"Brasil, acorda!"
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21/06/2013
O preço dos bilhetes dos autocarros foi só o início. Apesar de os municípios terem baixado as tarifas, continuam os protestos - o objectivo ontem era levar um milhão para as ruas brasileiras
Pôr um milhão de pessoas na rua, em pelo menos 80
cidades brasileiras, era o objectivo traçado para esta madrugada pelo movimento
de protesto que começou por ser contra o aumento do preço dos transportes mas se
transformou num movimento de contestação social que foi bem para lá das cidades
de São Paulo e do Rio de Janeiro.
O movimento que apanhou os políticos desprevenidos chegou ao décimo dia sem
diminuir, mesmo que vários municípios tenham recuado quanto ao aumento do preço
dos bilhetes de autocarro. Quarta-feira, até mesmo o prefeito de São Paulo, o
"petista" (membro do Partido dos Trabalhadores, PT, no poder) Fernando Haddad se
viu constrangido a revogar o aumento de três reais (1,01 euros) para 3,20 reais
(1,07 euros) dos "ônibus" municipais - a decisão que desencadeou os protestos.
O autarca tentou até ao fim manter a medida, disse que seria "populismo" baixar o preço, que era preciso pensar nas consequências. Mas, desgastado nas ruas e pressionado pelo seu partido - até por Lula da Silva e pela Presidente Dilma Rousseff, diz o jornal Folha de São Paulo - foi obrigado a recuar. Até à meia-noite de quarta-feira, o prefeito Haddad teve uma pequena manifestação à porta de casa, na qual participaram até os vizinhos do seu próprio prédio, relata o siteSurgiu.
Até agora, os manifestantes têm-se mobilizado através da Internet, sem uma organização central, sem verdadeiros líderes - como tem acontecido noutras grandes mobilizações populares em países como os Estados Unidos, a Índia, Espanha, Egipto e nas Primaveras Árabes em geral. Só em São Paulo, até perto da hora do almoço (hora local), 300 mil pessoas tinham-se comprometido no Facebook a participar na manifestação, relata a AFP. No Rio de Janeiro, 250 mil tinham dito que iam, e em Brasília eram 50 mil os que prometiam comparecer, sob a palavra de ordem "Brasil, acorda!". Esta é também uma das várias hashtags que correm nas redes sociais, e que as pessoas usam como moeda de troca para trocar informações, notícias, mensagens.
Tudo costuma começar ao fim do dia, depois da maior parte dos trabalhadores saírem dos empregos. Mas haverá também uma manifestação de apoio a Dilma Rousseff em São Paulo - a concentração está marcada para a Avenida Angélica, a poucos metros de onde será a concentração do protesto, marcado para as 17h na Praça do Ciclista, adianta o jornal O Estado de São Paulo.
Para as manifestações de ontem, a Central Sindical Única, a maior do Brasil, estava a mobilizar os seus membros para participarem, dizia o correspondente da Al Jazira no Brasil, Gabriel Elizondo, no Twitter. No entanto, os partidos e símbolos políticos têm sido activamente afastados das manifestações.
Com receio de que houvesse novos episódios de violência - apesar de em muitos casos esta ter sido causada por pessoas não relacionadas com os protestos -, as autoridades tomaram ontem precauções para proteger zonas patrimoniais.
Espiões na Internet
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) montou "à pressa" uma operação para monitorizar o que se passa na Internet, noticiavam ontem vários media brasileiros. "O Governo destacou oficiais de inteligência para acompanhar as movimentações dos manifestantes, por meio do Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp. A agência avalia que as tradicionais pastas do Governo que tratavam de articulação com a sociedade civil perderam a interlocução com as lideranças sociais", escreveu o Estado de São Paulo.
Os protestos estão a ganhar também na disputa pelo apoio de figuras públicas. Se Pelé pediu aos brasileiros para terminarem com os protestos nas ruas e se concentrarem no apoio à selecção durante a Taça das Confederações e no sucesso do Mundial 2014, o ex-internacional Romário, agora político, mandou literalmente "Pelé calar a boca." O craque Neymar está com os manifestantes: "Hoje, graças ao sucesso que me deram, levo a bandeira dos protestos que estão acontecendo em todo o Brasil. Pode parecer demagógico, mas não é".
Já o cantor e compositor Caetano Veloso afirmou sentir "identificação espontânea com os manifestantes", num texto no seu site. "Eles estão dando voz a sentimentos ainda inarticulados. Têm que nos fazer pensar.(...) Através desse sintoma que é o aumento do preço das passagens, os manifestantes estão dizendo que não engolem os modelos de negócio adoptados para as obras da Copa e da Olimpíada; que desconfiam dos planos de ampliação do metro; que percebem que o povo brasileiro já sente os efeitos da inflação."
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