domingo, 2 de junho de 2013

A Revolta de Instambul, também contra a destruição sistemática do seu Património Arquitectónico.



O que se passa em Instambul ter-se-á alargado às questões Políticas e de Liberdade de Pensamento de um Regime que se diz Liberal-Islamita, mas que se revela como autoritário e com tendências camufladas de “Islamização”, encaputada mas progressiva, numa Turquia com uma profunda tradição Laica vinda de Ataturk.


Mas o que tem sido pouco divulgado é que a revolta espontânea, provocada pela ameaça de destruição de um Parque e das sua 600 árvores, reflecte um muito mais vasto processo de destruição sistemático do Património Arquitectónico do Centro Histórico de Instambul já denunciado pela Unesco (ver artigo em baixo).

Portanto algo comparável com o que se passa em Lisboa em património ancestral nos Bairros Históricos, nas Avenidas Novas e agora já alargado à área - Avenidas/ Alvalade/ Duarte Pacheco - com a intervenção no edifício de gaveto Almirante Reis / Praceta João do Rio … durante os mandatos de António Costa e com a Liderança e Visão Destruidora de Manuel Salgado e "sus muchachos”, Aires de Mateus e Byrne.

Só que há uma diferença fundamental … Enquanto os Turcos se manifestam desta maneira … as nossas “forças cívicas” organizam Excursões diletantes e bem comportadas, conduzidas por Académicos, que enquanto denunciam e ilustram situações, dizem fazer parte da Comissào de Honra Eleitoral do "Candidato" e que … "vão fazer" uma Petição Bem Comportada

António Sérgio Rosa de Carvalho


Istanbul heritage at risk, says report
http://www.hurriyet.com.tr/english/domestic/11936728.asp

ISTANBUL - A report prepared by inspectors from UNESCO that is being debated currently by the body’s world cultural heritage committee states the government’s policies are putting Istanbul’s rich heritage at risk and the city is in danger of being removed from the list of heritage sites.

A report has been submitted to UNESCO’s world cultural heritage committee that puts Istanbul in a very bad light when it comes to preserving its heritage and threatens the city’s status as a world heritage site.

The report especially criticized the gentrification project in the ancient Roma neighborhood of Sulukule and the constructions of the Four Seasons Hotel and the metro near the Golden Horn. The Turkish government was heavily criticized at the ongoing general meeting of the world cultural heritage committee of UNESCO in Seville, Spain. During discussions for a draft for the World Cultural Heritage report it was mentioned that Sulukule, the lack of efforts to preserve wooden buildings from the Ottoman era, the construction of an additional area for the Four Seasons Hotel in Sultanahmet, the metro bridge construction near the Golden Horn and the traffic master plan for Istanbul are threatening the cultural heritage of the city. It is also stated that inspection reports presented to the government have been disregarded.
If the report, featuring the observations of the UNESCO commission that visited Istanbul in April, is accepted at the end of the meeting on June 30, the risk of Istanbul being removed from the World Cultural Heritage list is high. According to Viki Çiprut, one of the spokespersons of the Sulukule platform, the best-case scenario is the committee giving the government one year to take required measures.
The report of the commission especially indicates that law number 5366 in Turkey, which pertains to the renovation of historical sites, does not support preservation activities but clears the path for demolitions and the destruction of historic values. The report suggests the law be amended.
The draft report of UNESCO features each of the situations that threaten the cultural heritage of Istanbul under separate titles. The titles are: The committee declared its worries on the negative effects of the traffic plan on the historic peninsula if it is put into practice. Especially concerning the Marmaray Project tunnel to pass under the Bosphorus to join Harem with Kumkapı, which is expected to bring a very heavy traffic load to the east side of the Bosphorus because it will pass from the west of Sultanahmet. For this reason, the commission has asked the government to have an independent environment report prepared before the plan is put into practice.
Additional construction for Four Seasons Hotel

The committee said an Istanbul regional administrative court has revoked the construction permit for an additional building for the Four Seasons Hotel over archaeological remains. However, due to this decision, all archeological works and works of preservation for the remains have also stopped. Due to this, these important archaeological remains are still under the risk of being exposed to adverse weather conditions for a long time.
"The committee expressed concern that the construction of a new metro bridge on the Golden Horn, plans for which have already been drawn, will have negative effects on the surrounding buildings, especially the Süleymaniye Mosque due to its high towered, suspension bridge structure. The committee has warned the government to avoid this project or to develop alternative suggestions.
The committee pointed to the danger faced to the old wooden houses from the Ottoman era. It was mentioned that most of those houses are abandoned and there has been no effort to preserve them.
The report indicates Sulukule has proved how destructive law number 5366 can be. In its observations on Sulukule, the committee said, "Alongside the demolitions of registered buildings as a result of the gentrification program practiced by local administrators, the local communities have been disbanded and the physical and nonphysical values of the area have been destroyed in an unacceptable manner." It was also mentioned that now the area is being zoned for housing and therefore cannot be considered a preservation plan at all.
The commission stated its worries on urban transformation projects that are for rebuilding rather than preserving. The suggestions made to the government in 2006 and 2008 were repeated and the committee strongly urges the preservation of standing historical buildings. The report states that the implementation of law number 5366 is a potential threat to the existence and unity of Istanbul’s important areas on the world heritage list.





O desafio da Praça Taksim

Editorial / Público 02/06/2013

Os protestos em Istambul colocam em xeque um regime que se define como democrático e islâmico
Começou por ser um protesto localizado contra a construção de um centro comercial e de uma réplica de um quartel otomano numa zona emblemática de Istambul, a Praça Taksim. Trata-se de um projecto caro a Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro islâmico e conservador que na última década transformou a Turquia num país próspero e num poder regional incontornável no Médio Oriente. Erdogan, que prepara uma candidatura presidencial para 2014, não aceitou que os manifestantes contestassem o seu projecto, evocador da grandeza imperial otomana cuja influência a sua Turquia "neo-otomana" quer replicar. Os manifestantes desafiaram a autoridade do primeiro-ministro e venceram: o Presidente Gul, um compagnon de route do chefe do Governo e do partido deste, o AKP, pediu às forças de segurança para deixarem os manifestantes em paz. Tarde de mais: a violência brutal das autoridades foi criticada em todo o mundo democrático, mas também, ironia amarga, em Damasco, onde o vizinho sírio se divertiu a ver postas em causa as credenciais democráticas de Ankara. Não se trata de uma questão menor. Os governos do AKP inauguraram uma era de estabilidade na Turquia e apresentam-se como a prova de que é possível conciliar democracia e islamismo. Esse modelo é um padrão que Ankara vende aos regimes saídos da chamada Primavera Árabe. Agora, foi a vez de esse modelo enfrentar a sua própria Primavera. Não se saiu bem.
Potenciados pela violência policial e pela intransigência de Erdogan - "se eles apresentam 200 mil manifestantes eu mobilizo um milhão", disse o primeiro-ministro -, os protestos na Praça Taksim estenderam-se a outras cidades e tornaram-se uma contestação à progressiva islamização da sociedade turca. Os manifestantes contestam, nomeadamente, uma lei recente que proíbe a venda de álcool a partir das 22h. O AKP defendeu essa lei com base em questões de saúde, mas o consumo de álcool na Turquia é baixíssimo; pelo que os críticos de Erdogan dizem que os motivos desta legislação são religiosos.
Não é o primeiro incidente desta natureza num país marcado por uma fractura entre a identidade laica da Turquia pós-otomana e o islamismo "moderado" do AKP. A corrupção e o poder arbitrário do Exército permitiram a Erdogan derrotar a predominância política dos laicos. A maioria está do seu lado. Mas o que está em causa na Turquia é a possibilidade de a maioria não subjugar a minoria e de os valores islâmicos não se tornarem hegemónicos. Por outras palavras, o que está em jogo neste desafio é a possibilidade de conciliar o islão e a democracia, à imagem dos partidos que na Europa conciliam a democracia e o cristianismo. A medida desse desafio é o futuro da democracia no mundo islâmico e, portanto, o futuro do Médio Oriente e do Mediterrâneo.


A demolição de um parque para reconstruir uma caserna otomana foi o pretexto para um enorme protesto popular contra a febre de grandeza e a crescente islamização da sociedade


Turcos cansados de Erdogan saíram à rua em Istambul e ele recusou-se a ver

Por Clara Barata in Público
02/06/2013


A Praça Taksim em Istambul e a avenida Istiklal costumam estar pejadas de turistas e de turcos a comprar roupa, doces, a frequentar cafés e bares, a ouvir música. Ontem transformaram-se num cenário de guerra, com helicópteros a fazer voos rasantes, pichagens nas montras das lojas, gás lacrimogéneo e canhões de água usados sem dó nem piedade contra os manifestantes. Teve de ser o Presidente da República a pôr água na fervura e mandar a polícia recuar, pois o primeiro-ministro parecia disposto a não ceder. Tinha ordenado aos manifestantes que se "retirassem imediatamente".
O Presidente Abdullah Gül deu ordem à polícia ao fim da tarde para se retirar, após um dia de violentos confrontos com canhões de água e gás lacrimogéneo usados contra os manifestantes que ocupavam o parque Gezi, próximo da Praça Taksim. Os manifestantes não querem que o parque seja demolido para a reconstrução de uma caserna dos tempos do Império Otomano e a construção de um centro comercial - um projecto anunciado pelo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, ex-presidente da Câmara de Istambul.
O protesto, ao estilo dos "occupy", que se espalharam por todo o mundo desde 2011, começaram há mais tempo, com os moradores indignados com a destruição do parque. Mas a polícia agiu com inusitada violência na sexta-feira de madrugada para tentar expulsar os manifestantes, ferindo um deles com gravidade. Isso deu nova projecção ao protesto na Turquia, atraindo o interesse de vários políticos da oposição, e de intelectuais e artistas famosos - como o actor principal do filme Fetih 1453: A Conquista de Constantinopla, que se recusou a participar nas comemorações, a 29 de Maio, da conquista da cidade pelos turcos naquele ano.
Erdogan acusou os manifestantes de terem motivações "ideológicas e não ambientais", ao concentrarem-se ali defendendo aquele parque no coração da maior cidade turca. E garantiu que não desistirá do projecto de construção do pastiche da caserna otomana.
Já Gül, mais conciliador, apesar de ser do partido de Erdogan até se candidatar à presidência, divulgou uma declaração escrita em que afirma que as forças de segurança deveriam agir de forma mais cautelosa do que o habitual, deveriam ser sensatos ao lidar com os manifestantes, e não deveriam permitir que acontecessem "cenas tristes", lê-se no site em inglês do jornal turco Hurriyet.
Neo-otomanismo

Erdogan, o líder do Partido do Desenvolvimento e da Justiça, uma formação política conservadora de inspiração islâmica, está no poder há dez anos e tem imposto a sua visão moral e concepção de sociedade que, embora de maioria muçulmana, é laica. Isso nota-se de uma forma cada vez mais pesada: recentemente foi a limitação da venda e da publicidade ao álcool (ver texto), e o caso da estação de metro de Ancara, em que foi transmitido um aviso, quando lá estava um grupo de adolescentes, dizendo que os beijos em público não eram toleráveis.
E depois há o neo-otomanismo, associado à crescente influência da política externa turca, revivalismo de símbolos do Império Otomano pelo Governo de Erdogan. Há muitos exemplos dessa febre de grandeza, escrevia recentemente a revista Foreign Policy, como os novos uniformes da companhia aérea Turkish Airlines (em que as hospedeiras deixam de usar saias justas e passam a usar roupas mais castas e sem batom vermelho).
Nessa onda de afirmação incluem-se projectos de grande envergadura para Istambul - como uma nova ponte e um terceiro aeroporto, que será o maior do mundo (150 milhões de passageiros por ano, ainda maior que o de Atlanta, com abertura prevista para 2018, a contar com os Jogos Olímpicos de 2020, aos quais a cidade é candidata).
Mas há também a perseguição aos jornalistas (ver texto), que não é compatível com uma sociedade democrática, sobretudo quando a Turquia quer ser um exemplo para o mundo muçulmano e actuar como mediador - por exemplo na Síria.
Por tudo isto, o que começou como um protesto local transformou-se num protesto contra o Governo, que se alargou a Ancara e a Esmirna. Mas na televisão e em muitos meios de comunicação turcos, as manifestações nem sequer existiram. A manchete do Sabah, o maior jornal ligado ao partido do Governo, tinha que ver com uma campanha antitabaco liderada por Erdogan, relata a Reuters.
"Erdogan critica Assad [o Presidente da Síria], mas ele é igual", disse à Reuters Murat Uludag, de 32 anos, que se estava a esconder da polícia a um canto, perto do Museu de Pera, em Istambul. "Ele é maluco. Ninguém sabe o que é que ele está a fazer ou a pensar. Se diz uma coisa hoje, amanhã diz outra diferente."
Muitos manifestantes, alguns dos quais tinham votado em Erdogan ao longo da última década, dizem estar fartos dele. "Quando chegou ao poder, falava bem, convencia as pessoas", comentou à Reuters Serder Cilik, de 32 anos, que estava sentado numa casa de chá, a ver o caos que se espalhou no centro de Istambul ontem. Ele já votou em Erdogan. "Ele fez uma lavagem ao cérebro às pessoas com a religião, foi assim que as pessoas votaram nele. Enganou-nos. É um mentiroso e um ditador."
"Ditador!", atirou de uma mesa próxima um homem mais velho, que estava a ouvir a conversa.



Mais jornalistas presos que no Irão


Pelo menos 49 jornalistas estão presos na Turquia - mais do que os 45 detidos no Irão e que os 32 encarcerados na China, segundo o relatório divulgado em Dezembro pelo Comité para a Protecção dos Jornalistas. Diz a organização Repórteres Sem Fronteiras, em contas divulgadas em Março, que serão mesmo 75 os jornalistas presos na Turquia, num claro abuso das leis antiterrorismo em vigor no país. Apesar de o Partido da Justiça e do Desenvolvimento ter chegado ao poder a defender que não era correcto ilegalizar a língua curda, como acontecia até então, muitos dos jornalistas detidos são acusados de ajudar o PKK, a organização separatista curda ilegalizada, que muito recentemente pactuou uma trégua com o Estado turco. Mas nem é preciso pertencer à minoria: defender os direitos de curdos e arménios pode ser considerado terrorismo ou apoio ao terrorismo, explicava o jornalista turco exilado em Bruxelas Dogan Ozguden à revista The Atlantic em Dezembro.
Mais recentemente, o julgamento do polémico caso Ergenekon - sobre a existência de uma organização terrorista tão alargada que estaria infiltrada por todo o Estado e chefias militares - colocou mais uma leva de jornalistas atrás das grades. Um deles foi Nedim Sener, que contou em Março ao diário El País como foi parar à prisão por ter escrito livros sobre essa rede terrorista cuja existência está longe de ter sido provada. "Não têm provas. E escrever livros não pode ser um crime", afirmou. Aguarda a sentença, que pode ser de sete a 15 anos de prisão. "Só que o Governo não gosta de jornalistas que o critiquem", afirmou ao jornal espanhol, defendendo que é por isso que não se investigam as mortes violentas de profissionais dos media.


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