terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Isabel dos Santos, uma herança da bancarrota



Manuel Carvalho
EDITORIAL
Isabel dos Santos, uma herança da bancarrota

Isabel dos Santos foi uma espécie de diva dos negócios lusos porque tinha dinheiro num país à beira da insolvência. Foi útil nesse tempo de privação. Reinou entre a desolação do PEC IV e da troika com a mesma naturalidade com que estatais chinesas ou importadores venezuelanos reinaram entre nós.

21 de Janeiro de 2020, 7:03

O país viveu as últimas horas algures entre o espanto e a indignação por ter dado conta que os negócios suspeitos de Isabel dos Santos chegaram com estrondo à imprensa internacional. No essencial, todos sabíamos que havia uma cortina espessa a cobrir a origem da fortuna da empresária. Todos suspeitávamos que a criação de tanta riqueza resultava de um regime cleptocrático.

Há muito que se falava sobre a total ausência de uma discussão ética sobre os seus enormes investimentos na economia portuguesa. O confisco das participações da empresária em Angola, decidida pelos tribunais por suspeita de corrupção, tornaram essas dúvidas e suspeitas em quase certezas.

As investigações jornalísticas reveladas por estes dias transformam o seu império económico num paraíso de dinheiro sujo supostamente obtido através da mais abjecta forma de corrupção: a que extrai riqueza de um país paupérrimo em favor de uma clique de privilegiados.

Este avanço quase esperado obriga a que Portugal reflicta agora sobre a facilidade com que Isabel dos Santos prosperou entre nós. Logo no princípio da sua ofensiva em Portugal era já possível suspeitar que a sua fortuna se associava a privilégios políticos.

Não se podia provar qualquer ilegalidade, mas não era difícil adivinhar que a origem do seu capital violava critérios de transparência que se exigem em países democráticos onde impera o estado de direito. Isabel dos Santos aproveitou essa condescendência para comprar, vender e reforçar o seu poder e estatuto.

Talvez o pudesse fazer na mesma escala no Reino Unido ou na Alemanha. Mas dificilmente o faria com tão pouco escrutínio – só o governador do Banco de Portugal questionou a sua idoneidade para impedir a sua nomeação no Eurobic.

Isabel dos Santos foi uma espécie de diva dos negócios lusos porque tinha dinheiro num país à beira da insolvência. Foi útil nesse tempo de privação. Reinou entre a desolação do PEC IV e da troika com a mesma naturalidade com que estatais chinesas ou importadores venezuelanos reinaram entre nós.

Se é compreensível que tantos empresários lhe tenham aberto as portas, (porque de facto as suspeitas de patrocínio político tinham palco em Luanda e porque entre nós nada indicava, como nada indica, práticas suspeitas de ilegalidade) é porque nesses dias de chumbo até quem tinha kwanzas era rei.

Essa é a grande lição a tirar desta história de final incerto: a fragilidade financeira do país abriu portas a todos os pesadelos. Prova-se uma vez que um país pobre jamais pode ser exigente.

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