“Bebo
o que achar que posso e me apetecer”
Nova
lei do álcool parece não ter mudado nada: menores de idade
continuam a beber à vista de todos
Ana Henriques /
4-10-2015 / PÚBLICO
Os bancos de jardim
com mesa ao meio servem de poiso aos três amigos no recanto da Av.
D. Carlos, a poucos minutos de caminho dos bares de Santos, em
Lisboa. O mais novo levanta o copo de plástico de sete decilitros e
meio, quase numa bravata: “Eu tenho 16 anos e acabei de comprar
esta cerveja num bar.”
Os outros dois
confirmam: pouco mudou com a lei que proíbe a venda de álcool aos
menores de 18 anos, em vigor desde Julho. E se ainda é cedo para
avaliar o impacto da proibição nos bares lisboetas de Santos, os
relatos de quem já testou a lei seca não deixam margem para
dúvidas: seja por ausência de fiscalização ou pelo uso de
estratagemas, quem quiser continuar a beber vai continuar a fazê-lo,
seja qual for a sua idade.
“Então agora vão
dizer às pessoas de 16 anos que até aqui a lei deixava beber
cerveja e vinho que já não podem? Dãolhes o chupa e depois
tiramlho?!”, indigna-se Luís, de 14 anos. Aluno num colégio de
Lisboa e filho de um advogado, Luís mantém-se firme na decisão de
não abdicar da bebida só porque o Estado resolveu fazer uma lei
cujos fundamentos afirma não compreender. “Não me parece haver
uma razão de força maior para terem subido a idade mínima. Se
existe, não a explicaram. Falam em estudos sobre os malefícios do
álcool — mas essas conclusões já existiam no tempo dos meus
pais.”
Pais esses que de
resto, garante, não o proíbem de beber — mas apenas de cometer
excessos como o de Novembro passado, quando acabado de sair dos 13
anos, teve de ser arrastado de Santos pelo irmão mais velho quase em
coma alcoólico, agarrado a uma garrafa de vodka. Diz que calculou
mal a quantidade da mistura com Coca-Cola que emborcou com os amigos
ao desafio, e parte da noite apagou-se-lhe da memória. “Apanhei um
grande susto e uma grande vergonha. Foi uma lição, jurei para nunca
mais.” Parar de beber, isso é que não: “Bebo o que achar que
posso e me apetecer.”
Este Verão, já de
férias, comprovou como é fácil contornar a nova lei num café de
praia, mesmo quando o corpo não aparenta mais idade do que aquela
que se tem. “Pediram-me o bilhete de identidade e respondi que me
tinha esquecido dele em casa. Depois, à frente do empregado,
virei-me para um amigo mais velho e pedi-lhe: ‘Olha, paga aí
uma.’” E a noite continuou. Há discotecas que entregam aos
menores uma pulseira distintiva, explica. Mas depois de lá entrarem
tudo é “mais difícil de controlar”. Se houver entraves, mandam
o mais velho ir ao bar abastecer-se para os outros. Ou usam o bilhete
de identidade de outra pessoa.
É verdade que desde
que a nova lei existe começou a aparecer mais polícia nos
estabelecimentos de diversão nocturna, admite Luís. “Mas a
polícia não vai ficar nos bares para sempre”, constata o
adolescente, para quem a proibição pode, inclusivamente, vir a ter
efeitos contraproducentes, ou não fosse o fruto proibido o mais
apetecido: “Os miúdos têm muita curiosidade.”
Já maior de idade,
o irmão de Luís lembra-se dos tempos em que “bebia como um
animal”. Tinha 14 anos, e guarda dessa altura uma recordação
dolorosa: um ombro que nunca mais voltou ao que era depois de ter
insultado um agente do corpo de intervenção numa noite de copos.
“Com essa idade conseguia comprar todo o álcool que queria.
Achava-me invencível. Apanhei porradão do polícia, estraguei o
ombro por causa de uma bezana.” Passou a noite na esquadra e ainda
teve de responder em tribunal. E se não lhe agrada hoje ver os putos
de Santos, como lhes chama, aos bordos e a beberem que nem doidos até
vomitarem, pensa que não é com a nova lei que as coisas vão mudar.
“Bebemos, porque
nos deixam”, resume outra frequentadora de Santos, garrafa de
moscatel na mão, a caminho de um bar. “A nova lei?! Mas que lei,
se quando vou ao supermercado não me pedem identificação?” E
repete, para que não restem dúvidas: “Lei? Qual lei??? Nem os
pais têm mão nos filhos.”
Um dos rapazes do
banco de jardim não se conforma, e nem a cerveja que vai
desaparecendo do copo faz esvair-se-lhe o apelo. “Oiçam, encarem a
realidade tal como ela é — e não com a hipocrisia desta nova
lei.” Habituado a beber, ficou impressionado com o miúdo que lhe
apareceu à frente nestas férias na costa alentejana a pedir-lhe que
lhe comprasse uma cerveja. “Era da altura da minha irmã, que tem
oito anos. Garantiu-me que tinha 11. Já estava meio aos esses, tinha
bebido três cervejas e disseme que só parava à décima.” Não
lhe comprou nada, mas passado cinco minutos viu-o de copo na mão:
outro rapaz já lhe tinha providenciado a bebida seguinte.
“Esta lei é uma
hipocrisia, vai sempre haver consumo”, insiste o estudante. “Mais
vale registarem no chip do cartão do cidadão aquilo que se bebe —
e limitar dessa forma a quantidade, em vez de proibir. Porque o
cenário vai ser sempre o mesmo, independentemente das leis.”
O mais novo dos três
amigos empilha os copos de plástico já vazios na mesinha de jardim.
Ainda não é 1h da manhã e os três amigos já despejaram mais de
quatro litros de cerveja. “Para ficar bêbado preciso de muito mais
do que isto”, diz um deles, à laia de despedida.
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