quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

PSP admite queixa ao MP contra sindicato que insinua que mulher agredida tem “doenças”



PSP admite queixa ao MP contra sindicato que insinua que mulher agredida tem “doenças”

“A Polícia de Segurança Pública não se revê em qualquer conteúdo que deprecie ou sugestione a desconsideração de qualquer pessoa, independentemente do motivo”, refere a PSP. Mulher de 42 anos acusa agente de a agredir em frente a filha de oito anos. Líder de sindicato é ex-candidato a lista europeia de André Ventura e não quis comentar. Processo está a ser investigado pelo Ministério Público da Amadora e encontra-se em segredo de justiça.

Joana Gorjão Henriques 22 de Janeiro de 2020, 16:14

A Direcção Nacional da PSP afirmou ao PÚBLICO que pondera encaminhar uma queixa para as entidades competentes, nomeadamente o Ministério Público (MP), contra o post que o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública publicou em defesa do agente acusado de agredir uma mulher na Amadora.

Nesse post, o sindicato escreve: “As melhoras ao colega e espero que as análises sejam todas negativas a doenças graves. Contudo a defesa da cidadã está a começar a ser orquestrada pelo ódiomor [sic] de brancos.” Partilham também fotos dos arranhões e das mordidas no braço do polícia envolvido nas agressões.

Ao PÚBLICO, a PSP afirmou: “A Polícia de Segurança Pública não se revê em qualquer conteúdo que deprecie ou sugestione a desconsideração de qualquer pessoa, independentemente do motivo”. O gabinete de comunicação esclareceu que o post em causa está “absolutamente incluído” nesta posição.

“Como decorre da lei e dos normativos internos, quaisquer posicionamentos – em posts, tweets, documentos escritos, afirmações públicas – individuais ou organizacionais, que não sejam respeitadores de todos os cidadãos enquanto tal, serão encaminhados para as entidades competentes e escrutinados”.


O porta-voz esclareceu que não tem ainda conhecimento sobre se outras entidades já encaminharam a queixa, mas que pondera fazê-lo para entidades como o Ministério Público, para que avalie os “conteúdos racistas e xenófobos”. O PÚBLICO contactou a Procuradoria-Geral da República mas ainda aguarda resposta.

Peixoto Rodrigues, que foi candidato na lista do líder de extrema-direita André Ventura às eleições europeias, lidera o sindicato ao qual pertencem 16 dos 17 polícias da Esquadra de Alfragide que foram a julgamento acusados de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura – oito foram condenados por agressão e sequestro. “A publicação é a que está e nada mais. Não tenho nada a comentar”, afirmou ao PÚBLICO.

Mulher acusa polícia de agressão e racismo. PSP chamou bombeiros e disse que era “uma queda”
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Sobre a eventual queixa da parte da Direcção Nacional da PSP diz: “Cada um é que sabe.” Disse também que não conhece o agente em causa.

Peixoto Rodrigues apareceu a falar do Movimento Zero publicamente e é arguido num processo de fraude que lesou o Estado em milhares de euros. Foi alvo de uma pena disciplinar de aposentação compulsiva aplicada pelo Ministério da Administração Interna (MAI) depois de faltar 83 dias sem justificação, em Julho do ano passado.

MAI abre inquérito

Entretanto, o Ministro da Administração Interna pediu à Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI) a abertura de um inquérito para apurar os factos relacionados com a actuação policial neste caso. Segundo o ministério, a PSP transmitirá à IGAI todos os elementos da averiguação interna que tem estado a realizar. O processo está agora em segredo de justiça Cláudia Simões foi ouvida na terça-feira pelo Ministério Público da Amadora. A advogada de Cláudia Simões pediu a incorporação neste processo do outro em que é queixosa e aguarda para saber se o polícia será constituído arguido.

Cláudia Simões, 42 anos, acusou um polícia de a ter agredido no domingo, depois de uma intervenção em sequência de uma viagem de autocarro. Presente a tribunal na terça-feira por o agente ter, por seu lado, feito queixa dela, Cláudia Simões estava com a cara deformada e lábios com escoriações. É arguida e ficou com termo de identidade e residência. A PSP, por seu lado, afirma que a cidadã “se mostrou agressiva” e “mordeu o agente”. A Direcção Nacional da Polícia já abriu um processo de averiguação interna e irá “apurar se os danos físicos são consentâneos com uma actuação policial correcta ou se aparentam uso excessivo de força”.

A cidadã portuguesa e angolana referiu ao PÚBLICO na terça-feira que as agressões pelo mesmo agente da PSP, Canha, ocorreram em dois momentos. O primeiro terá sido pouco depois das 20h30, na rua. Num vídeo que foi filmado por um jovem vê-se um agente da PSP a manietar a senhora, com as pernas dobradas em cima das suas costas e as mãos a agarrar no cabelo, puxando-o para trás. A voz dela balbucia palavras, mas vê-se o rosto de Cláudia Simões sem marcas ou feridas e uma voz a dizer: “Ela não está a resistir.” Num segundo momento, acusa, o polícia agrediu-a no carro da PSP, com ela algemada, enquanto a insultava: “‘Grita agora sua filha da puta, preta, macacos, vocês são lixo, uma merda’.”

Segundo se queixou, a PSP deixou-a inconsciente à porta da esquadra. Segundo disse ao PÚBLICO o comandante dos Bombeiros da Amadora, Mário Conde, os meios foram accionados “como queda”, por iniciativa da esquadra. Cláudia Simões estava fora da esquadra quando lá chegaram, pelas 22h. No local, foi visível que se tratava de outro motivo – os bombeiros referiram que tinha existido um conflito entre a cidadã e a PSP, afirmou.

Segundo contou, tudo se iniciou no autocarro 163, da Vimeca, que faz o percurso Colégio Militar-Massamá. A filha esquecera-se do passe e Cláudia disse ao motorista que o filho estaria na paragem de saída com o documento (os passes de ambas estão em dia, mostraram ao PÚBLICO, mas de qualquer forma até aos 12 anos as crianças não pagam, apenas precisam de ter o documento). Sentaram-se e tudo decorreu normalmente, até que entrou uma senhora brasileira com a neta de quatro anos e o motorista forçou-as a sair por a menina não ter passe. Gerson Calveto, o sobrinho que assistiu a tudo, disse ao PÚBLICO que de seguida o motorista começou a gritar: “‘isso é na tua terra, vocês estão aqui a dar cabo do nosso país’. E começou a gritar nomes: ‘seus pretos, andam a estragar o nosso país, pensam que isso é só chegar e andar sem passe’.”

Contactada pelo PÚBLICO, a Vimeca ainda não comentou nem deu explicações sobre o caso.

Quando chegaram à paragem de destino o motorista chamou um polícia que os abordou perguntando se queriam agredir o motorista. Houve troca de argumentos e a gota de água terá sido um comentário que Cláudia fez acusando o agente de estar “a cheirar a álcool”, diz Gerson. “O tipo agarrou o pescoço da minha tia e jogou-a ao chão de imediato.”

Segundo o comunicado oficial da PSP, o agente foi chamado pelo motorista e entrou dentro do autocarro pelo facto de a cidadã se recusar a pagar o bilhete de transporte da filha, e de o ter ameaçado e injuriado. Afirma ainda que Cláudia Simões estava “agressiva” e empurrava o agente. Baseado no auto de notícia, o comunicado refere que “o polícia, que se encontrava sozinho, para fazer cessar as agressões da cidadã detida, procedeu à algemagem da mesma, utilizando a força estritamente necessária para o efeito” e que foi necessário prestar-lhe assistência hospitalar.

tp.ocilbup@hgj


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