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Alterações
climáticas e Direito: o caso Urgenda
O ano de 2019 ficará na história como o primeiro em que o tribunal supremo de um Estado – dos Países Baixos – ‘ordenou’ ao poder executivo uma redução de emissões de gases com efeito de estufa.
Nuno Antunes
16 de Janeiro de
2020, 5:50
As alterações
climáticas – com a inerente transição energética e redução de emissões de gases
com efeito de estufa (GEE) – estarão, na década que se enceta, no epicentro de
um debate sócio-político-económico entre todos os atores sociais: Estado,
organizações internacionais e supranacionais, instituições públicas
não-governamentais, cidadãos, organizações não-governamentais (ONG) e entidades
empresariais.
Os ângulos de
análise do problema são inúmeros, dificultando um debate racional, construtivo
e colaborativo. Fazendo ‘futurologia’, atrever-me-ia a afirmar que não serão as
‘Greta Thunbergs’ deste mundo a implementar a adaptação exigida pelas
alterações climáticas. Os ‘símbolos’, ainda que sociologicamente importantes,
não são em si mesmos reais operadores de mudança.
O ano de 2019
ficará na história como o primeiro em que o tribunal supremo de um Estado – dos
Países Baixos – ‘ordenou’ ao poder executivo uma redução de emissões de GEE.
Mais
concretamente, em 20 de dezembro p.p., no caso Urgenda, o Supremo Tribunal dos
Países Baixos, confirmando a decisão do Tribunal de Recurso, ‘ordenou’ ao
governo que implementasse, até final de 2020, uma redução de emissões de GEE de
pelo menos 25% em relação aos níveis de 1990. Este limite, consagrado no
Relatório de Avaliação de 2007 do Painel Intergovernamental para as Alterações
Climáticas, foi legitimado pelo tribunal designadamente em virtude de terem
existido declarações do governo que endossavam tal valor como necessário ao
cumprimento da meta de aumento não superior a 2ºC da temperatura planetária.
Esta decisão
absolutamente inovadora, e totalmente única, emitida num caso da autoria da ONG
holandesa Urgenda, tem uma fundamentação suficientemente geral para que possa
ser extrapolada para outros Estados. Em particular no plano energético, não
podem deixar de ser consideradas as implicações além-fronteiras.
No essencial, a
argumentação de que os Artigos 2.º (Direito à vida) e 8.º (Direito ao respeito
da vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
incorporam uma obrigação positiva para o Estado no sentido da adoção de medidas
razoáveis e adequadas à proteção dos seus residentes contra consequências
potencialmente fatais decorrentes dos perigos das alterações climáticas foi
acolhida. O Supremo Tribunal concluiu que o governo violou deveres de cuidado
legalmente impostos no cumprimento das referidas disposições da CEDH, em
virtude do risco sério de perda de vida e de prejuízo para a vida familiar.
Dois pontos
colaterais merecem atenção.
A ilegitimidade
da ONG Urgenda para este tipo de ação, alegada no processo, foi recusada pelo
tribunal, que a veio admitir para esta ação coletiva em matéria de alterações
climáticas. O tribunal aceitou a representação de atuais residentes
neerlandeses pela ONG Urgenda.
A outro nível, o
governo alegou que o pedido da ONG Urgenda, se atendido, iria implicar uma
violação do princípio constitucional de separação de poderes. Este argumento
foi recusado nas três instâncias. O Supremo Tribunal deliberou que, estando
constitucionalmente obrigado a aplicar a CEDH, da tutela jurisdicional podiam
decorrer decisões contra o governo sem que tal consubstanciasse uma violação da
separação de poderes, pois a decisão sobre como cumprir a ordem judicial
continuaria a caber ao governo.
Sem dúvida, o
Direito, e os tribunais na sua aplicação, serão incontornáveis operadores de
mudança em matéria de alterações climáticas.
EUROPA
Tribunal holandês
manda Estado reduzir emissões de gases com efeito de estufa
É a primeira vez
que o poder judicial ordena mudanças em políticas governamentais de um país
sobre questões climáticas.
João Manuel Rocha
24 de Junho de 2015, 18:58
Efeitos de
alterações climáticas serão dramáticos e economicamente pesados BOB
STRONG/REUTERS
Um tribunal
holandês ordenou ao Estado que reduza em 25% as emissões de gases com efeito de
estufa, até 2020. Trata-se de uma decisão inédita. Os autores da queixa que a
motivou esperam que seja replicada noutros países.
“O tribunal
ordena ao Estado que limite o volume total de gases com efeito de estufa de
modo a que em 2020 esteja reduzido em pelo menos 25% relativamente aos valores
de 1990", declarou, citado pela AFP, o juiz Hans Hofhuis, numa audiência
pública no tribunal de Haia. Quando se percebeu o sentido da decisão ouviram-se
aplausos.
A decisão decorre
de uma acção entregue na Justiça em Abril por mais de 800 cidadãos, com o apoio
de uma organização não-governamental de defesa do ambiente, a Urgenda. Os
queixosos reclamavam que o Estado holandês reduzisse as emissões em 40%, mas
consideram que foi dado um passo importante.
Os três juízes
que tomaram a decisão entendem que “a gravidade e a dimensão do problema
climático tornam necessária a adopção de medidas para reduzir as emissões de
gases de efeito de estufa” e que o Estado tem o “dever de protecção do
ambiente” e “deve fazer mais para contrariar o perigo iminente provocado pelas
mudanças climáticas”.
“Com base na
actual política do Estado, a Holanda terá reduzido as suas emissões em 17% em
2020: isso está abaixo da norma de 25 a 40% que os cientistas e as políticas
internacionais consideram necessário nos países industrializados.”
“O Estado não se
deve esconder atrás do argumento de que a solução para o problema global do
clima não depende apenas dos esforços holandeses”, concluíram, segundo outra
passagem da decisão transcrita pelo jornal britânico The Guardian. “Qualquer
redução das emissões contribui para a prevenção das perigosas mudanças
climáticas e um país desenvolvido como a Holanda deve tomar a liderança.”
Wendel Trio,
director da rede europeia para a acção climática, considera que a meta de 25%
“não é muito difícil de alcançar” e que deveria ser mais elevada para estar “em
linha com o que é verdadeiramente necessário”. Mas considera a decisão
relevante.
“Este veredicto é um marco na história da
legislação sobre o clima, porque é a primeira vez que tribunal manda um Governo
alterar as suas ambições em matéria climática”, disse, citado pela agência
noticiosa.
Pier Vellinga,
presidente da Urgenda, concorda que a decisão do tribunal holandês é importante
e disse ao Guardian que, em sua opinião, terá impacto em casos pendentes em
países como a Bélgica.
“Cria um precedente”, afirmou Marjan Minnesam,
directora da organização não-governamental aos jornalistas presentes na sala de
audiências. “Nunca antes um Estado tinha sido levado à Justiça” por esta razão,
sublinhou.
Bill Hare,
director da Climate Analytics, um instituto de ciências e políticas climáticas,
numa declaração à AFP, chamou à atenção para um aspecto que também poderá
influenciar as decisões sobre o clima: “Os mercados financeiros preocupam-se
cada vez mais com os riscos de perdas financeiras das empresas que utilizam
muita energia fóssil”.
Em 2009, a
comunidade internacional fixou um limite de dois graus Celsius para o
aquecimento da Terra até 2100, relativamente à era pré-industrial, no
pressuposto de que se essa barreira for ultrapassada as consequências das
alterações climáticas serão dramáticas e economicamente pesadas.
Com o objectivo
de conseguir o que seria um primeiro acordo global sobre o clima está agendada
para o final de 2015, em Paris, uma cimeira de cerca de 200 países. Um acordo
implica necessariamente compromissos nacionais em matéria de emissões de gases
com efeito de estufa que limitem a subida das temperaturas.
A AFP lembra que
a União Europeia anunciou a intenção de reduzir até 2030 as suas emissões em
40% relativamente aos valores de 1990, e que os EUA, o segundo maior emissor do
planeta, atrás da China, querem reduzir 26 a 28% entre 2005 e 2015. Sem se
comprometer com metas, a o Governo de Pequim também tem prometido reduções.
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