Só
63 menores foram identificados desde que há uma nova lei do álcool
Inspectores
da ASAE garantem que o número de menores identificados “é
residual” e denunciam falta de meios. Este ano as acções de
fiscalização limitaram-se aos festivais de Verão
Pedro Sales Dias /
4-10-2015 / PÚBLICO
Em três meses,
desde que a nova lei do álcool entrou em vigor, em Junho deste ano,
apenas 63 menores foram identificados por consumo, o que
corresponderia a uma média de cerca de 20 por mês, quase cinco por
semana e menos de um por dia, naquele período de tempo. Ao número,
que os inspectores da Autoridade para a Segurança Alimentar e
Económica (ASAE) consideram residual, acrescenta- se ainda o facto
de todos esses jovens terem sido detectados por atacado nos festivais
de música de Verão entre Junho e Agosto deste ano.
O que aconteceu
então enquanto os inspectores estavam no Nos Alive, em Algês, no
Super Bock Super Rock, em Lisboa, no Meo Sudoeste, na Zambujeira do
Mar, no Sol da Caparica e no festival do Crato? A ASAE, que forneceu
os dados ao PÚBLICO, diz que foram apenas identificados menores em
Campo Maior, Portalegre, Arronches, Monforte, Elvas e Vilamoura, o
que resultou à instauração de seis processos de contra-ordenação.
Mas não adiantou quantos menores foram identificados nessas
localidades.
Os inspectores da
ASAE não têm dúvidas de que os números demonstram a falta de
meios daquela entidade para fiscalizar a nova lei que restringe o
consumo de qualquer tipo de álcool a menores de 18 anos. “Esse
número é ridículo e residual. A ASAE tem 239 inspectores que já
eram poucos para a fiscalização das áreas que já tinha de
fiscalizar anteriormente. Não há gente para controlar o cumprimento
dessa lei. E o que fizeram foram operações montadas para a
comunicação social. Porque sabiam que os jornalistas iam estar
atentos, pelo menos aos festivais. Ao mesmo tempo foram descoradas as
zonas de animação nocturna de Lisboa e Porto e o resto do país.
Não há inspectores para fiscalizar a nova lei. A ASAE não tem,
aliás, inspectores suficientes para cumprir a sua missão. Está
moribunda”, alerta o presidente da Associação Sindical dos
Funcionários da ASAE (ASF-ASAE), António Albuquerque.
Para aquela
associação sindical, a ASAE teria de ter “pelo menos o dobro dos
inspectores que tem actualmente e mesmo assim estaria no limite
mínimo”, salienta ainda António Albuquerque.
Entre o início do
ano e a entrada em vigor da nova lei, em Junho, a ASAE identificou 33
menores. Estes dados não permitem, porém, um contexto que
possibilite um balanço quanto aos efeitos da legislação recente
relativamente aos menores identificados desde 2013, quando a lei
anterior já proibia o consumo de bebidas espirituosas deixando
apenas a excepção para a cerveja e o vinho. Se por um lado, o
aumento no período posterior ocorre nos festivais de Verão,
relativamente a operações de fiscalização direccionadas pela
ASAE, por outro a entidade não forneceu ao PÚBLICO o número de
menores identificados em anos anteriores, apesar das várias
solicitações que recebeu nesse sentido durante mais de um mês.
“Não é possível responder relativamente ao número de menores
identificados em 2013 e 2014”, justificou, por fim, a ASAE.
“Silêncio
esclarecedor”
A resposta, porém,
surpreende os próprios inspectores da ASAE. “Na ASAE actualmente
está tudo informatizado a nível central. Todas as fiscalizações e
resultados operacionais são de imediato inseridos no sistema. Isso
parece-me estranho”, refere António Albuquerque, que acusa a ASAE
de estar a “ocultar dados” para não revelar “resultados que
seriam residuais e demonstrariam a actual ineficácia” da entidade.
O inspector-geral da
ASAE, Pedro Portugal Gaspar, não esteve disponível para prestar
esclarecimentos, apesar de ter sido questionado por
email, através do
gabinete de comunicação da instituição, e contactado entretanto
por telefone. “Esse silêncio parece-me ser esclarecedor. Não
querem admitir a falta de meios”, critica António Albuquerque.
Quanto a anos
anteriores, a ASAE deu conta de que em 2013 se registaram 326
infracções que corresponderam 980 processos enquanto no ano passado
foram 369 as infracções e 1017 os processos instaurados
“destacando-se como principais infracções a falta de afixação
de aviso de forma visível com a menção da referida proibição e a
falta de cumprimento dos requisitos relativos aos aviso no que se
refere especificamente à infracção de facultar, vender ou colocar
à disposição, em locais públicos bebidas alcoólicas a menores”.
Já em 2015, a ASAE registou 161 infracções e instaurou 593
processos neste contexto.
O presidente do
Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas
Dependências (SICAD), João Goulão, destaca a importância da nova
lei do álcool. “A lei anterior [de 2013] criava uma diferença
entre o álcool bom e o álcool mau. Esta é mais benéfica, porque
restringe o consumo de todo o tipo de álcool aos menores. É uma
questão de saúde pública, porque o organismo dos menores está
ainda desenvolver-se. Está provado cientificamente que quanto mais
tarde se consumir álcool, menos provável é a possibilidade de ser
criada uma dependência”, esclarece o responsável.
Foi precisamente
face à constatação de que a lei anterior não estava a ter o
efeito pretendido que o Governo decidiu alterar a legislação.
“Constata-se, no
que diz respeito ao consumo e venda de bebidas alcoólicas a menores
em locais públicos, que continuam a existir elevados níveis de
comportamentos de risco e de excesso de consumo, com consequências
nefastas para a população mais jovem. Com efeito, verifica -se que
não ocorreram alterações relevantes no padrão de consumo de
bebidas alcoólicas, por parte dos jovens, no ano subsequente à
entrada em vigor das mencionadas alterações legislativas, seja a
nível do tipo de bebidas ingeridas, seja a nível de consumos
nocivos. No consumo recente, destacam-se as bebidas espirituosas e a
cerveja, com a tendência de manter a frequência dos consumos,
incluindo de bebidas espirituosas entre os menores de 18 anos, sendo
que foram os jovens de 16 anos, em particular, os que mais
mencionaram um aumento da facilidade de acesso a bebidas alcoólicas,
com qualquer graduação de álcool”, alerta o preâmbulo da nova
lei remetendo para um estudo levado do SICAD.
A nova lei prevê
coimas entre os 500 e os 30 mil euros para quem venda bebidas
alcoólicas a menores. Mas no caso destes, a aposta passa pela
sensibilização. Quando um menor é identificado, os pais, ou o
representante legal, são notificados pelas autoridades. A PSP e GNR
também fiscalizam estas situações, mas a ASAE é a entidade
responsável por instruir todos os processos. Em último caso, as
autoridades podem também notificar os núcleos de apoio a crianças
e jovens em risco nos centros de saúde ou hospitais, nos casos de
reincidência ou quando seja impossível contactar os pais.
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