da
situação. Num longo artigo sobre a forma como Merkel geriu a crise
grega, a revista Der Spiegel descreve a reunião entre a chanceler, o
Presidente francês e Alexis Tsipras (com outros primeiros-ministros
da zona euro a entrar e a sair), que decorreu na noite do Conselho
Europeu de 25 de Junho. Foi uma discussão cansativa mas que, na
opinião de Merkel, correu bem, abrindo uma clara oportunidade para
um entendimento. “Mal tinha regressado a Berlim quando recebeu um
telefonema de Tsipras, que lhe comunicou não estar interessado num
acordo e lhe disse que iria convocar um referendo.” Seguiu-se uma
semana louca de contradições e de reviravoltas. A chanceler ficou
sem argumentos. “Ele ofereceu a Merkel a sua maior débacle
política desde que é chanceler”, escreveu a Spiegel. Era o
resultado quase inevitável da forma como a chanceler agiu: adiando,
permitindo que as coisas se mantivessem vagas por demasiado tempo,
preferindo esconder-se atrás das instituições e dos técnicos para
evitar uma solução política. A sua fórmula tinha funcionado até
agora. Desta vez não. “Faltou-lhe liderança e um plano.”
3.E cometeu um
pecado original que a persegue: no início da crise da dívida, disse
aos alemães que os países do Sul eram indisciplinados, preguiçosos,
gastadores, que gozavam mais férias do que eles e que tinham de ser
responsabilizados pelos seus próprios erros. A Grécia era o exemplo
mais acabado. O problema é que os alemães acreditaram. Merkel ficou
presa na sua própria armadilha. Em 2012, no pico da crise do euro,
“despachou” o primeiro-ministro grego George Papandreou (PASOK),
quando ele lhe disse que ia convocar um referendo. Foi a Atenas
apoiar Antonis Samaras, que era seu correligionário, apesar de o
considerar bastante incapaz. Na viagem de regresso, riu a bandeiras
despregadas ao contar aos jornalistas que o Governo grego não lhe
queria pagar os submarinos (a Grécia comprou cinco e Portugal mais
dois) porque estavam “estragados”. Nessa altura, a sua visão era
apenas geoeconómica. Nunca se deu ao trabalho de explicar aos
alemães os benefícios que a Alemanha retirou do euro e retirou da
crise. Os alemães estiveram quase a cair na tentação de acreditar
que o mercado global e as potências emergentes podiam dispensar a
Europa. A chanceler teve a lucidez de resistir à tentação, mas não
mudou de estratégia. A crise ucraniana foi um ponto de viragem. O
que vai fazer na segunda-feira, ninguém sabe. A traição de Tsipras
não é fácil de esquecer.
3.Não vale a pena
atribuir toda a responsabilidade à chanceler e a crise na Grécia é
disso um exemplo. Em Paris, Lisboa, Helsínquia ou Roma os governos
têm uma única preocupação: agradar aos eleitores. Não conseguem
ver para além do dia seguinte nem olhar para o parceiro do lado. O
Governo português quer que a Grécia caia ou cumpra pela mesmíssima
razão. Merkel temia (e teme) o surgimento de partidos nacionalistas
na Alemanha e percebe-se porquê. Pelo contrário, numa larga maioria
de países, os partidos populistas de direita ou de esquerda (não
são muito diferentes entre si, basta olhar para as alianças de
Tsipras e até para a sua retórica nacionalista) condicionam os
governos em funções, influenciando cada vez mais as suas agendas
políticas. A falta de liderança europeia terá no caso grego um
custo muito elevado. “A crise da Grécia transformou-se numa
questão de segurança europeia da maior dimensão”, escreve Judy
Dempsey do Carnegie Europe.
Em 2013, Ulrike
Guérot, do European Council on Foreign Relations de Berlim, avisava
em véspera das eleições alemãs que “os europeus esperam
demasiado da Alemanha”. “Berlim muito simplesmente não tem
ambição para garantir uma liderança clara em tempos tão
turbulentos”. Justamente, é essa turbulência que a pode levar,
agora, a ter de agir.
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