O filme de Snowden em Moscovo: entre Tom Hanks e Julian
Assange.
Por Maria João Guimarães in Público
27/06/2013
Antigo analista norte--americano não tem lugar em nenhum voo
nos próximos dias, diz a companhia aérea Aeroflot
Edward Snowden passou o quarto dia no aeroporto
internacional de Sheremetievo, em Moscovo, sem ser visto, enquanto a WikiLeaks,
que o está a acompanhar, levantou a hipótese de ele ali permanecer indefinidamente.
A Rússia tem negado que o fugitivo norte-americano, acusado
por Washington de três crimes por ter revelado o extenso programa de vigilância
das comunicações de telefone e Internet por parte da Agência de Segurança
Nacional (NSA) dos EUA, possa ser extraditado. Moscovo alega, aliás, que ele
nem sequer está no seu território, por não ter deixado a zona de trânsito
internacional do aeroporto.
Uma ideia repetida por vários responsáveis, mas que, para
especialistas em direito, pode ser contestada: "Não há terra de
ninguém", assegura Antonio Remiro Brotons, professor de Direito
Internacional Público na Universidade Autónoma de Madrid, ao diário espanhol El
País. "As chamadas zonas de trânsito dos aeroportos são parte do
território em que se encontram", diz. "O único espaço em que [um
Estado] não pode actuar é nas sedes diplomáticas de países terceiros."
Isto não quer dizer que estas não tenham um estatuto dúbio.
"A prática dos Estados conferiu - implícita ou explicitamente - uma
espécie de estatuto especial de competências difusas nestas zonas", diz,
por seu lado, Alejandro del Valle Gálvez, professor de Direito internacional em
Cádis, também ao El País.
18 anos num aeroporto
O diário norte-americano Washington Post lembra, pelo seu
lado, vários casos de pessoas que pediram asilo e acabaram em zonas de trânsito
dos aeroportos - a mais famosa é a personagem interpretada por Tom Hanks em
Terminal de Aeroporto, baseada numa pessoa real: Mehran Karimi Nasseri, que
passou 18 anos (1988-2006) no Aeroporto Charles de Gaulle (Paris), depois de
ter sido expulso do Irão e lhe terem roubado os documentos que mostravam que
lhe tinha sido concedido asilo na Europa - ou, mais recentemente, o activista
chinês Feng Zhenghu, que em 2009 passou três meses no aeroporto internacional
de Narita, no Japão, antes de regressar a Xangai, onde está em prisão
domiciliária. Esta semana, o activista chinês partilhou uma mensagem numa rede
social dizendo que "Tom Hanks, Feng Zhenghu e Snowden estão a trocar
indicações sobre como viver em aeroportos".
A WikiLeaks, que tinha dito que Snowden, cujo passaporte foi
anulado pelos Estados Unidos, teria usado um documento provisório do Equador,
país a quem pediu asilo, para sair de Hong Kong, levantava ontem a hipótese de
este ficar em Moscovo "permanentemente". A companhia aérea russa
Aeroflot garantia que quer Snowden, quer Sarah Harrison, da WikiLeaks, que o
acompanha, não tinham bilhetes em qualquer voo da companhia nos próximos três
dias.
Não era claro se o documento provisório do Equador não seria
suficiente para a continuação da viagem, e o país pediu entretanto aos EUA para
que apresentassem por escrito a sua posição em relação a Snowden.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Equador, Ricardo
Patiño, disse que o caso de Snowden era semelhante ao do fundador da WikiLeaks,
Julian Assange, que obteve asilo e está na embaixada do país em Londres.
"Levámos dois meses a tomar uma decisão no caso de
Assange, por isso não esperem que tomemos uma decisão mais depressa desta
vez", disse Patiño.
Alemanha em fúria com vasto programa de espionagem britânico.
Por Sérgio Soares in (jornal) i online
publicado em 27 Jun 2013
Gabinete de Merkel tenta limitar a extensão da crise entre
Berlime Londres e não prevê levar o assunto à cimeira europeia
As ondas de choque das denúncias de espionagem de Edward
Snowden continuam a sentir-se internacionalmente. Agora foi a descoberta de um
vasto programa de espionagem sobre cidadãos alemães pelos serviços secretos do
Reino Unido.
A ministra da justiça alemã escreveu a dois ministros britânicos
a pedir explicações sobre o programa de espionagem que visou em larga escala
cidadãos alemães, de acordo com denúncias do ex-agente americano.
Apesar do visível mal-estar diplomático, o porta-voz da
chanceler Merkel, Steffen Seibert, negou a existência de uma crise diplomática
entre Berlim e Londres e disse não estar à espera que o assunto seja levado à
cimeira da UE este fim-de-semana.
No entanto, a Comissão Europeia já exigiu a Londres
respostas "urgentes", o mais tardar até ao final da semana, sobre o
programa de intercepção de comunicações dos serviços secretos. A informação foi
avançada pela comissária europeia da Justiça, Viviane Reding.
Baseado em informações reveladas pelo ex-funcionário dos
serviços secretos americanos em fuga, o "The Guardian" revelou que o
centro de comunicações governamentais britânicas registou chamadas telefónicas
internacionais e tráfico da internet numa vasta escala, no âmbito do programa
de espionagem Tempora.
A revelação levou a ministra Sabine Schnarrenberger a
escrever aos ministros da Justiça e do Interior britânicos exigindo
esclarecimentos sobre a legalidade do programa Tempora.
"Como se deve compreender, este assunto causou enorme
preocupação na Alemanha", escreveu a ministra numa carta a que a Reuters
teve acesso. "Foram levantadas questões sobre a extensão da espionagem a
que os cidadãos alemães estiveram expostos."
Os alemães são particularmente sensíveis à espionagem, por
terem vivido sob a acção repressiva da Stasi, a polícia secreta na Alemanha
Oriental, e pelas memórias que guardam da Gestapo durante o regime nazi.
O ministro britânico da Justiça disse que responderá à carta
"em devido tempo". Já o Ministério do Interior não quis
"comentar correspondência privada".
Seibert tentou ontem minimizar o caso, afirmando que o seu
governo "está em contacto com o britânico no caminho valioso de uma
cooperação que certamente vai prosseguir".
O lado britânico replicou no mesmo tom, afirmando que
Londres "tem uma relação excelente com o governo alemão. Somos claros para
todos [...] quando dizemos que as nossas agências trabalham no âmbito de regras
estritas e legais".
As críticas mais duras na Alemanha vieram dos Democratas
Livres (FDP), parceiros de coligação de Merkel, partido da ministra da Justiça.
"Nós e os britânicos somos amigos. E isto não é
comportamento de amigos", disse o líder do FDP, Rainer Bruederle,
sublinhando que a Alemanha não aceita que a privacidade dos seus cidadãos seja
devassada.
O escândalo denunciado por Snowden causou indignação em todo
o mundo e parece não ter um fim à vista. Snowden continua retido numa sala de
trânsito do aeroporto de Moscovo, aguardando viagem para o Equador, país a que
pediu asilo político, e que já advertiu que a resposta pode levar semanas a ser
dada.
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