terça-feira, 4 de junho de 2013

"Enevoados". "Mensagem de Pacheco Pereira na reunião de Soares irritou PSD". "Seguro podia, ao menos, ter enviado uma mensagem igual à de Pacheco Pereira".


Enevoados.


Por João Miguel Tavares in Público
04/06/2013

Há uma nova actividade política em Portugal, que a nossa esquerda pratica com especial enlevo, a que podemos dar o nome de "conferenciar para esquecer". Conferenciar para esquecer é uma espécie de beber para esquecer, onde o consumo de bebidas brancas é substituído pelo consumo de discursos brancos. Em vez de se afogar a dura realidade em álcool etílico, tenta-se afogá-la em frases pomposas, versos de Sophia e truques retóricos. Tivesse a polícia realizado uma operação stop junto à Aula Magna na noite de quinta-feira, à saída da conferência Libertar Portugal da Austeridade, e obrigado os participantes a soprarem no balão, e teria certamente encontrado centenas de pessoas à beira do coma poético, com três e quatro gramas de lirismo por litro de sangue. O principal barman da noite, responsável por numerosas rodadas de frases de efeito para delírio da clientela, foi o reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa. O magnífico reitor tem vindo aos poucos a ganhar um estranho protagonismo, que começou no 10 de Junho de 2012 e que o tem colocado na linha da frente da prédica nacional, distinguindo-se com tiradas tão belas quanto "não conseguiremos ser alguém na Europa e no mundo se formos ninguém em nós" ou "penso nos outros, logo existo". Consta que o stock de kleenex esgota invariavelmente nos supermercados mais próximos dos locais onde intervém.
Juro que eu não sou abstémio quanto a discursos galvanizadores. Tenho duas prateleiras de livros sobre Obama, e todos nós precisamos de gente que nos emocione e nos inspire. Mas, assim, de repente, convém não ir a reboque do primeiro soneto. Ora, quando vejo tanta gente respeitável (Daniel Oliveira no Expresso, Nuno Saraiva no DN, Rui Tavares no PÚBLICO) embriagada pelos discursos enevoados de Sampaio da Nóvoa, achando que no meio daquele espiche se esconde uma qualquer luz trémula capaz de nos indicar o caminho para fora da austeridade, começo a ficar seriamente preocupado.
Não tendo recebido qualquer convite para estar presente na conferência de libertação de Portugal da austeridade (até porque, para ver ficção científica, prefiro o Star Trek), mas estando atento à multiplicação de loas a Sampaio da Nóvoa, fui novamente perder um quarto de hora a ouvi-lo no YouTube. E em termos de coerência, pelo menos, o magnífico reitor não merece reparos: o seu discurso foi tão vazio quanto o do 10 de Junho. Introdução: "Para superar as dificuldades é necessário que haja mais vida, mais trabalho, mais criação de valor e de riqueza [palmas]." Desenvolvimento: "Precisamos de ideias que levantem Portugal, de investir no território e no conhecimento [mais palmas]." Conclusão: "Aqui estamos. Pela vida, e não pela morte. Pelo mais, e não pelo menos. Pela esperança, e não pelo desânimo [aplausos de pé]."
Houve bastantes mais "por isto e não por aquilo", mas acho que dá para perceber a ideia, que basicamente consiste em não haver ideia absolutamente nenhuma. Ora, como é possível que esta babugem seja de repente alcandorada a manifestação de uma qualquer consciência da pátria? Eis um espantoso mistério. Portugal - e não é ironia - precisa desesperadamente de uma esquerda lúcida e interventiva. Mas se isto é o melhor que ela tem para oferecer, já estou como Cavaco: que Nossa Senhora nos valha. Porque enquanto a grande alternativa à austeridade forem saraus político-poéticos, só mesmo um milagre (ou muita bebida) nos poderá salvar.
Jornalista jmtavares@outlook.com


Mensagem de Pacheco Pereira na reunião de Soares irritou PSD.


Por Luís Claro
publicado em 4 Jun 2013 in (jornal) i online

Pacheco Pereira juntou-se ao encontro das esquerdas e fez saltar a tampa a alguns sociais-democratas que sugeremao ex-deputado do PSD que saia do partido.

Os sociais-democratas não gostaram de ver um dos seus militantes a participar no encontro das esquerdas, promovido por Mário Soares na quinta-feira à noite na Aula Magna, e há mesmo quem sugira a Pacheco Pereira que abandone o partido. "No dia em que eu achar que não estou bem no PSD saio. Não passo a vida a agredir publicamente o meu partido e o governo que o meu partido apoia", disse, na SIC Notícias, o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD José de Matos Correia.
O também presidente da comissão parlamentar de Defesa defendeu que "não se pode ao mesmo tempo vestir a camisola de uma equipa e estar contra ela" - "Se estou contra abandono a equipa". O líder da JSD, Hugo Soares, concorda com esta posição. "No dia em que não me identificasse com o PSD sairia", diz ao i o líder dos jovens sociais-democratas, defendendo que Pacheco Pereira está a voltar às "origens" e a juntar-se "à esquerda radical", referindo-se à ligação do agora comentador à organização maoista OCMLP.
O deputado social-democrata Duarte Marques vai mais longe e compara as críticas de Pacheco Pereira ao PSD aos militantes que vão candidatar-se nas autárquicas contra o partido. "Não sei o que é pior. Se é um militante candidatar-se contra o PSD ou passar 90% do tempo a dizer mal do próprio partido. Mas não me surpreende e acho que ele está muito bem naquele encontro. Lá é que ele está bem", diz ao i.
Pacheco Pereira não esteve presente no encontro de Soares, mas associou-se à iniciativa e enviou uma mensagem bastante crítica para o governo em que antecipa as críticas que lhe estão a ser feitas. "A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto, explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a direita", afirma o ex-líder parlamentar do PSD, acrescentando que "os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático".
Com as eleições autárquicas à porta, o clima está a aquecer no PSD e os líderes das distritais de Lisboa e do Porto já defenderam que quem não aceita as escolhas democráticas deve sair. Um recado para destacados militantes como Miguel Veiga, que apoia a candidatura de Rui Moreira no Porto, e António Capucho, que é o cabeça de lista à Assembleia Municipal de Sintra da candidatura de Marco Almeida. Em resposta, António Capucho diz que quem "estará a mais no PSD" não são os que apoiam outras candidaturas, mas sim "aqueles que desviaram o PSD da sua orientação programática e instalaram uma máquina partidária subserviente". Outro histórico do PS, Miguel Veiga, já tinha avisado que se for aberto um processo disciplinar sairá do PSD. "Se vier a colocar-se esse caso, da minha eventual expulsão, eu não me sujeito a isso. Expulso-me eu do PSD", disse ao i Miguel Veiga.
Os estatutos do PSD prevêem que "cessa a inscrição no partido dos militantes que se apresentem em qualquer acto eleitoral nacional, regional ou local na qualidade de candidatos, mandatários ou apoiantes de candidatura adversária da candidatura apresentada pelo PPD/PSD", mas se houver punições será só após as eleições autárquicas.

A ausência de Seguro na Aula Magna

Por Ana Sá Lopes in (jornal) i online
publicado em 3 Jun 2013

Seguro podia, ao menos, ter enviado uma mensagem igual à de Pacheco Pereira.

Que razão política ponderosa levou António José Seguro, o secretário-geral do PS, a fugir, como o diabo da cruz, de uma reunião convocada pelo fundador do partido, Mário Soares, sob o lema "Libertar Portugal de Austeridade"? Qual é a lógica se António José Seguro assume como seu programa político precisamente isso - "libertar Portugal da austeridade"?
Como é possível que um ex-dirigente do PSD, Pacheco Pereira, tenha tido uma participação mais influente (através de uma mensagem enviada e lida pelo fundador do PS) do que o secretário-geral do maior partido da oposição? Nenhuma explicação é politicamente boa para perceber porque é que António José Seguro decidiu abdicar de um papel principal numa reunião organizada pelo fundador do seu partido - deixando--o a Mário Soares e ao reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa. A reunião era assumidamente histórica: nunca, representantes dos três partidos de esquerda se tinham sentado à mesma mesa. Porque é que Seguro e toda a sua direcção política falham o encontro?
Não existe uma outra explicação lógica possível: Seguro não se quer misturar com os outros partidos à sua esquerda - PS e PCP - e já escolheu o seu caminho: quando vencer as eleições sem maioria absoluta vai aliar-se ao CDS que irá reciclar na próxima ida às urnas a velha posição de "equidistância" entre PS e PSD inventada por Freitas do Amaral. O CDS deverá voltar a ser aquele partido que em 1974 se definia como "rigorosamente ao centro", o parceiro perfeito para um PS rigorosamente afastado da sua esquerda.
Essa é a única explicação plausível para que Seguro tenha voltado costas à Aula Magna - onde, aliás, não seria obrigado a assinar nenhum acordo de coligação de esquerda, mas apenas, enquanto líder do maior partido da oposição, participar num momento simbólico de oposição ao governo. De que é que Seguro e a sua direcção política tiveram medo? Das companhias de "esquerda"? Da sombra do imparável fundador? Do conflito de interesses de quem prepara uma coligação com o CDS?
Não é por causa de Seguro que até agora uma coligação de esquerda não aconteceu em Portugal. Os muros parecem intransponíveis. Mas a ausência de Seguro indica que nunca será ele que a tornará viável. Mas nem isso justifica que, ao menos, não tenha enviado uma mensagem igual à de Pacheco Pereira - que ninguém imagina a coligar-se com o BE e o PCP num futuro governo.

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