Catalunha
27-S
PEDRO MIGUEL CARDOSO
01/10/2015 - PÚBLICO
É
importante que a Catalunha possa decidir o seu futuro.
Está em curso um
processo social e político histórico na Catalunha. Um processo que
pode mudar Espanha e que terá inevitavelmente um impacto na história
da União Europeia. As eleições para o Parlamento da Catalunha
realizadas no passado dia 27 de Setembro foram mais uma etapa desse
processo.
A maioria das forças
políticas encarou estas eleições como um plebiscito à
independência. A participação superou as expectativas e alcançou
o recorde histórico de 77,44%. As candidaturas “Junts Pel Sí” e
Candidatura Unidade Popular (CUP) que defendiam o início de um
processo de independência unilateral obtiveram maioria absoluta de
deputados (72 em 135) e uma percentagem de votos de 39,54% e 8,2%
respectivamente, 47,74% no total. As candidaturas contra a
independência obtiveram um total de 39,17%. Neste grupo inserem-se o
Partido Socialista Catalão (PSC) com 12,74% (16 deputados) que
defende a reforma da actual Constituição Espanhola no sentido
federal, os “Cidadãos” (C’s) com 17,93% (25 deputados) e o
Partido Popular (PP) com 8,5% (11 deputados) que se apresentam como
defensores da actual Constituição. Existem ainda as forças
políticas que defendem um referendo de auto-determinação acordado
com o Estado Espanhol, o “Catalunya Sí que es Pot” apoiado pelo
Podemos com 8,94% de votos (11 deputados) é o exemplo mais notório.
Cabe aqui realçar que vários órgãos de comunicação social
espanhóis estão a incluir estes votos no campo do “Não” à
independência. No entanto esta análise não é totalmente correcta
uma vez que existem potenciais votantes do “Sim” neste grupo de
eleitores. Outro dado relevante nestes resultados é que dada a
expressiva participação verificou-se que há também pluralidade de
posições entre os tradicionais abstencionistas. Pensava-se que uma
participação elevada dos silenciosos poderia impedir a maioria
absoluta de deputados a favor da independência. Naturalmente o
instrumento ideal para avaliar o apoio à independência seria um
referendo mas como sabemos o Estado Espanhol não tem permitido que
se realize. Além disso há toda uma campanha para desacreditar o
movimento pela independência e um discurso de dramatização do lado
“espanhol” que prejudica um debate que podia ser mais sereno e
racional. O governo espanhol critica os independentistas por quererem
criar fronteiras e retirar a nacionalidade espanhola aos catalães.
Os independentistas dizem que não querem criar fronteiras até
porque a Catalunha quer continuar a ser parte da União Europeia e
não querem retirar a nacionalidade espanhola aos catalães, até
porque a lei espanhola o não permite. Na República Catalã os
cidadãos teriam a possibilidade de escolher se ficam apenas com a
nacionalidade catalã, a dupla nacionalidade catalã e espanhola, ou
apenas espanhola. O governo espanhol em resposta garante que a
Catalunha independente fica fora da União Europeia e que os catalães
ficam sem a nacionalidade espanhola.
Escrevo desde
Barcelona, onde tive a oportunidade de assistir a eventos políticos,
ler a imprensa (espanhola e catalã) e falar com as pessoas. O apoio
à independência tem crescido bastante e há de facto visões
dominantes na sociedade catalã e na sociedade espanhola em geral
distintas. Segundo a visão dominante na Catalunha, com a qual
concordo, há razões históricas, culturais e políticas que
justificam o direito à auto-determinação. Os catalães constituem
uma antiga nação que quer decidir o seu futuro. Muitos aspiram a
que a Catalunha tenha o seu próprio Estado. Estão mobilizados em
torno de um projecto de futuro, que querem inclusivo e aberto ao
Mundo. Os que temem e classificam esta ambição de “egoísmo
nacionalista” não devem esquecer que foram os nacionalismos
expansionistas e dominadores, os projectos imperiais que em geral
causaram sofrimentos e guerras. A língua catalã que foi proibida e
perseguida no passado pelo nacionalismo espanhol não é hoje em dia
sequer língua oficial da União Europeia. A diversidade cultural e
política é uma mais valia que merece ser promovida e valorizada.
É importante que a
Catalunha possa decidir o seu futuro. Não menosprezem a força
transformadora e inspiradora que este processo democrático e
pacífico tem. Caso seja essa a vontade maioritária dos catalães
apoiemos a construção de um novo Estado, de um novo país. Espanha
pode também beneficiar e transformar-se. A Escandinávia tem vários
Estados e não deixa de ser uma das zonas mais prósperas do Mundo.
Não tenham medo da mudança, nem da democracia. Quem sabe no futuro
em vez de analisarmos as causas da decadência dos povos peninsulares
(ibéricos) como fez Antero de Quental em 1871 estaremos a analisar
as causas do seu renascimento e florescimento. E a Catalunha terá um
papel de relevo. Cooperando em liberdade, igualdade e fraternidade,
seremos mais fortes.
Investigador na
Universidade de Lisboa, Mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais
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