domingo, 16 de junho de 2013

Não confundir Taksim com Tahrir. Polícia de choque começa a expulsar manifestantes de Gezi. Turkish police storm protest camp using teargas and rubber bullets./ Guardian/ Observer.

Ler o relato detalhado da expulsão dos Manifestantes feito pelo Guardian/ Observer em baixo.


Não confundir Taksim com Tahrir


Por Teresa de Sousa in Público
16/06/2013

A Europa devia tentar evitar transformar os acontecimentos na Turquia em mais um pretexto para lhe virar as costas

1. Que não haja ilusões. O que se passa na Praça Taksim, em Istambul, a mais dinâmica cidade da Turquia e o seu centro principal de negócios, não é uma outra "Praça Tahrir". Recep Tayyip Erdogan não é Mubarak. A Turquia, não sendo ainda uma democracia completa, deu na última década passos seguros nessa direcção. Fê-lo para responder às exigências europeias. E fê-lo precisamente nos sucessivos mandatos do partido islâmico moderado do actual primeiro-ministro. Aliás, a opção europeia da Turquia ganhou uma nova dimensão com o Partido da Justiça e do Desenvolvimento que a governa desde 2002. É preciso olhar para o que havia dantes: um regime político corrupto e fiscalizado pelos militares que se consideravam como os garantes da república secular fundada por Ataturk e que nunca hesitaram, até aos anos 80, em recorrer ao golpe de Estado para preservar essa herança. A Turquia de hoje é outro país. Desenvolveu-se enormemente. Foi cumprindo, com este ou aquele sobressalto, as prescrições europeias em matéria de democracia e de protecção das minorias. Transformou-se progressivamente numa potência regional cujo principal objectivo era a paz com todos os seus vizinhos. Como membro da NATO, participou nas missões militares da aliança.
Quando Erdogan subiu ao poder, o objectivo europeu era apoiado por mais de 70 por cento da população. Hoje, já só colhe o apoio de 30 por cento. A razão, todos sabemos qual é. Depois de ter aceitado a candidatura turca em 2005, a União Europeia começou a hesitar. Berlim e Paris uniram-se na defesa de uma "relação privilegiada" como alternativa à adesão. Ancara nunca aceitou este estatuto. Por uma razão ou por outra, as negociações mantiveram-se semicongeladas. As hesitações europeias assentavam sobretudo no argumento de que a Turquia era demasiado grande e demasiado pobre para encaixar nas instituições europeias, sem provocar desequilíbrios profundos. A questão do islamismo, nunca explicitada oficialmente, levantava grandes reservas nas opiniões públicas europeias, desconfiadas da sua "compatibilidade" cultural, tornando o tema pouco atractivo. Em termos gerais, no entanto, havia duas considerações estratégicas que alimentavam o debate sobre as fronteiras da Europa e que faziam da Turquia o lugar geométrico dos grandes desafios europeus. A necessidade de provar que islamismo e democracia são perfeitamente compatíveis, colocada de forma dramática depois do 11 de Setembro. A questão do papel da Europa num mundo que já estava em profunda mutação: uma "grande Europa" capaz de exercer a sua influência mundial, ou uma "pequena Europa", homogénea e fechada, em risco de vir a ser "devorada".
A crise financeira e económica mundial, que haveria de mergulhar a Europa numa profunda crise existencial, afastou da agenda europeia essas duas reflexões. Entretanto, houve a "Primavera Árabe". E houve também uma nova confiança turca, que o enorme crescimento económico alimentou, quanto ao seu estatuto de potência regional. Oficialmente, a Turquia mantém a sua opção estratégica pela Europa. Na realidade, as coisas mudaram muito. Mas não ao ponto de alterar a natureza fundamentalmente democrática do regime.

2. O que os jovens que iniciaram os protestos da Praça Taksim queriam, em primeiro lugar, era preservar as árvores de um dos poucos parques de uma cidade gigantesca e febril, contra os projectos megalómanos de Erdogan. Foi a violência da repressão policial que acabou por dar outro cunho e outra dimensão a esta "revolução das árvores", que se estendeu rapidamente a muitas outras cidades, exprimindo o cansaço da parte mais liberal, mais urbana e mais cosmopolita da sociedade turca de um líder que se vê outra vez como o "pai da pátria", que ganhou três eleições de seguida e que não resiste à tentação de querer manter o poder a todo o custo, alterando a Constituição no sentido presidencialista e fazendo-se eleger Presidente. O que se está a passar é, provavelmente, o toque a finados para essa ambição. É verdade que os partidos da oposição, de raiz kemalista e nacionalista, também não representam as pessoas da Praça Taksim, que querem viver as suas vidas privadas à vontade e que têm enormes expectativas sobre o seu futuro. "Olhando para a composição dos manifestantes, a Praça Taksim é o retrato de uma nova Turquia onde as antigas divisões se mudaram para outro lado", escreve o Financial Times. "Quase todas as formas de vida da cidade coabitam na Praça Taksim. Há kemalistas (...) ao lado dos seus inimigos nacionalistas curdos (...); sindicalistas ao lado de associações de médicos e académicos, liberais cosmopolitas e alevitas, uma não- reconhecida minoria xiita; anarquistas e gays ao lado de muçulmanos sufis". O que os une? A crítica a um primeiro-ministro que pensa que é o dono do país. A expectativa de uma vida mais livre e melhor. A irritação com as suas "lições de moral" sobre a troca de uma cerveja por um iogurte (pelo menos entre as 10 da noite e as seis da manhã). São uma parte incontornável de uma nova identidade turca assente em valores mais abertos e um poder mais transparente. Não querem derrubar um ditador, mas querem que a democracia funcione para derrubar um líder que já não corresponde aos seus anseios e que se revela demasiado autoritário. "Não é sobre religião, é sobre autoritarismo", escreve a Economist. Os seus protestos pacíficos e irreverentes desmistificaram o líder.
Mas há, no entanto, duas semelhanças entre o que se passa hoje na Turquia e o que passou antes no Cairo ou em Tunes. A imprensa turca é cinzenta e demasiado reverente. Só que isso deixou de ser uma vantagem para o poder. O Twitter substitui-a muito facilmente. A segunda semelhança é que, em Istambul ou em Teerão, na Tunísia ou no Brasil ou até na própria China, assistimos hoje ao despertar de uma nova classe média, mais educada e mais urbana, convencida de que chegou a sua hora e com enormes expectativas para o seu futuro. É esta a grande mudança que torna muito difícil voltar para trás.

3. A Europa devia tentar evitar transformar os acontecimentos na Turquia em mais um pretexto para lhe virar as costas. Seria um enorme erro. Porque o que se joga em Istambul é o resultado do amadurecimento da democracia turca que Bruxelas sempre incentivou. Mas também porque não pode ficar à margem das profundas mutações regionais desencadeadas pelas revoltas árabes e pela "guerra por procuração" que hoje se trava na Síria entre potências xiitas como o Irão e sunitas como a Arábia Saudita, de consequências imprevisíveis. Essa é a sua vizinhança próxima e a sua responsabilidade. Já perdeu, com as suas hesitações, a sua capacidade de influenciar os acontecimentos internos no bom sentido. Não pode perder aqueles que hoje querem uma normal vida europeia e ocidental, nem distanciar-se de um país aliado que é fulcral para a estabilidade da região. A Turquia está a experimentar também uma prova difícil para a sua política externa de "zero conflitos com os vizinhos". A Síria é um tremendo desafio. Erdogan quis andar demasiado depressa quando se fez o porta-voz daqueles que queriam o derrube do regime, não acautelando uma estratégia combinada com os EUA e a União Europeia, pouco interessados em envolver-se num novo conflito regional. Qualquer estratégia ocidental para lidar com um conflito que se agrava todos os dias e que já colheu quase 100 mil vidas tem de envolver Ancara.
Jornalista. Escreve ao domingo


Polícia de choque começa a expulsar manifestantes de Gezi.

16/06/2013 in Público


De manhã, os activistas anunciaram não aceitar a proposta de Erdogan, e que o protesto contra o Governo ia continuar


O Governo turco mandou ontem ao início da noite avançar a polícia de choque e os blindados com canhões de água para o Parque Gezi de Istambul, tentando acabar com o protesto contra o Governo que dura há duas semanas.
A intervenção foi anunciada pelo primeiro-ministro, Recep Erdogan, num comício do seu partido, o AKP: "Se [o parque] não foi esvaziado, as forças de segurança saberão como o fazer." Os enviados da BBC relatavam que as forças de intervenção avançaram contra os manifestantes no Parque Gezi e na Praça Taksim, onde o mesmo método policial pôs fim a um protesto de dezenas de milhares de pessoas na semana passada.
A madrugada de ontem no Parque Gezi fora de debate. E, pela manhã, os manifestantes que ali têm pernoitado votaram e decidiram rejeitar a proposta que o primeiro-ministro fizera, mantendo o protesto que já dura há duas semanas. "Vamos continuar a resistir contra a injustiça no país", anunciou no sábado o Solidariedade com Taksim, um dos grupos de cidadãos no local. "Isto é só o princípio."
Os manifestantes não terão gostado do tom condescendente de Erdogan, quando se comprometeu a suspender a construção de um megacentro comercial no Parque Gezi até que um tribunal se pronuncie sobre a legitimidade da obra.
"Jovens, vão-se embora, já estão aí há muito tempo, já transmitiram a vossa mensagem", disse Erdogan numa intervenção na televisão pública. Não se ficou por aqui, deixou também ameaças: "[Depois de partirem] se ficar alguma organização ilegal, nós lidaremos com ela."
As manifestações em Istambul começaram há 15 dias. A destruição do Parque Gezi motivou o protesto, que cresceu e, rapidamente, se alastrou a uma das principais praças da cidade, a Taksim. Porém, a revolta popular - já não eram algumas centenas de pessoas, eram dezenas de milhares -, alimentada pela reacção do primeiro-ministro, ampliava o seu propósito. Passou a ser Erdogan, no poder há dez anos (chegou a ser o político mais popular do país, pela sua visão de modernidade), e o seu governo e políticas, o alvo dos cidadãos, que denunciam a tentativa de islamização de uma sociedade tradicionalmente laica e o recuo da democracia turca.
O centro comercial tornou-se a ponta de um icebergue ideológico que começou a emergir - Erdogan anunciou um pacote de leis conservadoras (restrições à venda e consumo de álcool, por exemplo) e um projecto megalómano para erguer grandes construções que mostrem ao mundo o poder e o desenvolvimento da Turquia. A intervenção no Parque Gezi faz parte desta viragem conservadora e religiosa.
A crise levou Erdogan a agir de forma errática - ameaçou, mostrou-se conciliador, chamou "terroristas" aos manifestantes, enviou canhões de água. Quatro pessoas morreram e duas mil ficaram feridas. Apesar do apelo do Presidente Abdullah Gul para que governo e manifestantes continuassem a negociar, o cenário pode ter-se repetido ontem à noite e na madrugada de hoje.


Turkish police storm protest camp using teargas and rubber bullets.


Hundreds of security forces move in with bulldozers during a concert for activists, leaving many wounded

Peter Beaumont in Istanbul
The Observer, Sunday 16 June 2013 / http://www.guardian.co.uk/world/2013/jun/15/turkey-police-clear-gezi-park

Thousands of people took to the streets of Istanbul overnight on Sunday, erecting barricades and starting bonfires, after riot police used teargas and water cannons to clear the protest camp at the centre of Turkey's anti-government unrest.
In a night of chaotic violence large areas of the city around the now symbolic area of Gezi Park were engulfed in plumes of tear gas, while protesters opposed to the government of Turkey's prime minister Recep Tayyip Erdogan attempted to push back to the city's central Taksim Square.
The continuing protest through the night, and calls for fresh demonstrations at 4pm on Sunday suggested that despite the clearing of the encampment in the park, Turkey's crisis was far from over.
In the immediate aftermath of the police operation trade unionists called for a national strike on Monday.
Underlining how deeply personal the issue has become for Erdogan, a spokesman for his AKP party blamed the protesters for allegedly reneging on a deal with Erdogan thrashed out two nights before.
"A country's prime minister meets you for 10 hours, you reach an agreement then say something else behind his back," Huseyin Çelik said in a TV interview defending the assault. "Wouldn't you feel cheated?" he told the private broadcaster Habertürk.
The lightning evening assault on the park and nearby square followed a warning from Erdogan that protesters should quit Gezi Park or be removed by security forces ahead of a rally of his supporters in Istanbul on Sunday.
Protesters took to the streets in several neighbourhoods across Istanbul following the raid on Gezi Park, ripping up metal fences, paving stones and advertising hoardings to build barricades and lighting bonfires of rubbish in the streets.
During the raid police fired tear gas against the volunteer doctors manning a clinic in the park who have been working anonymously for fear of losing their jobs.
In the early hours of the morning groups of demonstrators blocked a main highway to Ataturk airport on the western edge of the city, while to the east, police fired tear gas to block protesters attempting to cross the main bridge crossing the Bosphorus waterway towards Taksim.
Thousands more rallied in the working-class Gazi neighbourhood, which saw heavy clashes with police in the 1990s, while protesters also gathered in Ankara around the central Kugulu Park, including opposition MPs who sat in the streets in an effort to prevent the police firing teargas.
In the last 18 days Gezi Park, with its tented encampment occupied by an umbrella of groups including football fans, nationalists, environmental campaigners, Kurds and young Turks from many walks of lives, had come to represent a new spirit of social resistance to what many fear is the increasingly authoritarian style of Erdogan and his moderate Islamist AKP.
Erdogan had delivered his warning at a rally of tens of thousands of AKP supporters in Ankara, the national capital, promising that Taksim Square would be cleared by Sunday in time for a second rally there.
"We have our Istanbul rally tomorrow," Erdogan warned. "I say it clearly: Taksim Square must be evacuated, otherwise this country's security forces know how to evacuate it."
Barely two hours later white-helmeted riot police assaulted Gezi Park shortly after a concert attended by protesters and tourists drew to a close. Protesters had vowed earlier to continue with their occupation, although they had promised to remove barricades and reduce the number of tents in the park. Police had given 15 minutes' notice to clear the park and the adjoining Taksim Square before storming the protest camp.
Police warned protesters: "This is an illegal act, this is our last warning to you – evacuate."
The speed of the move to seize the square and park caught protesters by surprise. They were quickly scattered by teargas canisters and rubber bullets. Within 20 minutes a bulldozer had moved in to demolish structures and tents that had been used by the anti-government movement. A little later police and municipal workers could be seen tearing down fences around the park and removing tents.
Children and tourists were among those caught up in the assault, amid reports of many injuries. But despite quickly taking control of the park, running battles between police and thousands of protesters, driven back into the warren of side streets beside the square, carried on for hours afterwards.
At one stage a bearded middle-aged man draped himself over the plough of one of the water cannons to try to prevent it moving forwards before he was beaten back by batons and gas. Protesters sought refuge in hotels and cafes, including hundreds in the Divan hotel, which was stormed by police.
Later police stormed the hotel beating protesters, while a later assault left the lobby of the luxury hotel thick with gas. The Guardian saw two elderly women who had passed out being carried out on stretchers to an ambulance.
Earlier riot police had stormed into the lobby, beating those inside.
Many had been expecting a final move to clear the park after Erdogan's speech. But none had anticipated the action would begin so quickly. Tayfun Kahraman, a member of Taksim Solidarity, an umbrella group of protest movements, said an unknown number of people in the park had been injured, some by rubber bullets.
A leading public-sector union alliance, KESK, said it would call a national strike for Monday.
NUT executive member Martin Powell-Davies was part of a British trade union delegation that had approached the fringes of the square as police moved in. He said: "There was a concert by a well-known musician with hundreds of people and families in a festival atmosphere in the square and then suddenly from all sides the police came with water cannons and teargas."
He struggled to speak as he choked on teargas and protesters regrouped to chant anti-government slogans. He said: "There are hundreds of Istanbul residents who have come out on to the streets to show their opposition. They are banging the shutters in protest at the sides of the streets."
The assault followed Erdogan's defiant message delivered in a suburb of Ankara, depicting those on the streets as "traitors playing a game", "looters" or part of a conspiracy against the government.
"Anyone who wants to hear the national will, should come and listen to [Ankara]," Erdogan said. "We are not like those who took molotov cocktails, or honked their car horns. I tell you it's a crime to violate order." He insisted, once again, that he and the AKP had a clear mandate to govern.
Oguz Kaan Salici, Istanbul president of the main opposition People's Republican Party, said: "The police brutality aims at clearing the streets of Istanbul to make way for Erdogan's meeting tomorrow. Yet it will backfire. People feel betrayed."

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