Coronavírus: OMS
declara emergência global de saúde pública
Há mais de 8200
casos confirmados de infecções pelo novo coronavírus que foi identificado em
Dezembro na China. Apesar de ainda não existir registo de qualquer morte fora
do território chinês, o vírus já alastrou a outros 18 países.
Andrea Cunha
Freitas 30 de Janeiro de 2020, 19:37
À terceira foi de
vez. Após três reuniões, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu que o
surto de coronavírus deve ser
classificado como uma emergência de saúde pública de interesse
internacional. O que é que isso pode mudar
em relação às várias medidas de contenção aplicadas por todo o mundo? Pouco ou
quase nada. Obviamente, as autoridades de saúde não ficaram à espera da decisão
da OMS para avançar com todas as medidas de controlo, sob o princípio da
precaução.
O facto de o novo
coronavírus ter já entrado em 18 países após a identificação do surto em
Dezembro na cidade de Wuhan, na China, e a confirmação de transmissão da doença
entre humanos fora do território chinês terão sido dois factores que levaram a
OMS a convocar os peritos mais uma vez. O comité de emergência reuniu-se pela
terceira vez no período de uma semana para discutir a necessidade de declarar
uma emergência global de saúde pública. Actualmente, existem 98 casos em 18
países fora da China, incluindo 8 casos de transmissão de pessoa para pessoa em
quatro países: Alemanha, Japão, Vietname e EUA.
Quando a reunião
ainda estava a decorrer o “boletim” diário da OMS sobre o coronavírus nesta
quinta-feira actualizava os números subindo de 15 para 18 países afectados em
relação ao dia anterior. Sublinhava-se ainda que os novos casos detectados na
Finlândia, Filipinas e Índia têm alguma ligação a viagens à cidade de Wuhan. No
boletim, a OMS referia 7818 casos confirmados e 170 mortes. No entanto, os
números actualizados ao início da noite apontavam para 8235 doentes infectados,
com 171 mortos, segundo uma equipa da Universidade Johns Hopkins (nos EUA) que
acompanha a situação. “Temos de recordar que não são apenas números, são
pessoas”, disse o director-geral da OMS.
Invocar uma
emergência de saúde pública de interesse internacional (PHEIC, na sigla em
inglês) é, basicamente, o sinal mais importante que a OMS pode dar ao mundo. As
regras deste processo dizem que para declarar uma PHEIC a situação em análise
tem de cumprir três critérios: deve ser um acontecimento extraordinário, com um
risco que represente um perigo elevado à saúde pública de outros países e que
exija uma resposta internacional coordenada. É a sexta vez que a OMS recorre a
este instrumento de alerta global.
“Sejamos claros, esta declaração não é um voto
de falta de confiança na China”, sublinhou Tedros Adhanom Ghebreyesus,
director-geral da OMS aos jornalistas. “A nossa maior preocupação é o potencial
do vírus se espalhar para países com sistemas de saúde mais frágeis”,
acrescentou. O painel da OMS, presidido por Didier Houssin, da França, é composto
por 16 especialistas independentes. “O principal motivo desta declaração não é
o que está a acontecer na China, mas o que está acontecer noutros países”,
sublinhou.
Com esta nova
designação para classificar a epidemia do novo coronavírus que foi detectado em
Dezembro na China, a OMS pode fazer recomendações a todos os países para
controlar o surto. Algo que já começou a fazer há bastante tempo. Pode também
emitir recomendações sobre viagens e vigilância de passageiros em aeroportos
internacionais e outros portos de chegada. Algo que também não será necessário
fazer porque muitos países já avançaram para medidas de contenção desse tipo.
“A OMS não recomenda a restrição de viagens,
as trocas comerciais e os movimentos [de pessoas] e opõe-se mesmo a todas as
restrições de viagens”, afirmou o director-geral da OMS na conferência de imprensa
que decorreu esta quinta-feira ao final do dia, na sede da organização, em
Genebra, Suíça.
A decisão da OMS
poderá ainda levar a um aumento do financiamento e recursos para conter o
surto. Essa é, à primeira vista, a principal diferença que podemos constatar em
relação aos últimos dias. Mas não é fácil imaginar como é que os países podem
reforçar ainda mais o esforço que têm demonstrado na vigilância, detecção e
acompanhamento de novos casos. Este novo coronavírus manifesta-se com uma
gravidade variável, desde sintomas ligeiros semelhantes a uma gripe ou
constipação até sintomas mais graves como a pneumonia (entre os 7818 infectados
há 1370 num situação considerada grave). O período de incubação varia entre
dois e 12 dias
O dinheiro poderá
servir para impor mais medidas no terreno, mas também para investir na
“máquina” científica que está a trabalhar neste campo desde muito cedo. O
primeiro genoma do vírus foi partilhado pela equipa da China com a comunidade
internacional no início deste mês. Esta quinta-feira, mais uma vez, o
director-geral da OMS elogiou a China pela colaboração em todo o processo. “Já
teríamos visto muitos outros casos fora da China - e provavelmente mortes - se
não fossem os esforços do governo e o progresso que eles fizeram para proteger
a população da China e de todo o mundo.”
“A única maneira
de derrotar este surto é com todos os países a trabalhar juntos em um espírito
de solidariedade e cooperação”, concluiu Tedros Adhanom Ghebreyesus deixando
ainda o aviso em tom de apelo: “Este é o momento dos factos, não do medo. Este
é o momento da ciência, não de rumores. Este é o momento da solidariedade, não
do estigma.”
Será com a
cooperação entre todos os países que será possível reduzir o número de pessoas
infectadas. E essa é a chave para travar a epidemia, diz ao PÚBLICO Nuno Faria,
professor associado em epidemiologia genómica da Universidade de Oxford, Reino
Unido. Assim, prossegue, “há duas maneiras de conseguir reduzir o número de
pessoas infectadas”. “Uma é através de vacinas e tratamento, que infelizmente
ainda não estão disponíveis para o novo vírus. Embora já existam equipas na
China continental, Estados Unidos e Hong Kong, a trabalhar numa vacina vai
demorar algum tempo até termos uma vacina eficaz. A outra envolve controlo da
epidemia através de uma serie de intervenções que visam reduzir o contacto
entre pessoas infectadas e pessoas ainda susceptíveis ao novo vírus.”
A Aliança para
Inovações de Prontidão para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês) anunciou pouco
tempo depois que três diferentes equipas de investigação estão a tentar
desenvolver vacinas contra o novo coronavírus. O objectivo é que comecem em
Junho os ensaios clínicos para, pelo menos, uma das vacinas.
As equipas de
investigação terão diferentes abordagens: uma será liderada pela empresa
farmacêutica Moderna em conjunto com o Instituto Nacional para Alergia e
Doenças Infecciosas dos EUA; outra pela empresa Inovio; e a terceira por uma
equipa da Universidade de Queensland, na Austrália. “Não há garantias de
sucesso, mas esperamos que este trabalho seja um passo significativo e
importante no desenvolvimento de uma vacina para esta doença”, afirmou Richard
Hatchett, director-executivo da CEPI.
A verdade é que
os casos de infecção esta semana aumentaram substancialmente. Será que é um
reflexo do aumento da vigilância. “Em apenas uma semana pelo menos sete
universidades e instituições de saúde pública desenharam e partilharam com a
comunidade novos métodos de diagnóstico para o novo vírus. Com o aumento de
casos a serem testados, espera-se um aumento do número de casos confirmados
também”, constata Nuno Faria.
O impacto deste
novo vírus vai depender de vários factores que ainda não estão completos ou
completamente claros, incluindo a taxa de mortalidade e a sua
transmissibilidade, ou seja, a facilidade com que se propaga na população. As
actuais estimativas situam a taxa de mortalidade do 2019-nCoV abaFFixo dos 3%.
“Para contextualizar, os outros coronavírus que causaram surtos recentes como o
SARS [em 2003] e o MERS [em 2012] têm uma taxa de mortalidade bastante superior
na ordem dos 10% e 37%, respectivamente. Contudo, uma das preocupações em
relação ao novo coronavírus 2019-nCoV é maior facilidade com que se transmite
entre humanos em comparação aos seus ‘primos' SARS e MERS”, sublinha o
epidemiologista português que colabora com a OMS.
A última vez que
a OMS declarou uma emergência global de saúde pública foi em 2019 para o surto
do vírus do ébola, que ainda está em curso na República Democrática do Congo e
já matou mais de 2000 pessoas. A OMS também considerou como emergências de
saúde pública de nível internacional as seguintes epidemias: em 2016, o vírus
Zika; em 2014, o anterior surto de ébola na África Ocidental e que matou mais
de 11.000 pessoas entre 2014 e 2016; em 2014, a poliomielite; em 2009, a gripe
suína (o vírus H1N1).
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