quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Coronavirus explained... and the biggest myths debunked




Coronavírus: OMS declara emergência global de saúde pública

Há mais de 8200 casos confirmados de infecções pelo novo coronavírus que foi identificado em Dezembro na China. Apesar de ainda não existir registo de qualquer morte fora do território chinês, o vírus já alastrou a outros 18 países.

Andrea Cunha Freitas 30 de Janeiro de 2020, 19:37

À terceira foi de vez. Após três reuniões, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu que o surto de coronavírus  deve ser classificado como uma emergência de saúde pública de interesse internacional.  O que é que isso pode mudar em relação às várias medidas de contenção aplicadas por todo o mundo? Pouco ou quase nada. Obviamente, as autoridades de saúde não ficaram à espera da decisão da OMS para avançar com todas as medidas de controlo, sob o princípio da precaução.

O facto de o novo coronavírus ter já entrado em 18 países após a identificação do surto em Dezembro na cidade de Wuhan, na China, e a confirmação de transmissão da doença entre humanos fora do território chinês terão sido dois factores que levaram a OMS a convocar os peritos mais uma vez. O comité de emergência reuniu-se pela terceira vez no período de uma semana para discutir a necessidade de declarar uma emergência global de saúde pública. Actualmente, existem 98 casos em 18 países fora da China, incluindo 8 casos de transmissão de pessoa para pessoa em quatro países: Alemanha, Japão, Vietname e EUA.

Quando a reunião ainda estava a decorrer o “boletim” diário da OMS sobre o coronavírus nesta quinta-feira actualizava os números subindo de 15 para 18 países afectados em relação ao dia anterior. Sublinhava-se ainda que os novos casos detectados na Finlândia, Filipinas e Índia têm alguma ligação a viagens à cidade de Wuhan. No boletim, a OMS referia 7818 casos confirmados e 170 mortes. No entanto, os números actualizados ao início da noite apontavam para 8235 doentes infectados, com 171 mortos, segundo uma equipa da Universidade Johns Hopkins (nos EUA) que acompanha a situação. “Temos de recordar que não são apenas números, são pessoas”, disse o director-geral da OMS.

Invocar uma emergência de saúde pública de interesse internacional (PHEIC, na sigla em inglês) é, basicamente, o sinal mais importante que a OMS pode dar ao mundo. As regras deste processo dizem que para declarar uma PHEIC a situação em análise tem de cumprir três critérios: deve ser um acontecimento extraordinário, com um risco que represente um perigo elevado à saúde pública de outros países e que exija uma resposta internacional coordenada. É a sexta vez que a OMS recorre a este instrumento de alerta global.

 “Sejamos claros, esta declaração não é um voto de falta de confiança na China”, sublinhou Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da OMS aos jornalistas. “A nossa maior preocupação é o potencial do vírus se espalhar para países com sistemas de saúde mais frágeis”, acrescentou. O painel da OMS, presidido por Didier Houssin, da França, é composto por 16 especialistas independentes. “O principal motivo desta declaração não é o que está a acontecer na China, mas o que está acontecer noutros países”, sublinhou.

Com esta nova designação para classificar a epidemia do novo coronavírus que foi detectado em Dezembro na China, a OMS pode fazer recomendações a todos os países para controlar o surto. Algo que já começou a fazer há bastante tempo. Pode também emitir recomendações sobre viagens e vigilância de passageiros em aeroportos internacionais e outros portos de chegada. Algo que também não será necessário fazer porque muitos países já avançaram para medidas de contenção desse tipo.

 “A OMS não recomenda a restrição de viagens, as trocas comerciais e os movimentos [de pessoas] e opõe-se mesmo a todas as restrições de viagens”, afirmou o director-geral da OMS na conferência de imprensa que decorreu esta quinta-feira ao final do dia, na sede da organização, em Genebra, Suíça.

A decisão da OMS poderá ainda levar a um aumento do financiamento e recursos para conter o surto. Essa é, à primeira vista, a principal diferença que podemos constatar em relação aos últimos dias. Mas não é fácil imaginar como é que os países podem reforçar ainda mais o esforço que têm demonstrado na vigilância, detecção e acompanhamento de novos casos. Este novo coronavírus manifesta-se com uma gravidade variável, desde sintomas ligeiros semelhantes a uma gripe ou constipação até sintomas mais graves como a pneumonia (entre os 7818 infectados há 1370 num situação considerada grave). O período de incubação varia entre dois e 12 dias

O dinheiro poderá servir para impor mais medidas no terreno, mas também para investir na “máquina” científica que está a trabalhar neste campo desde muito cedo. O primeiro genoma do vírus foi partilhado pela equipa da China com a comunidade internacional no início deste mês. Esta quinta-feira, mais uma vez, o director-geral da OMS elogiou a China pela colaboração em todo o processo. “Já teríamos visto muitos outros casos fora da China - e provavelmente mortes - se não fossem os esforços do governo e o progresso que eles fizeram para proteger a população da China e de todo o mundo.”

“A única maneira de derrotar este surto é com todos os países a trabalhar juntos em um espírito de solidariedade e cooperação”, concluiu Tedros Adhanom Ghebreyesus deixando ainda o aviso em tom de apelo: “Este é o momento dos factos, não do medo. Este é o momento da ciência, não de rumores. Este é o momento da solidariedade, não do estigma.”

Será com a cooperação entre todos os países que será possível reduzir o número de pessoas infectadas. E essa é a chave para travar a epidemia, diz ao PÚBLICO Nuno Faria, professor associado em epidemiologia genómica da Universidade de Oxford, Reino Unido. Assim, prossegue, “há duas maneiras de conseguir reduzir o número de pessoas infectadas”. “Uma é através de vacinas e tratamento, que infelizmente ainda não estão disponíveis para o novo vírus. Embora já existam equipas na China continental, Estados Unidos e Hong Kong, a trabalhar numa vacina vai demorar algum tempo até termos uma vacina eficaz. A outra envolve controlo da epidemia através de uma serie de intervenções que visam reduzir o contacto entre pessoas infectadas e pessoas ainda susceptíveis ao novo vírus.”

A Aliança para Inovações de Prontidão para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês) anunciou pouco tempo depois que três diferentes equipas de investigação estão a tentar desenvolver vacinas contra o novo coronavírus. O objectivo é que comecem em Junho os ensaios clínicos para, pelo menos, uma das vacinas.

As equipas de investigação terão diferentes abordagens: uma será liderada pela empresa farmacêutica Moderna em conjunto com o Instituto Nacional para Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA; outra pela empresa Inovio; e a terceira por uma equipa da Universidade de Queensland, na Austrália. “Não há garantias de sucesso, mas esperamos que este trabalho seja um passo significativo e importante no desenvolvimento de uma vacina para esta doença”, afirmou Richard Hatchett, director-executivo da CEPI.

A verdade é que os casos de infecção esta semana aumentaram substancialmente. Será que é um reflexo do aumento da vigilância. “Em apenas uma semana pelo menos sete universidades e instituições de saúde pública desenharam e partilharam com a comunidade novos métodos de diagnóstico para o novo vírus. Com o aumento de casos a serem testados, espera-se um aumento do número de casos confirmados também”, constata Nuno Faria.

O impacto deste novo vírus vai depender de vários factores que ainda não estão completos ou completamente claros, incluindo a taxa de mortalidade e a sua transmissibilidade, ou seja, a facilidade com que se propaga na população. As actuais estimativas situam a taxa de mortalidade do 2019-nCoV abaFFixo dos 3%. “Para contextualizar, os outros coronavírus que causaram surtos recentes como o SARS [em 2003] e o MERS [em 2012] têm uma taxa de mortalidade bastante superior na ordem dos 10% e 37%, respectivamente. Contudo, uma das preocupações em relação ao novo coronavírus 2019-nCoV é maior facilidade com que se transmite entre humanos em comparação aos seus ‘primos' SARS e MERS”, sublinha o epidemiologista português que colabora com a OMS.

A última vez que a OMS declarou uma emergência global de saúde pública foi em 2019 para o surto do vírus do ébola, que ainda está em curso na República Democrática do Congo e já matou mais de 2000 pessoas. A OMS também considerou como emergências de saúde pública de nível internacional as seguintes epidemias: em 2016, o vírus Zika; em 2014, o anterior surto de ébola na África Ocidental e que matou mais de 11.000 pessoas entre 2014 e 2016; em 2014, a poliomielite; em 2009, a gripe suína (o vírus H1N1).

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