sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Alterações climáticas e Direito: o caso Urgenda / Tribunal holandês manda Estado reduzir emissões de gases com efeito de estufa

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OPINIÃO
Alterações climáticas e Direito: o caso Urgenda

O ano de 2019 ficará na história como o primeiro em que o tribunal supremo de um Estado – dos Países Baixos – ‘ordenou’ ao poder executivo uma redução de emissões de gases com efeito de estufa.

Nuno Antunes
16 de Janeiro de 2020, 5:50

As alterações climáticas – com a inerente transição energética e redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) – estarão, na década que se enceta, no epicentro de um debate sócio-político-económico entre todos os atores sociais: Estado, organizações internacionais e supranacionais, instituições públicas não-governamentais, cidadãos, organizações não-governamentais (ONG) e entidades empresariais.

Os ângulos de análise do problema são inúmeros, dificultando um debate racional, construtivo e colaborativo. Fazendo ‘futurologia’, atrever-me-ia a afirmar que não serão as ‘Greta Thunbergs’ deste mundo a implementar a adaptação exigida pelas alterações climáticas. Os ‘símbolos’, ainda que sociologicamente importantes, não são em si mesmos reais operadores de mudança.

O ano de 2019 ficará na história como o primeiro em que o tribunal supremo de um Estado – dos Países Baixos – ‘ordenou’ ao poder executivo uma redução de emissões de GEE.

Mais concretamente, em 20 de dezembro p.p., no caso Urgenda, o Supremo Tribunal dos Países Baixos, confirmando a decisão do Tribunal de Recurso, ‘ordenou’ ao governo que implementasse, até final de 2020, uma redução de emissões de GEE de pelo menos 25% em relação aos níveis de 1990. Este limite, consagrado no Relatório de Avaliação de 2007 do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, foi legitimado pelo tribunal designadamente em virtude de terem existido declarações do governo que endossavam tal valor como necessário ao cumprimento da meta de aumento não superior a 2ºC da temperatura planetária.

Esta decisão absolutamente inovadora, e totalmente única, emitida num caso da autoria da ONG holandesa Urgenda, tem uma fundamentação suficientemente geral para que possa ser extrapolada para outros Estados. Em particular no plano energético, não podem deixar de ser consideradas as implicações além-fronteiras.

No essencial, a argumentação de que os Artigos 2.º (Direito à vida) e 8.º (Direito ao respeito da vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) incorporam uma obrigação positiva para o Estado no sentido da adoção de medidas razoáveis e adequadas à proteção dos seus residentes contra consequências potencialmente fatais decorrentes dos perigos das alterações climáticas foi acolhida. O Supremo Tribunal concluiu que o governo violou deveres de cuidado legalmente impostos no cumprimento das referidas disposições da CEDH, em virtude do risco sério de perda de vida e de prejuízo para a vida familiar.

Dois pontos colaterais merecem atenção.

A ilegitimidade da ONG Urgenda para este tipo de ação, alegada no processo, foi recusada pelo tribunal, que a veio admitir para esta ação coletiva em matéria de alterações climáticas. O tribunal aceitou a representação de atuais residentes neerlandeses pela ONG Urgenda.

A outro nível, o governo alegou que o pedido da ONG Urgenda, se atendido, iria implicar uma violação do princípio constitucional de separação de poderes. Este argumento foi recusado nas três instâncias. O Supremo Tribunal deliberou que, estando constitucionalmente obrigado a aplicar a CEDH, da tutela jurisdicional podiam decorrer decisões contra o governo sem que tal consubstanciasse uma violação da separação de poderes, pois a decisão sobre como cumprir a ordem judicial continuaria a caber ao governo.

Sem dúvida, o Direito, e os tribunais na sua aplicação, serão incontornáveis operadores de mudança em matéria de alterações climáticas.

 
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EUROPA
Tribunal holandês manda Estado reduzir emissões de gases com efeito de estufa

É a primeira vez que o poder judicial ordena mudanças em políticas governamentais de um país sobre questões climáticas.

João Manuel Rocha 24 de Junho de 2015, 18:58

Efeitos de alterações climáticas serão dramáticos e economicamente pesados BOB STRONG/REUTERS

Um tribunal holandês ordenou ao Estado que reduza em 25% as emissões de gases com efeito de estufa, até 2020. Trata-se de uma decisão inédita. Os autores da queixa que a motivou esperam que seja replicada noutros países.

“O tribunal ordena ao Estado que limite o volume total de gases com efeito de estufa de modo a que em 2020 esteja reduzido em pelo menos 25% relativamente aos valores de 1990", declarou, citado pela AFP, o juiz Hans Hofhuis, numa audiência pública no tribunal de Haia. Quando se percebeu o sentido da decisão ouviram-se aplausos.

A decisão decorre de uma acção entregue na Justiça em Abril por mais de 800 cidadãos, com o apoio de uma organização não-governamental de defesa do ambiente, a Urgenda. Os queixosos reclamavam que o Estado holandês reduzisse as emissões em 40%, mas consideram que foi dado um passo importante.

Os três juízes que tomaram a decisão entendem que “a gravidade e a dimensão do problema climático tornam necessária a adopção de medidas para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa” e que o Estado tem o “dever de protecção do ambiente” e “deve fazer mais para contrariar o perigo iminente provocado pelas mudanças climáticas”.

“Com base na actual política do Estado, a Holanda terá reduzido as suas emissões em 17% em 2020: isso está abaixo da norma de 25 a 40% que os cientistas e as políticas internacionais consideram necessário nos países industrializados.”

“O Estado não se deve esconder atrás do argumento de que a solução para o problema global do clima não depende apenas dos esforços holandeses”, concluíram, segundo outra passagem da decisão transcrita pelo jornal britânico The Guardian. “Qualquer redução das emissões contribui para a prevenção das perigosas mudanças climáticas e um país desenvolvido como a Holanda deve tomar a liderança.”

Wendel Trio, director da rede europeia para a acção climática, considera que a meta de 25% “não é muito difícil de alcançar” e que deveria ser mais elevada para estar “em linha com o que é verdadeiramente necessário”. Mas considera a decisão relevante.

 “Este veredicto é um marco na história da legislação sobre o clima, porque é a primeira vez que tribunal manda um Governo alterar as suas ambições em matéria climática”, disse, citado pela agência noticiosa.

Pier Vellinga, presidente da Urgenda, concorda que a decisão do tribunal holandês é importante e disse ao Guardian que, em sua opinião, terá impacto em casos pendentes em países como a Bélgica.

 “Cria um precedente”, afirmou Marjan Minnesam, directora da organização não-governamental aos jornalistas presentes na sala de audiências. “Nunca antes um Estado tinha sido levado à Justiça” por esta razão, sublinhou.

Bill Hare, director da Climate Analytics, um instituto de ciências e políticas climáticas, numa declaração à AFP, chamou à atenção para um aspecto que também poderá influenciar as decisões sobre o clima: “Os mercados financeiros preocupam-se cada vez mais com os riscos de perdas financeiras das empresas que utilizam muita energia fóssil”.


Em 2009, a comunidade internacional fixou um limite de dois graus Celsius para o aquecimento da Terra até 2100, relativamente à era pré-industrial, no pressuposto de que se essa barreira for ultrapassada as consequências das alterações climáticas serão dramáticas e economicamente pesadas.

Com o objectivo de conseguir o que seria um primeiro acordo global sobre o clima está agendada para o final de 2015, em Paris, uma cimeira de cerca de 200 países. Um acordo implica necessariamente compromissos nacionais em matéria de emissões de gases com efeito de estufa que limitem a subida das temperaturas.

A AFP lembra que a União Europeia anunciou a intenção de reduzir até 2030 as suas emissões em 40% relativamente aos valores de 1990, e que os EUA, o segundo maior emissor do planeta, atrás da China, querem reduzir 26 a 28% entre 2005 e 2015. Sem se comprometer com metas, a o Governo de Pequim também tem prometido reduções.


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