João Miguel
Tavares
OPINIÃO
Isabel dos
Santos, a mais recente vítima de racismo
O racismo está em
julgar que uma parte significativa da elite portuguesa que enriqueceu a fazer
negócios com Angola está de alguma forma acima da família de José Eduardo dos
Santos.
21 de Janeiro de
2020, 6:16
Como é público,
Isabel dos Santos tem andado muito activa no Twitter. No domingo, a meio da
tarde, declarou ver “com tristeza” o “racismo e preconceito da SIC e do
Expresso, fazendo recordar a era das colónias, em que nenhum africano podia
valer o mesmo do que um europeu”. Ao princípio da noite, regressou: “Como é
possível 30 televisões ocidentais atacarem uma mulher negra africana, todas ao
mesmo tempo? E depois não é racismo nem preconceito?” Até ao momento em que
escrevo, ainda ninguém pediu a Mamadou Ba para comentar se a “racializada”
Isabel dos Santos tem ou não razão nestas declarações, e se o Luanda Leaks pode
ser, de facto, um novo exemplo de racismo e opressão colonial, e logo sobre um
corpo feminino.
Adorava conhecer
a sua opinião sobre o caso, mas enquanto a resposta não chega, aproveito para
meter a minha colherada e dizer-vos onde é que está o racismo em todo este
episódio – porque ele está lá, só que não onde Isabel dos Santos aponta. O
racismo não está no tratamento que lhe tem sido dado após 40 anos de uma vida
de absoluto privilégio, com Luanda e Lisboa enfiadas no bolso enquanto o seu
pai mandou em Angola. Como quase todos os angolanos ricos que se passeiam pelas
lojas da Avenida da Liberdade ou compram apartamentos milionários nas traseiras
do El Corte Inglés, a experiência do racismo não costuma atingir quem tem os
bolsos cheios de petrodólares.
Mas existe, de
facto, um racismo latente em quem faz negócios com a elite angolana, que é
este: a convicção de que a cleptocracia dos países africanos é uma
inevitabilidade; que a corrupção está inscrita nos seus genes; que a população
lhe é insensível; e que, portanto, receber rios de dinheiro de proveniência
altamente duvidosa não é um problema ético, porque “eles” não se sabem governar
de outra maneira. “Eles” têm uma cultura tribal. O soba “deles” pode desviar
dinheiro à vontade. O povo “deles” não se importa. “Eles” são mesmo assim. E
“nós” só estamos a aproveitar aquilo que “eles” são. “Eles” são os ladrões,
“nós” somos apenas os espertos. O racismo está aqui. E em doses cavalares.
O racismo está em
achar que os grandes escritórios de advogados portugueses que se colocaram ao
serviço de Isabel dos Santos para encobrir negócios que sabiam serem
financiados de forma ilegal são mais honestos do que ela. O racismo está em
acreditar que os administradores de bancos portugueses que deixaram milhões de
euros desaparecer de contas a pedido de Isabel dos Santos lhe são eticamente
superiores. O racismo está em julgar que uma parte significativa da elite
portuguesa que enriqueceu a fazer negócios com Angola está de alguma forma
acima da família de José Eduardo dos Santos. Nisso, Isabel dos Santos tem toda
a razão: os portugueses que andaram de braço dado com ela nos últimos vinte
anos valem tanto quanto ela vale, e há muita, muita gente em empresas nacionais
e em escritórios de advogados de Lisboa que é tão ou mais corrupta do que a
clique de Luanda.
O racismo está
nos ratos que agora roem as amarras. No que à corrupção e à lavagem de dinheiro
diz respeito, brancos, pretos, amarelos e castanhos são todos iguais, e não é
por uns viverem em países mais finos que alguma distinção de carácter deve ser
feita. Na sua última entrevista, Isabel dos Santos disse: “Lamento que Angola
tenha escolhido este caminho. Temos todos muito a perder.” É meu profundo
desejo que todos percam muito, independentemente da sua cor ou da sua
nacionalidade.
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