OPINIÃO
José Miguel
Júdice e Isabel dos Santos
Não é possível
ter Isabel dos Santos como cliente e não pagar um preço reputacional quando o
seu império desaba de forma estrondosa. Não é possível, e ainda bem.
30 de Janeiro de
2020, 6:53
No longínquo mês
de Novembro de 2014, lá vão mais de cinco anos, escrevi neste jornal um artigo
intitulado “A nova brigada do reumático”, onde criticava três senadores do
regime que se atiravam de unhas e dentes ao governo de Passos Coelho, apesar de
oriundos da área do PSD. A minha tese (que ainda subscrevo) é que os seus
protestos advinham de a crise ter chegado aos ricos (o BES e a PT tinham-se
desmoronado) e das dificuldades que estavam a sentir para influenciar o poder
político. “Esta nova Brigada do Reumático”, escrevi, tem “uma enorme tendência
para confundir os interesses de Portugal com os seus próprios interesses e a
manutenção dos seus privilégios”.
Um dos três
senadores era José Miguel Júdice. Nesse texto, criticava-o por ter dito que boa
parte dos problemas do Grupo Espírito Santo resultavam “de a família não ter
sido devidamente paga depois de expropriada”, e recordava que ele tinha
classificado Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado como
“excelentes profissionais em qualquer parte do mundo”. Vistas a esta distância,
tais declarações envelheceram especialmente mal. Mas na altura elas já me
pareciam tão absurdas que não resisti a escrever uma frase maldosa: “José
Miguel Júdice é José Miguel Júdice, só comparável à forma como Daniel Proença
de Carvalho é Daniel Proença de Carvalho.”
A frase era
também injusta. José Miguel Júdice e Proença de Carvalho não merecem, apesar de
tudo, ser postos ao mesmo nível, e Júdice acusou o toque. Não gostou da
comparação, conversámos pessoalmente sobre isso, e fiquei convencido de que
tinha alguma razão no seu desgosto. Contudo, fiquei também convencido de que
havia nele alguma vaidade e uma certa tendência para envergar vestes lustrais
em ambientes pouco limpos, como se se achasse milagrosamente imune à poeira e
aos detritos. Aí nós divergimos: não há milagres. Não é possível classificar
Salgado e companhia como “excelentes profissionais” e não pagar por isso. Tal
como não é possível ter Isabel dos Santos como cliente e não pagar um preço
reputacional quando o seu império desaba de forma estrondosa. Não é possível, e
ainda bem.
Ouvir José Miguel
Júdice falar sobre Isabel dos Santos no seu espaço de comentário na SIC
Notícias foi duplamente irritante. Irritante, por um lado, porque ele
desmereceu a sua própria inteligência. “Estamos ainda longe de saber tudo”;
“era prudente que houvesse mais prudência”; “não podemos olhar para o passado
com os olhos do presente”; e outras tiradas que tais, foram apenas uma
manifestação de sonsice travestida de ponderação. Em Portugal, a prudência e a
defesa da presunção de inocência aumentam exponencialmente com a proximidade
entre comentadores e comentados.
Irritante, por
outro lado, porque aquela postura faz mal ao país. Júdice detesta a expressão
“advogado de negócios”, mas a reputação que a expressão ganhou não é imerecida.
Em vez de ensaiar um equilibrismo impossível, tentando defender Isabel dos
Santos ao mesmo tempo que fingia desconhecer as origens do seu dinheiro, teria
sido bem mais interessante ouvir José Miguel Júdice defender corajosamente o
direito dos grandes escritórios a serem consultores de regimes cleptocráticos,
sejam angolanos, chineses ou venezuelanos. Haverá com certeza argumentos para
isso (“o dinheiro não tem cheiro”, diziam os romanos e diz o fisco), Júdice
deve tê-los na ponta da língua, e evitava-se assim a visão deprimente de um
homem muito esperto a fazer-se passar por muito lerdo.
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