Praxes
em Lisboa
Lucy Pepper
4/10/2015, OBSERVADOR
Em Lisboa, os estudantes
dedicam-se às praxes como se a universidade fosse o exército e os
alunos precisassem da coesão de uma unidade de combate.
O
ano lectivo universitário já começou… e com o novo ano lectivo,
veio a praxe, a grande “tradição” supostamente instituída para
integrar o novo estudante na universidade e o ajudar a sentir em
casa.
Embora a primeira
onda de humilhação nas ruas de Lisboa tenha diminuído nestes
últimos dias, a praxe, como o futebol, tem arranjado maneira de se
espalhar através do ano inteiro. Espero poder dormir um par de
noites descansadas antes que tudo comece de novo, a partir do nada,
por capricho de uns “doutores” carentes do 2º ano (e uns ainda
mais carentes do 3º e 4º, para além daqueles tipos esquisitos que
continuam a andar por lá anos depois), os quais provavelmente só
precisam de encontrar um amigo. O que já aguentei e ainda vou
aguentar são gangues de “caloiros” na rua, aos 30 e 40 de cada
vez, por baixo da janela do meu quarto, a cantarem como se estivessem
a sofrer um ataque de histeria em massa. O líder, vestido com uma
farda à Hogwart’s, fica em cima de uma caixa, a abanar uma grande
colher de pau. Tem o ar de quem gosta de ser adorado pelas massas, à
Mussolini.
No meu tempo, na
Grã-Bretanha, chegávamos à universidade como coelhos frescos para
abater. Éramos todos forasteiros, porque a tradição britânica era
ninguém estudar na sua própria cidade. Lá nos tentávamos safar.
Colocadas as caixas de tralhas e o edredão no nosso novo quarto,
fosse lá onde fosse, chorávamos um bocado e depois começávamos o
processo lento de perceber como as coisas funcionavam. Em muitas
universidades, a primeira semana chamava-se “Semana dos Caloiros”,
e havia eventos e festas para os caloiros se conhecerem uns aos
outros e aos estudantes carentes do 2º ano que organizavam os
eventos da semana. Tive a sorte de não ter de assistir a nenhuma
Semana de Caloiros. Estudei numa faculdade de belas-artes, e os
estudantes de artes eram demasiado “cool” (“cool” como o
Fonz, ou seja, nada “cool”) para serem vistos a organizar ou a
assistir a tais festas e eventos. Estávamos concentrados em
exercitar o nosso ennui e em procurar absinto.
Semana de Caloiros
ou não, acabávamos por conhecer os colegas de casa,
embebedávamo-nos, tentávamos não engravidar ou apanhar sífilis ou
morrer, e íamos às aulas, até que um dia nos sentíamos em casa.
Aqui, parece que os
costumes são outros. Em vez de se habituarem lentamente à sua nova
situação, os “caloiros” são arrebanhados pela cidade toda,
obrigados a atividades estúpidas e sofrendo rituais humilhantes,
bullied por “doutores” carentes do 2º ano. Como se a
universidade fosse o exército, e os estudantes precisassem da coesão
de uma unidade de combate. É verdade: alinhar com a praxe não é
obrigatório. Mas para quem vem de longe, intimidado pela estranheza
de tudo, sob a pressão dos colegas, haverá real liberdade de
escolha?
O mais engraçado é
que, em Lisboa, nada disto corresponde sequer a uma tradição
genuína. Um dia, uns estudantes carentes do 2º ano olharam para
Coimbra e pensaram “olha, vamos fazer uma coisa igual!” É
estúpido. E ainda parece mais estúpido quando temos em conta que
tem havido mortes relacionadas com a praxe, mortes que nunca vão ser
realmente resolvidas por causa do código de silêncio da tribo. Tudo
por causa dos egos de uns doutores carentes do 2º ano (e do 3º e do
4º) que querem abanar as suas colheres e passear na cidade com as
suas capas tolas.
Sem comentários:
Enviar um comentário