EDITORIAL
Joacine deu um
pontapé no estaminé do Livre
A explosão
mediática da deputada foi o hara-kiri em directo do partido. O Livre, graças a
Joacine, acabou por dar um pontapé no seu próprio estaminé. Joacine é maior do
que o Livre
AMÍLCAR CORREIA
18 de Janeiro de
2020, 20:51
Os níveis de
confiança no Livre registaram os índices mais baixos; os níveis de confusão e
de guerrilha os mais elevados. O congresso adiou a votação da proposta de
retirada de confiança política à sua única deputada no Parlamento, de modo a
que a decisão final seja tomada pelos órgãos dirigentes que vierem a ser
eleitos neste domingo, não se sabendo quando tal ocorrerá. As acusações que a
assembleia do partido fez a Joacine Katar Moreira são demasiado graves e dão
conta da total divergência de posições, de estratégia e de comunicação.
E a estridência
da resposta da deputada roça a soberba e a gritaria: classificou o seu trabalho
parlamentar como de excelência, não renunciou ao lugar, apesar da forte
contestação a que é sujeita, proclamou que “até agora” não fez “nada de
errado”, e afirmou que a sua utilidade para o partido residia na subvenção que
o Livre recebe do Estado (quando esta resulta dos votos a nível nacional e não
do círculo de Lisboa). O Livre até teve mais votos nas europeias do que nas
legislativas.
As divisões são
tantas e tão violentas, a ponto de a deputada ter repetido as palavras
“mentira” e “vergonha” várias vezes, que torna-se impossível qualquer relação
política de confiança entre Joacine e o partido. Como dizia uma militante, há
casos em que a melhor terapia de casal é o divórcio.
Tudo parece encaminhar-se
para que a deputada se mantenha na Assembleia da República, ora tolerada pelo
Livre, ora como deputada não-inscrita, embora ainda com menos tempo para se
fazer ouvir. Se Joacine se queixa de a tentarem calar, a sua manutenção como
deputada sem representação partidária equivale à mudez.
Na prática, o
partido recuou na votação da proposta, depois das intervenções de Ricardo Sá
Fernandes e Rui Tavares, numa missão digna dos capacetes azuis, como a
assembleia já tinha feito em Dezembro passado em outro pico do conflito, o que
permite a Joacine uma meia vitória. Joacine não só enfrentou sozinha todo o
congresso, obtendo um tempo de antena desproporcional face à dimensão do Livre,
como se manteve intransigente quanto à sua continuidade no Parlamento, por
razões que não são as mesmas pelas quais foi eleita: o programa do partido.
A explosão
mediática da deputada foi o hara kiri em directo do partido. O Livre, graças a
Joacine, acabou por dar um pontapé no seu próprio estaminé. Joacine é
maior do que o Livre.
Rui Tavares: “Uma
coisa é gritar ‘mentira’, outra coisa é refutar”
Rui Tavares
afirma que a assembleia do Livre fez inúmeros contactos e tentativas para
cessar os conflitos, sem sucesso.
Liliana Borges
Liliana Borges 19
de Janeiro de 2020, 0:45
“As pessoas falam
efusivamente quando não conseguem calmamente refutar os factos.” Foi assim que
Rui Tavares resumiu o primeiro dia de congresso do partido, marcado pela tensão
e confronto entre a direcção do Livre e da deputada Joacine Katar Moreira, a quem
a assembleia que agora cessa funções propõe retirar a confiança política. O
fundador do Livre fez um balanço na RTP3 do primeiro dia do IX congresso do
partido e falou dos conflitos internos do partido, que se arrastam praticamente
desde as eleições.
No espaço de
comentário televisivo, Rui Tavares notou que até à data do congresso não foi
apresentado nada que “contrariasse” os factos relatados pela assembleia do
partido e sublinhou que “houve oportunidade para isso”. “Uma coisa é eu gritar
que algo é mentira, outra coisa é eu explicar por que digo que é mentira, é
refutar”, disse.
“Praticamente
todos os membros que falaram estavam imbuídos da seriedade que exige um momento
daqueles e a tentar limitar os danos de uma ruptura de confiança entre partido e
deputada”, assinalou. “Do lado da Joacine há uma resposta que é enfática ao
nível dos decibéis, mas escassa ao nível das respostas concretas”, afirmou Rui
Tavares.
Para o fundador
do Livre, a entrega aos órgãos a eleger neste domingo da palavra final sobre a
manutenção da confiança política em Joacine dá mais legitimidade à decisão. No
entanto, ressalva que este deve ser uma decisão tomada a curto prazo. “Um
congresso não é uma sala de audiências e não é um lugar adequado para concluir
este processo”, disse. “O Livre não pode esperar mais e, acima de tudo, o país
precisa que os partidos honrem a política em Portugal. E o que se está a
passar, infelizmente, dizemo-lo com dor na alma, não está a honrar a política
em Portugal”, afirmou Rui Tavares, pedindo celeridade no processo.
Reconhecendo que
“este é um tema evidentemente muito difícil para um partido que lutou muito
para chegar à representação parlamentar”, Rui Tavares ressalvou, como já tinha
feito no congresso, que “ao contrário a qualquer outro partido” que conheça em
Portugal, o Livre, “quando as coisas não estão a correr bem, tem a integridade
de dizer publicamente que as coisas não estão a correr bem”. “Não varre para
debaixo do tapete”, disse.
Para sublinhar a
importância da unanimidade neste assunto, o historiador sublinhou que, ao
contrário de outros partidos, a assembleia do Livre não é eleita por lista. “A
assembleia é eleita por membros que se propõem individualmente. Por isso,
conseguir unanimidade num órgão destes é muito mais difícil”, notou.
E foi essa
unanimidade que foi logo conquistada ainda em Novembro, numa primeira resolução
da assembleia sobre os conflitos entre a direcção e a deputada eleita. “Havia
uma série de exigências mínimas de colaboração com órgãos do partido, da
assembleia e da própria direcção do partido que não estavam a ser cumpridas. E
depois a assembleia faz uma reavaliação, porque ia haver um congresso e ia
encerrar o mandato, volta a olhar para essa resolução e verifica que essa
resolução está a ser incumprida também.”
E dá exemplos.
“Ter havido uma reunião com o Governo que não foi comunicada à direcção do
partido, apesar de a direcção do partido ter pedido para participar, como seria
normal. Desde as eleições que se determinou a equipa que negociaria com o
Governo - por exemplo, no Orçamento teria elementos da direcção”, afirmou.
Recorde-se que, na primeira reunião do Livre com o Governo, representaram o
partido, além de Joacine Katar Moreira, os membros da direcção cessante Carlos
Teixeira, Patrícia Gonçalves, Pedro Mendonça, Isabel Mendes Lopes e Paulo Velez
Muacho.
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