segunda-feira, 10 de junho de 2013

Itália. Movimento de Beppe Grillo à beira da ruptura.


Itália. Movimento de Beppe Grillo à beira da ruptura.


Por Diogo Vaz Pinto
publicado em 10 Jun 2013 in (jornal) i online

Com a fuga de eleitores nas eleições municipais e a traição dos seus companheiros, Grillo já não canta, só ribomba

O colapso do Movimento 5 Estrelas (M5S) parece inevitável e vê-lo pulverizar-se, mesmo entre aqueles que desde cedo se mostraram cínicos quanto às hipóteses de o movimento encabeçado pelo comediante Beppe Grillo vir a provocar alguma mudança em Itália, não deixará de causar uma certa tristeza. Afinal, e mesmo que por um brevíssimo período, não há como negar que o M5S veio soprar algum ar fresco na fétida atmosfera da política italiana.
Os 163 assentos parlamentares que o M5S conquistou - com 8,5 milhões de boletins de voto depositados nas urnas em Fevereiro - não podiam deixar de alimentar algumas esperanças, ou optimismo, mesmo que este se ligasse mais à perspectiva de que é possível contrariar a lógica de sobrevivência e caciquismo das velhas formações políticas. E a Beppe Grillo tem de se reconhecer o mérito de ter causado incómodo a muita gente - um elefante inconveniente e até, às vezes, eloquente. O certo é que a sua passagem pela política não deixou ninguém indiferente.
Se era uma brincadeira e foi levada demasiado a sério, talvez tenha perdido a graça. E se o entusiasmo não passava afinal de uma exaltação entre quem já não espera nada da política, o processo em que o M5S se envolveu depois das eleições não poderia deixar de enfadar alguns dos seus apoiantes.
Desde o fracasso das autárquicas de 26 e 27 de Maio - num contexto de forte abstenção que não  prejudicou apenas o M5S, mas todos os partidos -, Grillo parece já não saber contra quem dirigir a sua ira. Se é doloroso ver os seus eleitores perderem a fé, o que certamente lhe terá custado mais foi ver os seus companheiros eleitos traí-lo e ao movimento, fazendo acordos com o Partido Democrata (centro-esquerda). "Deixá-los ir!", bradou, adiantando: "Ainda que no fim não reste senão um..."
Por estes dias, o blogue do comediante tornou-se no barómetro do seu humor. Quando no horizonte assentaram as primeiras nuvens negras, Grillo já anunciava "ventos e tempestades". Às tantas já nem Stefano Rodota, o respeitado professor de Direito que ele queria levar para a Presidência da República, escapava aos seus remoques, tendo-o apelidado de "octogenário milagroso graças à internet". Mas talvez Grillo não possa responsabilizar outro senão ele próprio pelo desastre que se adivinha: afinal, foi ele quem tantas vezes se congratulou ao afirmar que os parlamentares do seu movimento deviam exercer o livre arbítrio.
Três meses após a sua triunfal entrada no parlamento, os deputados e senadores do M5S não passam de um exército em debandada. Apanhados de surpresa pelo sucesso que os levou onde estão hoje, discutem e dividem-se por tudo e por nada: o reembolso das suas despesas, a sua linha política, as relações com os media. Infindáveis horas de discussões infrutíferas e desgastantes que já nem se dão ao trabalho de transmitir em directo como começaram por fazer.
À beira de um ataque de nervos, os presidentes dos dois grupos (deputados e senadores) preparam-se agora para fazer um balanço, como é regra ao fim de três meses. Ora, num email enviado no final do mês passado às suas tropas, Roberta Lombardi, porta-voz dos deputados, atacou o "idiota" que traiu a confidencialidade da correspondência interna: "Quem pensas tu que és, tu és um merdas!" Horas depois também este email já chegara à imprensa.
Hoje o M5S é um movimento sem direcção, divido entre os seguidores de Beppe Grillo e todos aqueles que estão desejosos de fugir da sombra do colérico líder. Mas verdadeiramente intrigante é a noção de que bastaram 100 dias para o entusiasmo virar um sentimento amargo. A explicação do descalabro pode, no entanto, não ser inteiramente um problema cuja origem remete para a organização interna do movimento.
Há algumas semanas, Nicola Biondo, directora de comunicação do M5S na Câmara dos Deputados, fez um desabafo que evidencia como o partido anti- -sistema pode ter sido arrastado para um esquema em que os partidos tradicionais e a coligação que tomou o governo acabaram por o expulsar como a um "corpo estranho", desgastando a base de apoio de Beppe Grillo. "Se ninguém fala da nossa actividade legislativa, é porque a imprensa - em grande parte financiada pelo Estado - não se interessa a fundo pelas propostas. Preferem atacar-nos. Não se interessam por outra coisa que não as nossas supostas divisões, apresentando-nos como idiotas impreparados", disse Bionda. "Os jornalistas preferem tomar um café com um eleito [dos outros partidos] a discutir connosco as nossas ideias."

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