O
equívoco estratégico de Tsipras
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 05/07/2015 - / PÚBLICO
O governo de Alexis
Tsipras iniciou as negociações com o Eurogrupo numa relativa
posição de força. Entretanto, rompeu pontes, alienou virtuais
aliados e uniu praticamente todos os parceiros numa frente comum
liderada por Berlim. As negociações passaram a ser dominadas pela
desconfiança. O referendo de hoje parece reflectir um
enfraquecimento da posição de Atenas.
As razões da
ruptura das negociações e do recurso ao referendo não são claras.
Para alguns analistas, trata-se de uma jogada de Tsipras para evitar
a implosão do Syriza por insanáveis divergências sobre as
negociações. Para outros, optou por uma mobilização do povo grego
contra a União Europeia (UE) na expectativa de inverter a relação
de forças. Ao certo, apenas sabemos que Tsipras pediu um “não”
maçiço para reforçar a sua mão negocial. É uma iniciativa de
risco para a Europa, para a Grécia e para o próprio Tsipras. Nestas
situações “à beira do abismo” os efeitos mais imprevisíveis
não são os financeiros mas os políticos. Por outro lado, ganhe o
“sim” ou o “não”, o chefe do Governo grego pode ver
debilitada a sua posição.
Uma estratégia
ineficaz
Onde assentava a
força negocial de Tsipras? Nos riscos que uma saída do euro
implicaria para a UE, tanto em relação ao futuro do projecto
europeu como pelas suas repercussões geopolíticas. “Desde o
princípio que Alexis Tsipras pratica uma dissuasão “do fraco ao
forte”, explica Yves Bertoncini, director do think tank Notre
Europe-Institut Jacques Delors. “Pensa que ninguém na Europa
ousará desencadear uma saída da Grécia da zona euro. O anúncio do
referendo vai neste sentido, porque lhe permite manter aquela
pressão.”
A dissuasão “do
fraco ao forte” serviu de fundamento à estratégia nuclear do
general De Gaulle. Sendo a França uma média potência, a posse de
um arsenal nuclear, para lá do peso diplomático, foi assim
justificada: a União Soviética não nos atacará porque seremos
capazes de “matar 80 milhões de russos”. Para o Syriza, a ameaça
de poder provocar a desintegração do euro seria a sua “bomba
atómica”.
O primeiro erro de
Atenas terá sido sobrestimar os trunfos ou não perceber os seus
limites. Começou por apostar numa inversão das opções da UE,
tentando mobilizar a opinião pública europeia contra as “políticas
de austeridade”. Depois pôs em causa as normas. Sigmar Gabriel,
líder social-democrata alemão, definiu assim o conflito: “A
diferença fundamental entre o Governo grego e todos os outros
governos da zona euro não diz respeito (...) a detalhes da
negociação mas reside no facto de Atenas querer modificar as
condições de cooperação no seio da zona euro ou, pelo menos, ter
o direito de não respeitar essas condições.” Acrescentou: “A
ideologia ou a política seguida pelo Governo grego não pode pôr em
causa a situação económica da zona euro no seu conjunto.”
As considerações
geopolíticas não desapareceram do mapa. Continuarão a pesar na
negociação com a Grécia e a favor duma solução da crise grega. A
própria Angela Merkel o sublinhou: “O fracasso do euro seria o
fracasso da Europa.” Por outro lado, a situação estratégica
complicou-se. Depois de anexar a Crimeia e da guerra civil ucraniana,
Moscovo tenta dividir os europeus. O Médio Oriente está no caos.
Cresce a ameaça terrorista. E Merkel, mesmo sem ser geógrafa, sabe
onde fica a Grécia. Para muitos, a saída de Atenas do euro seria um
alívio. É uma ilusão.
Se o desígnio do
Eurogrupo fosse forçar o Grexit — esta ameaça é em grande medida
uma forma de pressão negocial — Atenas poderia usar a “dissuasão
do fraco ao forte”. Caso contrário, é uma estratégia sem sentido
e sem eficácia. Gostem ou não, a Grécia e a Europa permanecerão
amarradas. Outra coisa é Tsipras poder ditar as condições.
Pissarides
O outro limite da
estratégia de Tsipras é muito simples: se uma saída da Grécia do
euro é um perigo para a Europa, seria uma catástrofe para a Grécia.
Entre as figuras
estrangeiras que fizeram apelos ao voto “não” no referendo,
estão os Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz. Respondeu-lhes outro
Nobel, o grego Christopher Pissarides, um crítico implacável das
receitas da troika na Grécia. “Creio firmemente que a austeridade
em recessão é uma política errada. É má para o futuro da zona
euro e não apenas na Grécia.” Mas traça um quadro catastrófico
dos riscos de uma vitória do “não” e lança um aviso ao Syriza:
“A opção fácil para os políticos seria imprimir moeda e
expandir o sector público com mais empregos improdutivos e mais
salários que serão comidos pela nova inflação. É este o destino
que os gregos querem?”
Escrevi acima que,
ganhe o “sim” ou o “não”, Tsipras pode sair debilitado. No
primeiro caso, seria uma derrota. No segundo, pode reforçar a ala
radical do Syriza e da extrema-direita.
Carlos Closa
Montero, do Instituto Universitário Europeu (Florença), manifesta
perplexidade perante a iniciativa. Um referendo faz-se no fim de um
processo negocial. A possibilidade de o fazer funciona como um trunfo
ou uma ameaça para um país exigir melhores condições. “Mas a
convocatória de Tsipras produz-se antes de haver acordo e desactiva
a ameaça.”
Além de ineficaz, é
um risco para a Grécia e para a Europa. Espera-se que não abra uma
caixa de Pandora
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