Sustentabilidade
ambiental: promessas para a nova década
As promessas não podem ser vãs e desgarradas, mas sim interligadas e coerentes, porque a crise climática e a perda de diversidade já chegaram de forma mais rápida que o previsto.
Maria Amélia
Martins-Loução
7 de Janeiro de
2020, 5:30
A última década
e, em especial, o último ano ficaram marcados pelo aumento generalizado de uma
preocupação ambiental em resposta à acentuada alteração climática. No âmbito
desta preocupação e com o intuito de aumentar a capacidade de adaptação da
sociedade às alterações climáticas, a actual presidente da Comissão Europeia
lançou o pacto ecológico como forma de liderança política a nível global. A sua
aplicação pressupõe uma pressão sobre todos os Estados membros para seguir uma
política de neutralidade carbónica e de salvaguarda do património natural.
Estas são notícias esperançosas e positivas que obrigam os cidadãos e os
ecólogos, em particular, a ser mais responsáveis e atentos para com as
políticas e as acções que podem desvirtuar este desígnio europeu. No que toca à
neutralidade carbónica, Portugal tem procurado ser exemplo ao atingir valores
recorde de produção de energias renováveis. Quanto à salvaguarda do seu
património natural, e apesar do programa do governo mencionar este desiderato,
é muito mais autista e menos assertivo.
O recalcamento da
crise climática justifica acções políticas transversais, particularmente as que
fomentem uma economia cada vez menos dependente dos combustíveis fósseis. Mas,
nesta política de redução de combustíveis fósseis, não se compreende a
construção de um novo aeroporto no Montijo, quando inúmeros cientistas, de
todos os sectores, denunciam falhas e apontam problemas. Esta atitude denuncia
incongruência política, ausência de estratégia ambiental e autismo perante a
opinião dos cientistas.
Mas as
estratégias em prol da sustentabilidade ambiental, mesmo em situação de
emergência climática, não deviam circunscrever-se à redução das emissões de
gases com efeito de estufa. Ao longo desta última década, os alertas sobre a
generalizada perda de diversidade têm sido inúmeros. Actualmente, 77% dos
habitats protegidos pela Directiva Habitats e mais de metade das árvores
nativas da Europa estão ameaçadas de extinção. Os números são de tal modo
alarmantes que a Agência Europeia do Ambiente pediu medidas urgentes até 2030.
Também o pacto ecológico europeu incentiva ao aumento da área abrangida pela
Rede Natura 2000 e à recuperação das actuais.
Neste domínio,
Portugal está de novo no topo, mas pelos piores motivos: é o quarto país
europeu que possui maior número de espécies em risco de extinção e, ao arrepio
das normas europeias, permite a ameaça constante das suas áreas protegidas. A
exploração do lítio nas faldas do Parque Nacional Peneda Gerês é um exemplo de
sobranceria do interesse económico face à salvaguarda do património natural. A
anuência, incentivo e aumento da área do perímetro de rega do Mira (PR Mira) em
pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) é outro
caso paradigmático. Há uma década que se ignoram os apelos, relatórios e
pareceres de entidades balizadas, como o então Instituto da Conservação da
Natureza e Biodiversidade (ICNB) e a Liga para a Protecção da Natureza (LPN).
Actualmente, foi permitido o aumento da exploração da área de agricultura
coberta. Exploração intensiva e mão de obra requerem água disponível e uma
eficiente drenagem de efluentes. Água disponível, em situação de seca que as
projecções climáticas apontam, torna-se difícil de gerir. Drenagem de efluentes
pressupõe obras e preparação de terreno em área do PNSACV, aumentando as
intervenções numa zona já de si fragilizada e degradada. A coexistência do PR
Mira com o PNSACV é praticamente impossível num plano técnico e funcional. As
zonas húmidas espalhadas por todo o parque estão sobre-exploradas ou poluídas.
As espécies protegidas estão em perigo de extinção. A manutenção de uma zona de
exploração intensiva dentro de uma área de conservação terá inevitavelmente que
passar por uma redefinição do plano de ordenamento e a obrigatoriedade de uma
recuperação ecológica. As obrigações europeias e a salvaguarda do património
natural deviam balizar os interesses económicos.
A exploração
industrial, agrícola ou turística, necessária ao desenvolvimento do país, não
pode ser realizada hipotecando o património natural e degradando o ambiente. A
crise climática que hoje se vive resulta não só das emissões de gases com
efeito de estufa, mas também do modo egoísta e enviesado como se alteram cursos
de rios, cortam e desbastam matos e florestas, simplificam e uniformizam
paisagens. Está tudo interligado! A sociedade deve ser exigente perante
excessos de indiferença e a contínua ausência de fiscalização. Cabe aos
ecólogos divulgar mais e explicar melhor os sinais de alerta que a biosfera
lhes transmite e aos políticos incentivar e consultar os cientistas, antes de
assumirem compromissos ambiciosos. As promessas não podem ser vãs e
desgarradas, mas sim interligadas e coerentes, porque a crise climática e a
perda de diversidade já chegaram de forma mais rápida que o previsto.
A autora escreve
segundo o novo Acordo Ortográfico
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