Coligação
terá governo instável, Costa fragilizado não se demite
São José Almeida
05/10/2015 - PÚBLICO
PSD/CDS
perdem estabilidade da maioria absoluta, mas assumem direito a ser
Governo. PS perde as eleições e já tem seguristas a pedir
congresso extraordinário. A surpresa da noite foi a subida do BE.
Foi uma noite
eleitoral imprevisível, de acordo com as expectativas que os
partidos tinham quando a campanha começou. A coligação Portugal à
Frente ganhou com um resultado que a coloca distante do PS, com uma
percentagem de 36,8% e mais de 100 deputados. O PS saiu derrotado,
com 32.3% dos votos, elegendo mais de 80 deputados. Mas a perda da
maioria absoluta torna o próximo governo frágil perante uma maioria
de esquerda no Parlamento.
É certo que a
coligação ficou abaixo da vitória de há quatro anos, em que os
dois partidos juntos atingiam os 50,37% dos votos. Mas agora, apesar
de António Costa ter feito o PS crescer em relação às
legislativas de há quatro anos – em que os socialistas liderados
por José Sócrates obtiveram 28,05% e elegeram 74 deputados –, a
verdade é que o PS se ficou pelos 32,3%, pouco mais que os 31,4% que
António José Seguro obteve em Maio de 2014 nas europeias e que, na
própria noite eleitoral, Costa classificou como uma vitória
“poucochinha”.
A outra novidade das
eleições que também se opôs às expectativas são os resultados
da CDU e do BE. Mais uma vez, contra as previsões do início da
campanha ao nível dos partidos menores com assento parlamentar, a
CDU tem um bom resultado, atingido 8,2% e elegendo 17 deputados.
Mas surpreendente é
a subida do Bloco de Esquerda, que quase dobra o resultado de 2011,
ficando nos 10,2% e podendo chegar aos 19 deputados, quando tinha só
oito. Elegendo pela primeira vez em círculos como a Madeira. Com
este resultado, o BE passa a ser o principal partido à esquerda do
PS, posição que obteve em 2009, quando o CDU obteve 15 deputados e
o Bloco 16. E é um facto que Catarina Martins, se conseguiu uma
liderança frágil no Congresso do BE em Novembro passado, em que
disputou ao lado de João Semedo a chefia do partido com Pedro Filipe
Soares, agora ganha uma legitimidade interna que é incontestável.
Uma novidade no
Parlamento é a eleição de um deputado do PAN (Partido
Pessoas-Animais-Natureza), que elegeu o seu cabeça de lista por
Lisboa, André Lourenço e Silva. De resto, defraudando as
expectativas, nenhum outro pequeno partido elegeu. Nem o Rui Tavares
foi eleito pelo Livre/Tempo de Avançar, nem o PDR conseguiu eleger o
cabeça de lista por Lisboa, Sousa Castro, ou por Coimbra, por onde
se candidatava o seu líder, Marinho e Pinto.
Passos abre ao PS
No final da noite
eleitoral, como é tradição, falou o vencedor. Ou seja, os líderes
da coligação, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Como segunda
figura, o líder do CDS começou por dizer que a vitória tinha
“clareza”, mas garantiu que ambos os partidos iriam saber ler a
maioria relativa que receberam e agir em consonância com ela. E
começou logo a prometer “compromisso”, “abertura”,
rejeitando de pronto qualquer tentativa de “impor uma maioria
negativa”.
De seguida, Pedro
Passos Coelho foi mais explícito na sua mensagem. Assumiu que “a
força política vencedora foi a coligação” e anunciou a intenção
de afirmar ao Presidente da República, Cavaco Silva, a sua
disponibilidade para formar Governo.
Não ignorando que
perdeu a maioria absoluta e que terá de negociar no Parlamento,
Passos Coelho lembrou que há um património europeu comum entre o
PSD, o CDS e o PS, e afirmou-se disponível para negociar acordos
pontuais com os socialistas na Assembleia da República.
Rejeitando qualquer
cenário de maioria de esquerda, Passos Coelho advertiu: “Seria
estranho que quem ganhasse as eleições não pudesse governar.”
Cavaco chama Passos
Terminadas as
eleições, cabe ao Presidente da República, Cavaco Silva,
analisá-los e ouvir os partidos que conseguiram eleger deputados à
Assembleia da República, certo de que não pode convocar eleições
porque está em final do seu mandato e nos primeiros seis meses do
novo Parlamento.
Tudo indica, de
acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, que, face ao
resultado claro de vitória eleitoral da coligação, mesmo sem ter
maioria absoluta, Passos Coelho será convidado a formar Governo. Até
porque nas audições aos partidos que o Presidente fará é de
esperar que CDS e PSD manifestem ao Presidente a intenção de manter
o acordo de coligação governativa com base no qual se candidataram.
É certo que, nos
cenários feitos logo na noite das eleições nos partidos de
esquerda, havia quem admitisse que, se o PS tivesse mais deputados do
que o PSD ou que, juntamente com o BE, conseguisse mais mandatos do
que a coligação, o Presidente poderia ser forçado a chamar Costa a
formar Governo. Mas de acordo com as informações recolhidas pelo
PÚBLICO, isso não passa de wishful thinking de algumas pessoas de
esquerda. E não há qualquer perspectiva de que o Presidente, num
primeiro momento, não opte por chamar a coligação a ser Governo.
A tese de que há
uma maioria de esquerda, pelo que o Presidente não pode dar posse a
um Governo de direita, foi vincada pelo secretário-geral do PCP,
Jerónimo de Sousa, ao comentar na sede o que classificou como uma
vitória da CDU.
A questão de um
governo de esquerda face à perda da maioria absoluta da coligação
era, no domingo, contrariada por outros factores para além do
carácter institucional e formalista do Presidente. O facto de
Catarina Martins ter aproveitado a sua declaração de vitória para
desafiar o PS e a CDU a formarem um Governo de esquerda com o BE –
prometendo mesmo que irá “rejeitar o programa de Governo" –
acabou por inviabilizar qualquer negociação de bastidores entre
bloquistas e socialistas. Isto porque o PS surgiria sempre como o
parceiro convidado a coligar-se, quando na prática é o partido que
tem mais deputados entre a esquerda e, portanto, seria dominante
nessa relação.
Costa fragilizado
Outro factor que
dificulta um cenário de um governo de esquerda é o facto de António
Costa sair desta eleição fragilizado na sua legitimidade interna.
Isto porque desafiou Seguro em nome da necessidade de uma vitória
que não surgisse como “poucochinha” e terminou derrotado.
Fez o seu discurso
de derrota assumindo “por inteiro a responsabilidade política e
pessoal” do resultado. Alertou a coligação para que a “perda da
maioria” cria “um novo quadro político” no Parlamento. Mas foi
claro a garantir que só votaria a rejeição do programa do Governo
da coligação se tivesse uma alternativa de Governo a apresentar.
Já sobre o seu
futuro foi prudente. Fazendo um trocadilho com a histórica frase de
Humberto Delgado, afirmou: “Manifestamente não me vou demitir.”
Para em seguida afirmar: “Nunca estarei a mais.” Ou seja,
admitindo poder vir a sair se for essa a vontade do PS.
E, na própria noite
eleitoral, apoiantes de Seguro começaram a pedir responsabilidades a
Costa. Primeiro foi Eurico Brilhante Dias que manifestou a sua
preocupação com os resultados do PS, depois foi Ana Gomes a acusar:
“O PS falhou.” E a defender que, “rapidamente, o partido possa
analisar nos órgãos próprios por que é que estes foram os
resultados eleitorais”.
Depois foi José
Junqueiro a sustentar: “No início desta legislatura, o PS iniciou
uma oposição construtiva e obteve sucesso nas eleições
autárquicas e europeias. Esse processo foi interrompido pelo doutor
António Costa, que defendeu uma vitória rápida nestas eleições.
Os resultados desta noite contrariam essses objectivos. Estamos à
espera de que o secretário-geral interprete estes resultados.” E,
por fim, Álvaro Beleza considerou que era preciso calma, mas pediu
um congresso do partido, já que a reunião da comissão política
que Costa prometeu para terça-feira “é poucochinha”.
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