quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

José Miguel Júdice e Isabel dos Santos



OPINIÃO
José Miguel Júdice e Isabel dos Santos

Não é possível ter Isabel dos Santos como cliente e não pagar um preço reputacional quando o seu império desaba de forma estrondosa. Não é possível, e ainda bem.

30 de Janeiro de 2020, 6:53

No longínquo mês de Novembro de 2014, lá vão mais de cinco anos, escrevi neste jornal um artigo intitulado “A nova brigada do reumático”, onde criticava três senadores do regime que se atiravam de unhas e dentes ao governo de Passos Coelho, apesar de oriundos da área do PSD. A minha tese (que ainda subscrevo) é que os seus protestos advinham de a crise ter chegado aos ricos (o BES e a PT tinham-se desmoronado) e das dificuldades que estavam a sentir para influenciar o poder político. “Esta nova Brigada do Reumático”, escrevi, tem “uma enorme tendência para confundir os interesses de Portugal com os seus próprios interesses e a manutenção dos seus privilégios”.

Um dos três senadores era José Miguel Júdice. Nesse texto, criticava-o por ter dito que boa parte dos problemas do Grupo Espírito Santo resultavam “de a família não ter sido devidamente paga depois de expropriada”, e recordava que ele tinha classificado Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado como “excelentes profissionais em qualquer parte do mundo”. Vistas a esta distância, tais declarações envelheceram especialmente mal. Mas na altura elas já me pareciam tão absurdas que não resisti a escrever uma frase maldosa: “José Miguel Júdice é José Miguel Júdice, só comparável à forma como Daniel Proença de Carvalho é Daniel Proença de Carvalho.”

A frase era também injusta. José Miguel Júdice e Proença de Carvalho não merecem, apesar de tudo, ser postos ao mesmo nível, e Júdice acusou o toque. Não gostou da comparação, conversámos pessoalmente sobre isso, e fiquei convencido de que tinha alguma razão no seu desgosto. Contudo, fiquei também convencido de que havia nele alguma vaidade e uma certa tendência para envergar vestes lustrais em ambientes pouco limpos, como se se achasse milagrosamente imune à poeira e aos detritos. Aí nós divergimos: não há milagres. Não é possível classificar Salgado e companhia como “excelentes profissionais” e não pagar por isso. Tal como não é possível ter Isabel dos Santos como cliente e não pagar um preço reputacional quando o seu império desaba de forma estrondosa. Não é possível, e ainda bem.

Ouvir José Miguel Júdice falar sobre Isabel dos Santos no seu espaço de comentário na SIC Notícias foi duplamente irritante. Irritante, por um lado, porque ele desmereceu a sua própria inteligência. “Estamos ainda longe de saber tudo”; “era prudente que houvesse mais prudência”; “não podemos olhar para o passado com os olhos do presente”; e outras tiradas que tais, foram apenas uma manifestação de sonsice travestida de ponderação. Em Portugal, a prudência e a defesa da presunção de inocência aumentam exponencialmente com a proximidade entre comentadores e comentados.

Irritante, por outro lado, porque aquela postura faz mal ao país. Júdice detesta a expressão “advogado de negócios”, mas a reputação que a expressão ganhou não é imerecida. Em vez de ensaiar um equilibrismo impossível, tentando defender Isabel dos Santos ao mesmo tempo que fingia desconhecer as origens do seu dinheiro, teria sido bem mais interessante ouvir José Miguel Júdice defender corajosamente o direito dos grandes escritórios a serem consultores de regimes cleptocráticos, sejam angolanos, chineses ou venezuelanos. Haverá com certeza argumentos para isso (“o dinheiro não tem cheiro”, diziam os romanos e diz o fisco), Júdice deve tê-los na ponta da língua, e evitava-se assim a visão deprimente de um homem muito esperto a fazer-se passar por muito lerdo.

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