Novo aeroporto do
Montijo. "Decisão fica na história da aviação mundial como uma das mais
ridículas"
Quem o diz é o
autarca do Seixal, um dos concelhos mais afetados pelo ruído do novo aeroporto,
tal como a Moita e o Barreiro. ANA obrigada a fazer obras para insonorização de
milhares de casas e de edifícios públicos. Joaquim Santos não acredita que tal
aconteça.
Sandra Gonçalves
23 Janeiro 2020 —
02:19
O presidente da
Câmara do Seixal continua a defender Alcochete para um novo aeroporto,
considerando que a opção Montijo "vai ficar na história da aviação mundial
como uma das soluções mais ridículas de sempre, ao nível de uma decisão que
poderia ser tomada por um país do terceiro mundo".
Joaquim Santos,
em declarações ao Diário de Notícias, mostrou-se incrédulo com a escolha do
Montijo, que, na sua perspetiva, "é um projeto que implica muito mais
complexidade, sobretudo tendo em conta que parte do aeroporto terá de ser
construído sobre a água", no rio Tejo. O investimento de 1,15 mil milhões
de euros, acordado entre a ANA - Aeroportos de Portugal e o Estado, para a
expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, "é dinheiro deitado para o
lixo", segundo o autarca eleito pela CDU, que acredita que "com o
mesmo valor seria possível fazer muito mais em Alcochete".
"As medidas
de mitigação contempladas na DIA são duvidosas", diz o autarca.
As evidências,
para o autarca, são muitas. Para começar, "optar pelo Montijo vai afetar
milhares de pessoas devido aos cones de aproximação às pistas. Os aviões vão
passar por cima de 150 mil pessoas do Seixal, Montijo, Barreiro, Moita e
Sesimbra, expondo-as a níveis tremendos de ruído", prosseguiu.
"E, mesmo
que a rota seja mantida, a altitude será muito superior, com níveis de ruído
residuais", acrescentou. Além disso, considera "duvidosas todas as
medidas de mitigação" contempladas na declaração de impacte ambiental
(DIA), divulgada na terça-feira pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Segundo Joaquim
Santos, "se a escolha recaísse sobre Alcochete, por ali existir o Campo de
Tiro, da Força Aérea Portuguesa, não há abundância de aves; por conseguinte,
não seria necessário adotar medidas para proteger a avifauna", em oposição
às medidas previstas para salvaguardar a biodiversidade no Montijo.
"A opção é
um erro crasso", continuou, "com a agravante de que, do ponto de vista
aeronáutico, a escolha é muito limitada: nem todos os aviões poderão lá aterrar
e também não tem capacidade de expansão".
Para o autarca,
"a decisão tomada pelo governo, e secundada pela APA, é um erro técnico e
político que deve ser revogado. Devia pegar-se no dinheiro que está destinado
ao Montijo e aplicá-lo em Alcochete, com muito mais vantagens a longo
prazo", disse contundentemente.
Continuar a
insistir na opção Montijo "é deitar dinheiro para o lixo, é investir numa
solução com prazo limitado. Mas o governo continua a insistir nesta decisão.
Compete ao Estado dar um passo atrás para dar outro em frente, e muito
maior", reforçou.
Contudo, o
autarca do Seixal está confiante de que "o governo acabará por fazer, em
última instância, a escolha acertada".
O parecer da
Agência Portuguesa do Ambiente para o Montijo é claro: a ANA - Aeroportos de
Portugal terá de fazer obras em milhares de edifícios, públicos e privados,
para mitigar o ruído que é esperado do tráfego aéreo, sobretudo aquando das
aterragens e das descolagens. Estima-se que uma fração de 12 600 residentes,
principalmente na Baixa da Banheira e Vinha das Pedras, seja a mais
prejudicada.
"É
impossível a ANA conseguir insonorizar 30 mil edifícios em dois anos."
Na DIA, divulgada
na terça-feira à noite, a APA admite que há falta de estudos sobre os níveis de
ruído. Para minimizar os efeitos, a agência impõe que a ANA reforce a
insonorização em equipamentos públicos e privados, nomeadamente escolas,
hospitais e residências. Para o efeito, ter-se-á de proceder à colocação de
janelas com vidros duplos e à calafetagem de coberturas e fachadas; empreitada
que ficará a cargo da gestora dos aeroportos nacionais, conclui-se do
documento.
Em que medida é
que isso será concretizável? Ainda não se sabe. Para o presidente da Câmara do
Seixal, "é impossível executar essa intervenção. Estamos a falar de cerca
de 30 mil edifícios que terão de ser intervencionados em dois anos". O
Aeroporto do Montijo está previsto que seja inaugurado em 2020. Deixa ainda a
questão: "Que sentido faz este investimento quando ao lado, a apenas 30 km
[Montijo], não seria necessário fazer nada disso?"
Acessibilidades,
outra das lacunas
Aponta também
outras lacunas graves, como as acessibilidades, "que ainda não foram
resolvidas". No caso de Alcochete, advoga, "bastaria expandir a linha
do Metro Sul do Tejo, bem como a ligação ribeirinha à Estrada Nacional 10. Nem
sequer essas opções foram tidas em consideração", concluiu.
Esta questão
também preocupa o presidente da Câmara do Montijo, para quem uma nova ponte é
essencial. "Uma coisa que me parece importante e que não está no estudo é
a ligação entre as diferentes regiões de Setúbal, nomeadamente a ligação
Montijo-Barreiro em ponte, porque permite pôr o comboio no aeroporto. O comboio
está a um quilómetro, basta fazer uma ponte", defendeu Nuno Canta, em
declarações à Lusa.
Considerando que
as exigências da APA s são suficientes "numa fase inicial", Nuno
Canta sublinhou que a infraestrutura irá evoluir e que é necessário
"programar estrategicamente as questões para o futuro".
Outra das
exigências da agência portuguesa é que durante todo o período de concessão não
haja voos entre as 00.00 e as 06.00, e que o número de voos entre as 23.00 e as
24.00 e as 06.00 e as 07.00 seja controlado, de forma a viabilizar o
cumprimento dos valores-limite de ruído, em particular no período noturno de
maior sensibilidade para as populações. Já entre as 00.00 e as 06.00,
recomenda-se a adoção de procedimentos de aterragem e de descolagem "menos
ruidosos e que evitem ou minimizem o impacte sobre as áreas mais
sensíveis" ou a apresentação de um Programa de Reforço do Condicionamento
Acústico de Edifícios afetados na área delimitada. Ora, tudo isto é muito pouco
claro.
De referir ainda
que o Parque Municipal da Moita, enquanto zona de lazer e, portanto, com uso
considerado sensível do ponto de vista de ruído ambiente, ficará previsivelmente
sujeito a níveis sonoros não regulamentares, com impacte não diretamente
minimizável, acrescenta-se ainda no capítulo da DIA referente ao ambiente
sonoro.
Associação Zero
aponta muitas incertezas na avaliação da APA
A associação
Zero, também contactada pelo Diário de Notícias, aponta muitas incertezas na
avaliação da APA, principalmente quando esta se refere aos níveis de ruído
exterior no período diurno, bem como quanto aos efeitos das vibrações nas
construções, aquando das aterragens e das descolagens dos aviões, que poderão
afetar as fundações dos edifícios.
"A grande
questão é que o ruído exterior não é passível de ser minimizado a não ser pela
redução dos voos. E isso não está claro na avaliação da APA. E há ainda a
considerar todo o tráfego pesado resultante do transporte de combustível, bem
como o acréscimo de tráfego automóvel", segundo Carla Graça,
vice-presidente da Zero.
O maior prejuízo,
segundo a ambientalista, "irá verificar-se, sobretudo, para as populações
residentes no Barreiro e na Moita, concelhos que ficam no cone de aterragem e
descolagem do novo aeroporto". Com o novo projeto, "vamos ter uma
nova fonte de ruído e, principalmente, uma nova fonte de violação do
regulamento geral do ruído", prossegue.
O parecer da APA
parte do princípio de que a ANA irá encetar esforços no sentido de mitigar os
riscos para as populações nas áreas circundantes, mas, para Carla Graça,
"já foi demasiadas vezes provado que as medidas para reduzir os níveis de
ruído não são cumpridas". Com base neste pressuposto, alerta para a
necessidade urgente de fiscalização, dando como exemplo a Barragem do Baixo
Sabor, no distrito de Bragança, "que entrou em funcionamento com 90% das
medidas de minimização de ruído por cumprir".
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