O que traz Dilma Rousseff na sua mala?
Editorial / Público
Há simbologia na visita da Presidente do Brasil a Portugal. Mas esperam-se gestos concretos
A Presidente Dilma Rousseff não é uma brasileira que evoca as suas origens portuguesas com ternura. Não é má vontade. Simplesmente, não as tem. As suas raízes são búlgaras, herdadas de um pai culto, rico e de esquerda. Isso não explicará tudo quando tentamos analisar, em Portugal, a certa frieza com que Rousseff fala sobre Portugal, mas ajudará.
Mulher dura e frontal, que sobreviveu a sessões de tortura durante a ditadura militar brasileira, Rousseff já deixou por mais de uma vez um sabor amargo nos círculos portugueses do poder.
Ninguém se esqueceu da forma como resolveu o então persistente rumor de que o Brasil ia comprar dívida pública portuguesa, ainda no tempo do Governo de José Sócrates, e a Presidente respondeu lacónica e secamente que "as regras do Banco do Brasil" só permitem ao país "comprar dívida a países com a classificação AAA". Coisa que Portugal não tinha.
Sendo certo que o Brasil tem interesses em Portugal, que Portugal tem interesses no Brasil, que os dois países falam a mesma língua, que têm parte da sua história em comum, e que por tudo isso há uma proximidade maior do que a que existe entre, digamos, o Brasil e o Camboja, Rousseff não tem dado sinais de que fará esforços especiais em relação a Portugal. Diplomatas, empresários e professores dizem há anos que o Brasil ainda não se actualizou em relação ao Portugal moderno, que desconhece o prestígio dos novos MBA das universidades portuguesas, a qualidade de parte da investigação médica e científica feita em Portugal ou os projectos inovadores que são exemplos mundiais.
Em Brasília, Portugal é visto como um aliado histórico, mas não como parte da Europa que admira. Em Lisboa, o Brasil é visto como um imenso mercado que pode dar resposta às necessidades de aumentar as exportações e fazer crescer a economia nacional com investimento directo. Já na Europa, o Brasil é visto como um parceiro que deve ter um papel mais alinhado e responsável, que não deve tomar iniciativas unilaterais não concertadas (como a ida de Lula da Silva ao Irão) e que necessita de participar mais activamente nos esforços internacionais para resolver problemas comuns (como um maior patrulhamento do Atlântico Sul).
A visita de Dilma e dos seus sete ministros que vêm na comitiva gera por tudo isto uma enorme expectativa. "Vou ficar decepcionado se não sair nada de objectivo da conversa", disse o presidente da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de Janeiro, Paulo Elíseo de Souza. A diplomacia não é champanhe e simpatia. Acordos e protocolos assinados recentemente com o Brasil - como o que liberalizou a exportação de azeite português - já estão a dar frutos. A TAP, os CTT e os Estaleiros Navais de Viana do Castelo estão agora na mira dos empresários brasileiros. Pode ser aí, mas não só. Na proporção dos dois países, bastaria que dez grandes empresas brasileiras investissem em Portugal e seis portuguesas no Brasil para fazer toda a diferença.
Visita de Dilma gera grandes expectivas de investimentos.
Por Cristina Ferreira in Público
10/06/2013
Antes da chegada da Presidente do Brasil houve manifestações de vontade para promover investimentos em Portugal. Resta saber se o interesse é real ou se se esgota em diplomacia
A deslocação a Portugal da Presidente brasileira, Dilma Rousseff - que hoje participa nas comemorações do 10 de Junho -, foi antecipada de uma intervenção do embaixador em Lisboa, Mário Vilalva, a informar que há empresas brasileiras a olhar para a TAP, os CTT e os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Para já há uma certeza: o actual CEO da Portugal Telecom (PT), Zeinal Bava, vai sentar-se na presidência da operadora paulista Oi, parceira de capital do grupo português.
"Estamos a aguardar as novas regras para a privatização da TAP e dos CTT e para a concessão dos Estaleiros", disse quinta-feira o embaixador brasileiro. E assegurou que "nas três hipóteses haverá, sem sombra de dúvida, uma empresa brasileira a participar", à semelhança, aliás, do que já aconteceu "em todas as privatizações" portuguesas.
"O Governo brasileiro não compra nada, mas mobiliza os interesses e é o que temos feito", diz o diplomata brasileiro, no quadro da visita oficial de Dilma Rousseff a Portugal, onde se irão debater, nomeadamente, temas económicos.
Se as declarações resultam de uma vontade empresarial esporádica - como mostra o padrão dos úlimos anos -, ou se permitem uma leitura mais profunda por representarem uma viragem estratégica do Brasil em relação a Portugal é o que não se sabe. Até aqui, no estrito campo dos negócios, tem havido um interesse "na hora".
Olhando para os anos recentes, apenas a Amil, de capitais brasileiros, concretizou uma oferta firme sobre os Hospitais Particulares (nove), que pertenciam à Caixa Geral de Depósitos, adquirindo-os por 85,6 milhões de euros. Já a Cemig e a Eletrobras, que disputaram a EDP, revelaram pouco empenho nas propostas: uma não cumpria a lei, outra não propôs um preço competitivo. No caso da REN, não chegaram as ofertas do Brasil. Em ambas ganharam os chineses. Há, todavia, um investimento a reter: o do grupo brasileiro Embraer, que aplicou 177 milhões na construção de duas fábricas em Évora para produzir componentes de aviões de alta tecnologia destinados ao Brasil e à comunidade europeia.
Mas o negócio luso-brasileiro mais mediático ocorreu em 2011 com a venda, por privados e pela CGD, da cimenteira Cimpor a dois grupos - a Camargo Corrêa e a Votorantin. Um ano depois, a única multinacional portuguesa seria desmantelada segundo os interesses dos novos accionistas. A transacção foi debatida no Parlamento, com críticas de que correu mal para Portugal.
Segundo Mário Vilalva, o Brasil olha agora para outras privatizações estratégicas: a TAP (responsável por 50% das exportações nacionais de serviços) e os CTT. Embora os Correios tenham hoje menos importância do que no passado, dispõem de uma rede de balcões com licença bancária para vender produtos financeiros.
Não há quem não reconheça que a ligação ao Brasil é prioritária para Portugal, um "mercado" (desde logo pelo valor da língua portuguesa) que não se pode perder. Mas a relação bilateral é desequilibrada a favor do Brasil, dada a enorme diferença de escala territorial entre os dois países. Um "defeito de fabrico" irresolúvel: é um país gigantesco e sem brechas e tem uma população 18 vezes superior à de Portugal. Há outros obstáculos deste lado: a escassez de acumulação de capital trava investimentos no Brasil; a fraqueza das empresas não gera rentabilidades susceptíveis de atrair o interesse brasileiro de curto prazo. A isto juntam-se, como têm sublinhado vários empresários e gestores, o preconceito do colonizado (um grande país) face ao colonizador (um pequeno país) e a ausência de conhecimento, por parte das elites brasileiras, da actual realidade de Portugal.
"Sei que deveríamos fazer mais do que está a ser feito. E há oportunidades, mas não chegaria ao ponto de dizer que o Brasil ignora a relação histórica com Portugal", contrapôs recentemente ao PÚBLICO Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos. "A situação do mercado brasileiro é tão mais favorável, que não é tanto uma questão de falta de confiança, mas de melhores oportunidades de lucrar no Brasil." Um contexto que levou em 2012 o grupo Itaú a deixar o BPI (onde tinha 18,87%). Uma relação empresarial de 20 anos sustentada na relação pessoal entre o actual chairman do Itaú, Carlos Câmara Pestana, e Artur Santos Silva, fundador do BPI. "Concentrar a actividade na América do Sul, onde é líder, e afastar-se do risco que Portugal representa" foi a justificação. Ou seja: não reflectir nas contas do Itaú as perdas potenciais associados às acções do BPI.
O erro no Itaú
Um responsável bancário recordou uma decisão de 2000 que teve a cobertura do Governo. No quadro de um acordo estratégico, a CGD tinha 4,58% (8% dos direitos de voto e dois administradores) do Itaú. Mas vendeu as acções (72 milhões de euros) para apostar em Espanha, um negócio que correu mal (em 2012 o Estado injectou 3,6 mil milhões de liquidez nas operações espanholas da CGD para tapar os prejuízos e as imparidades). "Se a Caixa ainda tivesse o Itaú, estaria hoje "forrada de dinheiro" e em condições de desempenhar um papel nas relações entre os dois países", defende a mesma fonte que acompanhou a operação. "A venda gerou mais perdas para o Estado do que os swaps."
Como pode então Portugal atrair a atenção do Brasil? Filipe Botton, dono da Logoplaste (com fábricas no Brasil), há vários anos que defende que se devem criar os alicerces para tornar o país numa plataforma logística e de distribuição de produtos brasileiros para a Península Ibérica, bacia do Mediterrâneo e Médio Oriente. O desafio é criar uma oferta de infra-estruturas portuárias (Lisboa, Porto, Setúbal, Sines) atractivas, em termos de custos, para outros portos europeus, em particular espanhóis.
"O grupo PT-Oi, a caminho dos 100 milhões de clientes [dez vezes mais que a população portuguesa], ocupa um patamar superior no mercado global de telecomunicações. Portugal e o Brasil saem a ganhar", disse a semana passada Ricardo Salgado, CEO do BES (maior accionista da PT), sobre a transferência de Bava para São Paulo. A mudança tem signifcado, pois envolve duas grandes operadoras. Mas nos bastidores alega-se que a escolha de Bava se deveu sobretudo à sua qualidade como gestor.
"Obrigado" a vender a Vivo à Telefónica, decisão não desejada quer pela PT (que viu no Brasil a sua expansão), quer pelo Governo de Sócrates, o ex-primeiro ministro exigiu uma alternativa que não atirasse a operadora para a irrelevância. E Bava deu resposta ao desaire negociando 25% da Oi.
Mais dois grandes grupos, a EDP (uma empresa cotada na bolsa paulista Bovespa) e a Galp (com posições em plataformas petrolíferas), desenvolvem operações no Brasil. A EDP veio agora prometer que se aliará à Three Gorges para fazer novos investimentos no Brasil, onde, por exemplo, a Mota Engil, a Sonae ou o BES (no Bradesco) também já estão.
Mas o Brasil é igualmente uma prioridade para muitos exportadores portugueses de média e pequena dimensão, como prova a balança comercial. Em 2012 as vendas de produtos para o Brasil cresceram cerca de 20% (à volta de 650 milhões de euros e mais do dobro de há seis anos), ainda que aquele país só ocupe a 11ª posição no ranking nacional das exportações (ultrapassado pela China, que ganhou a 10ª posição).
Já as importações nacionais de bens brasileiros - 1,369 mil milhões - representam o dobro do que o Brasil compra a Portugal. Entre os produtos mais procurados estão os combustíveis (com 7,2%), peixes, bacalhau (7,7%), pêras e vinho (4%). Mas é o azeite que se destaca (cerca de 20% das exportações), com os portugueses a assumirem-se como os maiores fornecedores: 56% do azeite consumido no Brasil provém de Portugal. E o Brasil é o maior comprador de azeite português, responsável por 65% das vendas nacionais do produto. Uma evolução que não evita que os empresários nacionais se queixem das taxas de tributação, que encarecem os preços em 30%.
No campo dos serviços, a balança comercial pende para este lado, com Portugal a exportar (1,098 mil milhões) três vezes mais do que o Brasil (364 milhões). Os transportes/turismo, a construção e as tecnologias ajudaram ao bom desempenho. A TAP contribui com 50% do valor total. Há outra informação a ter em conta: em 2012, Brasília emitiu dois mil vistos de trabalho a portugueses.
O Brasil é hoje um transatlântico latino-americano no epicentro das grandes mudanças geoestratégicas mundiais, como ficou expresso, em 2009, na reunião de Londres do G20, conhecida como a grande cimeira da globalização, na qual o então Presiente Lula da Silva foi um dos protagonistas. Nesse ano, em plena derrapagem financeira e das dívidas públicas europeias, Portugal acentuava a sua crise.
Os contactos bilaterais ajudam a fomentar as relações entre Estados. Assim, quando hoje à tarde Dilma Rousseff aparecer em Belém ao lado dos seus sete ministros, haverá quem pergunte se estamos perante uma retoma da aposta dos anteriores presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva (os dois mais ligados a Portugal), no estreitar das afinidades entre os dois países, com partilha de interesses empresariais. Ou, se pelo contrário, o espaço de afirmação de Portugal no Brasil se esgota nas relações sentimentais e culturais, sem reforço de uma relação de mais de 500 anos. O presidente da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de Janeiro, Paulo Elíseo de Souza, resumiu o sentimento de muitos: "Vou ficar decepcionado se não sair nada de objectivo da conversa."
Temas quentes entre Portugal e Brasil
Vistos e diplomas
Portugal e o Brasil assinaram em Março um acordo para facilitar o reconhecimento de diplomas universitários - algo que pode levar à revisão das exigências para obtenção do visto de residência. Em 2012, o Brasil concedeu a portugueses 473 autorizações de trabalho permanente (no 1.º trimestre deste ano foram 107) e 1698 de trabalho temporário (597 este ano). Viviam no Brasil, em 2011, 330 mil portugueses com visto.
Médicos portugueses
O plano inicial era contratar médicos a Portugal, Espanha e Cuba e revalidar-lhes automaticamente os diplomas. Mas a medida suscitou críticas das associações médicas do Brasil. Agora, o ministro da Saúde brasileiro explicou que os médicos a contratar serão submetidos a um exame especial. A Ordem portuguesa diz que as condições "não são nada aliciantes" e que haverá poucos candidatos.
Brasileiros em Portugal
A Casa do Brasil, em Lisboa, estima que, nos últimos dois anos, dez mil brasileiros tenham regressado ao país de origem. Em 2011, viviam em Portugal 115 mil brasileiros legalizados. Já Luís Carrasquinho, da Organização Internacional para as Migrações, responsável pelo Programa de Retorno Voluntário, diz que "a grande maioria" dos pedidos são de brasileiros.
Acordo Ortográfico
No final de Dezembro, um decreto presidencial assinado por Dilma Rousseff adiou o prazo para entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. De acordo com Ernani Pimentel, da Academia de Letras de Brasília, há duas "vertentes" no Governo - uma do Ministério das Relações Exteriores, que queria articular o prazo de aplicação com Portugal; e outra no Senado, que defende mudanças e simplificação das normas.
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