Morreu
José Vilhena, o sátiro cartoonista da Gaiola Aberta
Escritor,
cartoonista e pintor, José Vilhena foi um grande sátiro da condição
portuguesa, em ditadura, e em liberdade
Mário Lopes / 4-10-2015 / PÚBLICO
Morreu ontem aos 88 anos. Foi cartoonista, humorista, escritor e pintor, tudo interligado na vida e obra de um homem que se dedicou a satirizar, sem poupar ninguém, dos poderosos ao povo oprimido, a realidade política e social do país. Antes da Revolução de Abril conviveu com a censura de forma ininterrupta, ou não tivesse assinado 70 livros, todos censurados, vendidos por baixo da mesa nas tabacarias.
Onze dias depois do
25 de Abril, começou a fazer a cronologia da revolução em Gaiola
Aberta, o seu título mais célebre. Trabalhador independente que se
responsabilizava sozinho por todo o processo de elaboração e
produção dos seus livros e revistas, José Vilhena foi um nome
incontornável do humor português, na linha de Bordalo Pinheiro, mas
contemporâneo da libertação sexual das décadas de 1960-70 (e
notava-se, ou não fosse o corpo feminino presença constante na sua
obra).
Vilhena dizia ser
“uma espécie de trapezista”: “A malta comprava os meus livros
porque achava que no dia seguinte eu ia preso.” E foi, por três
vezes, em 1962, 1964 e 1966. Muito a propósito, Rui Zink recorda ao
PÚBLICO a definição de censura que ouviu a José Vilhena: “Censura
é a técnica de separar o trigo do joio, a fim de publicar o joio.”
Zink descreve-o como
“um diamante no meio de ovelhas murchas” A sua actividade
diversificada nasce, de resto, da inexistência de escritores
populares de humor em Portugal. “Do que ele gostava era de
desenhar, mas, dada essa circunstância, acabou por se tornar
cartoonista, escritor, editor, distribuidor.”
Nascido a 7 de Julho
de 1927 em Figueira de Castelo Rodrigo, José Vilhena frequentou a
Escola de Belas-Artes do Porto, inserido no curso de Arquitectura que
não chegaria a concluir, culpa do trabalho que começara a fazer
para o Diário de Lisboa, Cara
Alegre e O Mundo Ri,
que co-fundou na década de 1950.
Trabalhou o humor de
diversas formas, recorrendo à escrita literária, à ilustração,
ao cartoon ou à fotomontagem. Esta última expressão criativa
valeu-lhe um inusitado protagonismo internacional, quando no início
dos anos 1980 foi alvo de um processo interposto por Carolina do
Mónaco, na sequência de uma fotomontagem em que, parodiando o
anúncio de uma marca de brandy, colocou a princesa “a aquecer o
seu copo de uma maneira original”, recordava em 2003 ao Correio da
Manhã.
Entre a sua obra,
destacam-se, antes do 25 de Abril, obras como
História da Pulhice
Humana (1961), O Filho da Mãe (1970) ou Branca de
Neve e os 700 Anões
(1962). É nesse período que José Vilhena mais brilha, considera
Rui Zink. “Os retratos que fez daquele morno Portugal de Salazar
são maravilhosos. Depois do 25 de Abril, as pessoas ganharam coragem
e surgiram concorrentes mais jovens, mais adequados ao tempo, mais
ágeis, mais à esquerda. Há sempre um sacana que gosta mais de
liberdade do que nós, quando já não há riscos a correr”,
ironiza. Durante a ditadura, José Vilhena era “uma estrela
solitária a fazer aquele tipo de humor e, mesmo as pessoas que não
liam os livros dele conheciam as histórias dos seus livros”,
recorda Zink. Segundo o escritor, “foi o grande humorista
transversal de antes do 25 de Abril e teve a importância do Herman [
José] e dos Gatos Fedorento juntos”. A produção de José Vilhena
no pós-revolução inclui a Gaiola Aberta, O Cavaco, nos anos de
governo do actual Presidente da República, ou O Moralista.
O velório de José
Vilhena terá lugar hoje na Basílica da Estrela, em Lisboa, a partir
das 18h. O funeral será às 11h no cemitério do Alto de S. João.
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