terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Isabel dos Santos, a mais recente vítima de racismo



João Miguel Tavares
OPINIÃO
Isabel dos Santos, a mais recente vítima de racismo

O racismo está em julgar que uma parte significativa da elite portuguesa que enriqueceu a fazer negócios com Angola está de alguma forma acima da família de José Eduardo dos Santos.

21 de Janeiro de 2020, 6:16

Como é público, Isabel dos Santos tem andado muito activa no Twitter. No domingo, a meio da tarde, declarou ver “com tristeza” o “racismo e preconceito da SIC e do Expresso, fazendo recordar a era das colónias, em que nenhum africano podia valer o mesmo do que um europeu”. Ao princípio da noite, regressou: “Como é possível 30 televisões ocidentais atacarem uma mulher negra africana, todas ao mesmo tempo? E depois não é racismo nem preconceito?” Até ao momento em que escrevo, ainda ninguém pediu a Mamadou Ba para comentar se a “racializada” Isabel dos Santos tem ou não razão nestas declarações, e se o Luanda Leaks pode ser, de facto, um novo exemplo de racismo e opressão colonial, e logo sobre um corpo feminino.

Adorava conhecer a sua opinião sobre o caso, mas enquanto a resposta não chega, aproveito para meter a minha colherada e dizer-vos onde é que está o racismo em todo este episódio – porque ele está lá, só que não onde Isabel dos Santos aponta. O racismo não está no tratamento que lhe tem sido dado após 40 anos de uma vida de absoluto privilégio, com Luanda e Lisboa enfiadas no bolso enquanto o seu pai mandou em Angola. Como quase todos os angolanos ricos que se passeiam pelas lojas da Avenida da Liberdade ou compram apartamentos milionários nas traseiras do El Corte Inglés, a experiência do racismo não costuma atingir quem tem os bolsos cheios de petrodólares.

Mas existe, de facto, um racismo latente em quem faz negócios com a elite angolana, que é este: a convicção de que a cleptocracia dos países africanos é uma inevitabilidade; que a corrupção está inscrita nos seus genes; que a população lhe é insensível; e que, portanto, receber rios de dinheiro de proveniência altamente duvidosa não é um problema ético, porque “eles” não se sabem governar de outra maneira. “Eles” têm uma cultura tribal. O soba “deles” pode desviar dinheiro à vontade. O povo “deles” não se importa. “Eles” são mesmo assim. E “nós” só estamos a aproveitar aquilo que “eles” são. “Eles” são os ladrões, “nós” somos apenas os espertos. O racismo está aqui. E em doses cavalares.

O racismo está em achar que os grandes escritórios de advogados portugueses que se colocaram ao serviço de Isabel dos Santos para encobrir negócios que sabiam serem financiados de forma ilegal são mais honestos do que ela. O racismo está em acreditar que os administradores de bancos portugueses que deixaram milhões de euros desaparecer de contas a pedido de Isabel dos Santos lhe são eticamente superiores. O racismo está em julgar que uma parte significativa da elite portuguesa que enriqueceu a fazer negócios com Angola está de alguma forma acima da família de José Eduardo dos Santos. Nisso, Isabel dos Santos tem toda a razão: os portugueses que andaram de braço dado com ela nos últimos vinte anos valem tanto quanto ela vale, e há muita, muita gente em empresas nacionais e em escritórios de advogados de Lisboa que é tão ou mais corrupta do que a clique de Luanda.

O racismo está nos ratos que agora roem as amarras. No que à corrupção e à lavagem de dinheiro diz respeito, brancos, pretos, amarelos e castanhos são todos iguais, e não é por uns viverem em países mais finos que alguma distinção de carácter deve ser feita. Na sua última entrevista, Isabel dos Santos disse: “Lamento que Angola tenha escolhido este caminho. Temos todos muito a perder.” É meu profundo desejo que todos percam muito, independentemente da sua cor ou da sua nacionalidade.

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