Rui Tavares: “Um partido pode viver sem uma pessoa, não pode viver sem princípios”
As próximas
semanas serão determinantes para concluir o processo de retirada de confiança
política a Joacine Katar Moreira. A “vitória expressiva” da direcção e da
recondução da assembleia deu uma nova força aos membros que querem cortar com a
deputada.
Liliana Borges
(texto) e Daniel Rocha (Fotografia) 20 de Janeiro de 2020, 7:34
Ainda que tenha
sido adiada, a retirada de confiança política a Joacine Katar Moreira deverá
mesmo ser inevitável. À saída do IX Congresso do Livre, Rui Tavares afirmou que
aquilo que norteia o partido que ajudou a fundar “são as ideias de um partido
democrático" e vinca que o Livre “pode viver sem uma pessoa ou outra
pessoa, mas não pode viver sem os seus princípios”. Joacine Katar Moreira, que
neste domingo não subiu à tribuna, diz que está disposta a fazer cedências, mas
os dirigentes não acreditam em milagres. Agora é uma questão de semanas até o
processo iniciado pela anterior assembleia ficar concluído.
Depois de um
primeiro dia forte em palavras, o segundo e último dia do congresso foi um dia
de números. Este domingo, os membros do Livre elegeram os novos órgãos que
durante os próximos dois anos conduzirão o partido. O horizonte é longínquo,
mas o maior desafio está já aí: a assembleia eleita irá ser responsável pela
avaliação da proposta de retirada de confiança política a Joacine Katar
Moreira. A data ainda não está marcada, mas já se fazem contas aos votos que
determinarão a decisão.
Enquanto ainda se
arrumam as cadeiras do congresso, discute-se aritmética política: dos 43
membros eleitos, quantos irão votar ao lado da direcção do partido? E quem dos
novos membros irá querer manter a confiança política na primeira deputada
parlamentar eleita pelo Livre?
Sabe-se que 27
membros são reconduzidos da anterior assembleia (que aprovou por unanimidade a
resolução para retirada de confiança política) ou chegam da direcção e conselho
de jurisdição, dois órgãos com um historial de conflitos com a deputada única
eleita. O voto a favor da retirada de confiança política deverá estar garantido
por parte dos membros reeleitos, sendo que alguns assumiram na declaração de
candidatura a sua insatisfação com a sua representação parlamentar. Não
obstante, Joacine Katar Moreira poderá ter alguma margem, graças aos novos
membros eleitos, entre os quais se contam algumas (ainda que poucas) vozes
defensoras da deputada.
Para cada conta
que se faz, os dirigentes e membros reeleitos reforçam a sua mensagem política
e de balanço do congresso com uma palavra: “continuidade”.
É que, ainda
assim, são mais as caras que se mantêm do que aquelas que saem e é essa imagem
de estabilidade que o Livre quer transmitir. A excepção da concordância foi
para o conselho de jurisdição, que acabou por reunir menos consenso do que a
direcção. À semelhança do grupo de contacto, o conselho de jurisdição tinha
apenas uma lista a concorrer. Dos 109 votos reunidos, apenas 66 foram a favor
da lista liderada por Ricardo Sá Fernandes, o homem a que no dia anterior
tinham chamado o “salvador” da manhã. O advogado e membro do conselho de
jurisdição foi a voz que se insurgiu contra a retirada de confiança política em
pleno congresso e defendeu que a decisão fosse enviada para a assembleia a
eleger.
Mas apesar de a
decisão ter sido adiada - e de Joacine Katar Moreira afirmar que ainda acredita
num entendimento -, o partido já deixou claro que está disposto a abdicar da
representação parlamentar, por não considerar que a mensagem e trabalho do
Livre estejam a ser eficazes. E nem o optimismo de Katar Moreira convence os
mais crentes.
Eleitos com 95
votos a favor e 15 votos em branco, os novos dirigentes do Livre reconhecem que
“os próximos dois anos serão difíceis”, mas lembram que “o Livre nunca teve uma
vida fácil”. Dos 15 membros eleitos, sete transitam da actual direcção. É o
caso de Carlos Teixeira, que substituiria
Katar Moreira no Parlamento, caso a deputada renunciasse – algo que
esta já garantiu que não irá fazer.
No discurso de
vitória, Isabel Mendes Lopes lembrou que o Livre é um partido que renasceu “de
várias mortes anunciadas” e ainda assim continuou, resiliente. Joacine Katar Moreira,
presente na primeira fila do auditório, não bateu palmas, ao contrário da
maioria dos congressistas. Mas também não ouviu agradecimentos.
O único momento
em que a deputada atraiu os olhares mais curiosos foi quando, após o discurso
de Rui Tavares, se levantou para se sentar ao lado do fundador do Livre. Rui
Tavares ficou vermelho, não respondeu a Joacine, e sobre o momento disse apenas
ao PÚBLICO que se tratou de uma “conversa privada, feita mais para a
fotografia”. Cá fora, os dirigentes do Livre queixavam-se de uma frase
“desagradável” que a deputada teria dito a Tavares.
À saída do
congresso, Joacine Katar Moreira afirmou que, daqui para a frente, as partes
vão necessitar de conversar e encontrar-se “imensamente” e “regularmente”, para
decidir “o que é preciso alterar, o que se pode melhorar” e diz que está
disposta a fazer “cedências”. Quais? Não concretiza. Mas para a nova direcção
do partido, será preciso “um milagre” para o Livre não retirar a confiança
política à deputada: “Sim, só um milagre”, respondeu Pedro Mendonça, um dos
membros da antiga direcção que transita para a nova direcção eleita.
Também para Rui
Tavares, os resultados das eleições mostram que o afastamento de Joacine do
partido que o historiador e ex-eurodeputado ajudou a fundar é um cenário
inevitável. “O partido decidiu dar confiança aos próximos órgãos para concluir
o que vinha da assembleia anterior. A próxima assembleia saberá escolher o
melhor caminho”, conclui. E vinca que já no passado o partido deu provas de ter
“arcaboiço para esse trabalho de credibilidade permanente” e para reconstruir
essa credibilidade “onde ela precisar de ser reconstruída”.
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