quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O último álbum da monarquia















O último álbum da monarquia
LUCINDA CANELAS 01/10/2015 – PÚBLICO

D. Amélia fotografava e fazia-se fotografar. Exposição na Ajuda faz-nos folhear os álbuns desta mulher que parecia sentir-se tão bem numa tarde de touros e cavalos em Vila Viçosa como nos melhores estúdios de Cannes e Londres.

D. Amélia não se preocupava só em fotografar piqueniques de família, caçadas em Vila Viçosa, visitas de outros monarcas europeus amigos da casa, viagens pelo Mediterrâneo e tardes na praia da Adraga com direito a guitarras de fado. Organizava meticulosamente todas as imagens em álbuns que legendava com rigor, pondo muitas vezes por baixo de cada fotografia local, data, intervenientes e autor. Quem estava por trás da câmara era muito importante para esta princesa de França que veio a ser a última rainha de Portugal porque, para ela, fotografar era muito mais do que registar.

“Quem folheia os seus álbuns vê que a noção de autoria está muito presente”, explica José Alberto Ribeiro, director do Palácio Nacional da Ajuda, onde acaba de inaugurar Tirée par…, uma exposição dedicada à rainha D. Amélia (1865-1951) e a fotografia (até 20 de Janeiro). “D. Amélia interessa-se muito por este meio que tem à disposição, como se interessa por desenhar. A fotografia faz parte da sua educação artística e é muito popular na casa real.” O marido, D. Carlos, também fotografa, os filhos - os príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel - têm sempre câmaras à mão e até a rainha mãe, D. Maria Pia, é uma entusiasta. “A mãe de D. Carlos é uma verdadeira pioneira da fotografia em Portugal”, acrescenta o historiador de arte e autor de uma biografia de D. Amélia (edição Esfera dos Livros, 2013), “e é muito natural que visse com bons olhos esta inclinação da nora”.

É Maria Pia, aliás, que aparece, por vezes de máquina em punho, em algumas das fotografias que estão agora na Ajuda, em grande parte expostas pela primeira vez, e que documentam os últimos 20 anos da monarquia portuguesa. São 130 imagens das colecções deste palácio nacional e sobretudo da Casa de Bragança, escolhidas pelo conservador de fotografia Luís Pavão, o comissário, e divididas em seis núcleos que vão do trabalho de estúdio ao retrato de grupo, passando pelo registo do dia-a-dia, em momentos de lazer e intimidade com familiares e amigos, pelos actos oficiais em que os reis são acompanhados por repórteres que trabalham para a imprensa nacional, como Joshua Benoliel e António Novais, e pelas viagens, sendo a mais documentada a que a rainha faz pelo Mediterrâneo, em 1903.

Neste périplo, em que se faz acompanhar pelos filhos, já adolescentes, D. Amélia visita a Argélia, Tunísia, Malta, Egipto e Itália. Estão lá as fotografias que mostram a pequena comitiva da rainha num templo de Luxor, a grande necrópole, junto à esfinge do planalto de Guiza ou frente à pirâmide de Miquerinos. Está lá também a que lhe tiram a bordo de um iate, entre Nápoles e Capri, ao lado do jovem príncipe Wilhelm de Hohenzollern, ambos de câmara na mão.

D. Amélia interessa-se muito por este meio que tem à disposição, como se interessa por desenhar. A fotografia faz parte da sua educação artística e é muito popular na casa real
José Alberto Ribeiro, director do Palácio da Ajuda

“O que vemos nas fotografias da exposição, para além do registo quotidiano ou oficial, é que há nesta família real uma proximidade das pessoas, do seu povo, que seria impensável noutras casas reais europeias, como a inglesa ou a russa”, diz José Alberto Ribeiro, apontando para uma das fotografias de José Goulart em que D. Amélia caminha de sombrinha entre a população do Faial, na visita dos reis aos Açores e à Madeira, em 1901. D. Carlos segue-a, sorridente, sem que seja possível ver qualquer elemento da segurança dos monarcas. “Esta é uma rainha que gosta de falar com as pessoas, que não tem medo de se aproximar. Há até um episódio que conta nos seus diários em que se cruza com um dos ciganos que fotografara em Vila Viçosa perto da propriedade da mãe, em Sevilha, e que a convida para uma sopa. D. Amélia é uma Orléans, uma Bragança, mas é também uma rainha que gosta de incutir nos filhos um sentido de serviço que a obriga a prescindir do estatuto de inalcançável.”

As fotografias e álbuns mostram-na ora descontraída e afável, em roupa de amazona no Alentejo ou a preparar o almoço num piquenique de praia em que a mesa na areia parece ter sido trazida de uma das salas do palácio, ora em poses formais nalguns dos melhores estúdios de Londres, Cannes e Lisboa, quando estava ainda noiva de D. Carlos ou já casada. Em qualquer dos casos, parece sempre haver espaço para alguma encenação.

Rainha num mundo em mudança, D. Amélia presenciou o assassinato do marido e do filho mais velho, o seu preferido, assistiu ao fim da monarquia, viveu no exílio e enfrentou ainda a morte do filho mais novo, D. Manuel. Tinha 86 anos quando morreu, em Versalhes, pedindo que a sepultassem em Portugal e que queimassem os diários que manteve ao longo de 65 anos. O primeiro desejo foi cumprido, o segundo não.


No próximo ano Tirée par… será instalada no Paço Ducal de Vila Viçosa, outra das casas dos Braganças, e no Centro Português de Fotografia, no Porto.

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