Um novo partido à esquerda?
Por Ana Sá Lopes
publicado em 24 Jun 2013 in (jornal) i online
A esquerda em Portugal está tão bloqueada como a direita
Não vale a pena iludir o essencial: no actual estado da
arte, a esquerda em Portugal está tão bloqueada como a direita - e está longe
de se afirmar como alternativa consistente ao status quo. A questão essencial é
que a integração no euro e o enlouquecido funcionamento das instituições
europeias limitam radicalmente qualquer programa alternativo. O espectáculo
degradante do passa-culpas entre os criadores da destruição europeia - via
imposição de programas concebidos pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central
Europeu - ilustra o estado de decadência a que chegámos, onde só os mais
optimistas vislumbram algum milagre capaz de nos retirar do cerrado fundo do
túnel em que estamos.
O pacto entre os socialistas europeus e os partidos de
direita (a que pertence a CDU de Angela Merkel) que decretou que a Europa
deveria viver num estado de graça de défice zero é um dos compromissos mais
abstrusos - e totalmente contra a outrora linha política dos socialistas e
sociais-democratas europeus - e que inviabiliza a instituição de políticas sociais-democratas.
Como é que em Portugal António José Seguro - ou outro qualquer dirigente do PS
- poderá fazer políticas radicalmente diferentes das do actual governo quando
está amarrado a esse compromisso, mesmo depois do abandono da troika do país? À
esquerda do PS, o debate já está a ser feito no osso - e onde dói. PCP e Bloco
de Esquerda já discutem amplamente se devemos sair do euro, aparentemente a
única via para não ficarmos submetidos ao pacto orçamental, uma espécie de
pacto de austeridade ad eternum. Mas as divergências sobre os riscos desta
opção são imensas. A questão é que toda a conversa da esquerda sobre cortar com
a troika esbarra numa realidade incontornável - nenhum partido português corta
com a troika sozinho, sem assumir as consequências de sair do euro. Uma mudança
radical na Europa seria a única coisa que nos poderia "salvar" -
infelizmente, ela não está à vista.
O quadro é tão grave que o risco da emergência de populismos
(como se verificou em Itália e aqui em Portugal é protagonizado pelo movimento
Revolução Branca que admite fazer tudo para se apresentar a eleições) ou de uma
alucinada abstenção é severo. Um novo partido à esquerda teria várias vantagens
- aparecer expurgado dos complexos que impedem alianças à esquerda e conter a
abstenção dos que estão "cansados dos mesmos". Mas falta o programa e
isso não há (ainda).
Eurodeputado Rui Tavares defende a criação de novo partido à
esquerda.
Por Catarina Falcão
publicado em 24 Jun 2013 in (jornal) i online
"É preciso encontrar a melhor ferramenta para que a
sociedade portuguesa faça mexer as placas tectónicas da nossa política",
defende o eurodeputado
Rui Tavares, numa entrevista feita em Bruxelas, alerta que
Portugal não pode sair do euro sem sair da União Europeia e resiste à ideia de
que não há alternativa à austeridade. "A troika está a matar--nos. O que
nós temos de fazer é arranjar a melhor maneira possível de pôr a troika no
aeroporto", diz.
Portugal é um dos países que está a ser sacrificado pela
austeridade. O governo diz que não há alternativas a esta política e que
estamos condicionados pela troika. Qual é a alternativa? Um Estado unilateralmente
pode propor esse tipo de alternativas, não tem de partir das próprias
instituições europeias?
Eu acho que um Estado unilateralmente, mesmo um Estado que
esteja sob um programa, pode perfeitamente fazer uma série de políticas
concretas de ruptura com a austeridade. Eu faria, por exemplo, um sistema de
títulos, dentro do próprio país, antecipando o pagamento dos impostos, que
seriam transaccionáveis e que permitiriam captar poupanças, dando ao orçamento
central um certo desafogo e eventualmente possibilitariam uma renegociação da
dívida. Outra das coisas que pode ser feita é, por meio de medidas
legislativas, beneficiar o sector cooperativo, associativo e pequenas e médias
empresas que em Portugal asseguram muitos empregos.
Os instrumentos criados pela União até agora para lidar com
a crise são suficientes?
Os instrumentos que nós temos neste momento são muito
reduzidos. Aquela proposta do pacote de crescimento de Hollande ainda não está
financiada e era de 100 mil milhões de euros, claramente insuficiente para a
recuperação económica da União. Basta pensar só no que nós perdemos em fuga aos
impostos e planeamento fiscal agressivo, é um bilião de euros, ou seja, um
milhão de milhões. Há cálculos que apontam para que um pacote de estímulo para
a recuperação da crise seria de 2 biliões de euros. Este valor poderia ser
financiado de diversas formas. Uma parte seria para a troca de investimentos,
outra parte seria, por exemplo, combate à evasão fiscal e os proventos vindos
daí para a União Europeia, outra parte seria a taxa das transacções financeiras
e outra parte seria um fundo dos próprios Estados membros.
Em Portugal tem-se falado muito em rasgar o Memorando. Acha
que é uma solução plausível?
A troika está a matar-nos. A própria troika sabe isso tão
bem que mandam culpas uns para os outros. Portanto, o que nós temos de fazer é
arranjar a melhor maneira possível, no mais curto espaço possível, de pôr a
troika no aeroporto e recuperar a nossa independência. Ninguém em Bruxelas, em
Frankfurt ou onde quer que seja, pode obrigar o governo português a decidir
mais em função dos credores do que do seu povo. A primeira obrigação de um
governo é perante o seu povo e eu acho que um governo de alternativa é um
governo que evidentemente combinará as diferentes posições que encontramos hoje
em dia na oposição partidária e não partidária.
Uma alternativa que tem sido muito discutida em Portugal é a
saída do euro. Portugal pode sair do euro?
Portugal não pode sair do euro sem sair da União. E isto não
é uma notícia que eu goste de dar. No quadro actual que nós temos, Portugal
para sair do euro só tem uma saída que dependa exclusivamente de si, que é sair
da União. E isso tem consequências. Eu sei que a Grécia, a certa altura, pensou
nisso. Isto põe uma pergunta importante do lado de quem defende a saída do
euro, defende-se também a saída da União? Se defender a saída da União isso
significa que a nossa fronteira acaba em Badajoz no dia seguinte. Esta mudança
estratégica da economia portuguesa, equivalente à descolonização, não se decide
numa situação de pressão.
Falou há pouco de uma alternativa de governo. É favorável à
convocação de eleições antecipadas?
Quanto mais cedo nos livrarmos deste governo melhor.
Mas antes do fim do programa da troika?
Eu acho que este governo já pôs em causa o regular
funcionamento das instituições. Acho que o Presidente da República, um dos
grandes factores da desgraça em que nós estamos, deveria ter tomado uma atitude
que não tomou ainda. Este governo apresenta riscos graves para o Estado de
direito em Portugal, basta ver--se, agora, como reagiram à greve dos
professores.
António José Seguro é uma alternativa credível para o país?
A minha ansiedade é a mesma que qualquer pessoa de esquerda
tem em Portugal há muitos anos, só que pior ainda. A esquerda em Portugal nunca
se quis entender, a oposição não se entendeu nem com a troika no país. O povo
português anda há muito tempo a pedir isso, e os militantes dos partidos
também. E, portanto, a coisa é por cima que falha. É preciso é que, de uma vez
por todas, se os nossos dirigentes políticos não percebem o custo que nós
andamos a pagar por esta falta de vontade política, que os cidadãos se
revoltem. Eu aquilo a que apelo é que os portugueses de oposição, de esquerda,
ou que simplesmente querem uma alternativa, desmascarem este teatro de sombras
que há entre os três partidos de oposição.
O que é que falta à esquerda, um novo partido? Há lugar para
mais um partido à esquerda em Portugal?
Não há lugar para um partido que seja igual aos outros. Pode
haver espaço, não sei se é partido, se é movimento, se é associação...
Para concorrer em eleições tem de ser partido?
Pode fazer sentido uma coisa que seja baseada na democracia
deliberativa, ou seja, que traga a sociedade portuguesa para a política, porque
a nossa sociedade é melhor do que a nossa política. Uma coisa que, basicamente,
transcenda as fronteiras dos partidos. Isso tem estado a ser tentado com o
Manifesto para uma Esquerda Livre, com o Congresso Democrático das Alternativas
e, basicamente, o que é que se provou? Que dá certo.
Na teoria. E na prática?
Sim, mas essa prova foi importante fazê--la, porque o que
nos diziam é que há coisas muito diferentes que nos separam. Mas está ali um
programa, que não é um programa de banalidades, que foi assinado por aquela
gente toda, portanto, refutámos um dos principais argumentos das direcções
partidárias que era: não dá. Está provado que dá. O que retirei de lá é que a
razão por que não se faz, não é porque não dá, a razão por que não se faz é
porque não querem. É preciso encontrar a melhor ferramenta para que a sociedade
portuguesa faça mexer as placas tectónicas da nossa política? Se essa forma for
um partido, não devemos ter vergonha disso.
Mas já chegou a essa conclusão individual?
Essa conclusão não deve ser individual.
Mas alguém tem de começar.
E é por isso que eu tomo a responsabilidade de exprimir em
público aquilo que muita gente só fala nos corredores. A única maneira de
desvendar esse quebra- -cabeças é as pessoas assumirem as suas
responsabilidades de debate, dizer o que é que pensam, falarem abertamente
acerca disso, desfazerem esse tabu, e verem se há condições de fazer, e de
fazer bem. Nós vamos começar com uma coisa a partir de Setembro, chamado
Instituto Ulisses, que vai fazer programas e lançar novas ideias.
Nas próximas eleições europeias vai recandidatar-se? Isso
implicaria ou a criação de um novo partido ou um convite de um partido já
existente.
Em primeiro lugar, eu não penso acerca disso. Estou proibido
por mim próprio de pensar acerca disso, pelo menos até fechar o relatório sobre
a Hungria. Pelas vicissitudes deste mandato e pela maneira como ele decorreu,
aquilo que eu quero fazer é garantir o melhor trabalho possível. Que seja um
trabalho que deixe marca, que defenda os direitos do cidadão, que faça avançar
a democracia europeia.
Mas no grupo parlamentar onde está inserido neste momento,
até pode não querer pensar, mas não pensam por si?
Há gente que me pergunta se vou voltar e que era importante
que voltasse. Há gente que está em partidos e me diz, "queres que eu faça
campanha por ti dentro do meu país?" Eu respondo que não. Essa, não deve
ser a minha principal preocupação.
Qual é a importância da aprovação do seu relatório sobre a
Hungria?
Por um lado, a identificação de que os problemas na Hungria
são sistémicos, ou seja, não é este ou aquele assunto para um procedimento de
infracção específico. O regime na Hungria foi mudado e essas mudanças são em
geral de uma tendência incompatível com os valores da União. A partir daqui a
Comissão Europeia tem de iniciar um tipo de mecanismo em que diga ao Estado
membro que é preciso sentar à mesa e discutir só isso. Tudo o resto pára.
Mas também a Comissão tem vindo a alertar as próprias
autoridades húngaras de possíveis incompatibilidades...
A Comissão, por ser uma espécie de executivo não eleito da
União - e esse é um dos nossos problemas -, disse que só poderia ir a pontos
muito específicos. O que o Parlamento Europeu pode fazer é - enquanto
representante dos cidadãos - dizer à Comissão para não usar essa estratégia
picuinhas e ver o quadro geral de uma crise de direitos fundamentais que está a
começar agora e que vai ser pior do que a crise do euro. Porque não é só a
Hungria. Na Bulgária tivemos eleições que não sabemos se foram eleições
manipuladas ou não, ou seja, o tipo de coisas que em geral acontecia fora da
União Europeia está a acontecer dentro da União Europeia. Os romenos não sabem
o que está a ser negociado para a sua nova Constituição. Na Grécia temos não só
um partido neonazi que faz a saudação nazi no parlamento e que está em grande
nas sondagens, mas temos um governo que fecha a televisão pública de um dia
para o outro. Em Portugal também tivemos problemas muito sérios de pressão
sobre jornalistas. Podemos muito facilmente ter até metade da União com
problemas graves de direitos fundamentais e as instituições europeias a dizer
que são impotentes. O que eu tento fazer é arranjar o máximo de ferramentas
para que não possamos dizer que estamos impotentes.
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