Governo mexe no
“eldorado fiscal” e impõe IRS de 10% às pensões do estrangeiro
Sob críticas da Finlândia e a Suécia, Governo acaba com a isenção de IRS para pensionistas. Actuais beneficiários ficam a salvo das mudanças.
Internamente, o
Bloco de Esquerda tem-se posicionado contra o RNH, tendo no ano passado
proposto o fim deste programa.
Pedro Crisóstomo
Pedro Crisóstomo
27 de Janeiro de 2020, 20:51
Lançado para
atrair investimento, o regime dos residentes não habituais foi lançado em 2009
O Governo de
António Costa decidiu alterar uma parte das regras do regime fiscal dos
residentes não habituais (RNH), contestado por alguns países europeus como a
Finlândia e a Suécia, por garantir uma isenção de IRS aos pensionistas que
decidem sair dos seus países para passarem a viver em Portugal – ou pelo menos
uma boa parte do ano.
As mudanças
surgem pela mão do PS numa proposta de alteração à Orçamento do Estado para
2020 apresentada nesta segunda-feira no Parlamento.
A partir de
agora, em vez de existir uma isenção total do imposto para os reformados que se
inscrevem no RNH, os reformados que se mudem para o território português serão
tributados em 10% sobre as pensões pagas pelo seu país de origem (a taxa de IRS
é fixa, portanto, será a mesma para um rendimento alto ou um rendimento médio,
por exemplo).
A taxa de 10%
vigorará para os novos aderentes ao regime. Quem já é residente não habitual –
ou seja, quem beneficia da actual isenção de IRS (0%) — e quem se inscreva até
à entrada em vigor do novo regime continuará a beneficiar desta vantagem até ao
fim dos dez anos de duração do incentivo fiscal.
Mas, para
prevenir litígios, os actuais beneficiários, caso assim o queiram, poderão,
entretanto, aderir às regras mais recentes (se lhes for vantajoso nos casos em
que os seus países de origem têm poderes para os tributar, como é o caso da Finlândia).
Na proposta de
alteração, o PS explica: “Elimina-se a isenção total de tributação dos
rendimentos de pensões obtidos no estrangeiro por residentes não habituais,
passando a exigir-se a aplicação de uma taxa de 10%, sem prejuízo de opção pelo
englobamento e da eliminação da dupla tributação internacional.”
Lançado em 2009
para atrair investimento estrangeiro, o regime tem motivado descontentamento
noutros países europeus. E com Bruxelas atenta às distorções que o RNH gera
entre pensionistas, o Governo procura responder a parte das críticas de que o
regime é alvo: o facto de alguns pensionistas estrangeiros (com pensões obtidas
no exterior) ficarem completamente isentos de IRS tanto em Portugal como nos
seus países de origem, ao mesmo tempo em que os pensionistas a viver nos seus
países são tributados segundo as regras normais e os reformados com pensões
obtidas em Portugal são tributados nos termos gerais através de taxas de IRS
progressivas que vão até 48%.
A criação da taxa
fixa de 10%, em contraste com as taxas progressivas, não faz desaparecer essas
distorções.
Foi sobretudo a
partir de 2014 que o regime, ao começou a ganhar mais adeptos, passou também a
suscitar mais críticas de alguns países da União Europeia (UE), com a Suécia e
a Finlândia sobretudo a questionarem o facto de este ser um instrumento de
captação de receita e de concorrência fiscal.
Estocolmo forçou
Lisboa a renegociar uma convenção fiscal para eliminar casos em que os
reformados ficavam fiscalmente em terra-de-ninguém. E Helsínquia, que tomara a
dianteira na negociação de um novo acordo fiscal, chegou mesmo a rasgar um
acordo anterior vendo que o Governo de Costa não dava seguimento interno para o
Parlamento português ratificar o novo texto.
Mas não é apenas
fora de portas que o regime gera críticas. Ana Gomes, ex-parlamentar do PS,
chamou-lhe um “esquema de dumping fiscal” e, quando era eurodeputada, pediu à
Comissão Europeia que investigasse o regime por o considerar uma “grosseira
injustiça para com os contribuintes portugueses e uma deslealdade para com
outros Estados-Membros da União”, ao mesmo tempo em que, associado aos vistos
gold, dizia, ajudava à criação de “uma bolha especulativa no sector
imobiliário”.
A missiva levou o
então comissário europeu dos assuntos económicos e financeiros, Pierre
Moscovici, a revelar que Bruxelas estava a “analisar cuidadosamente as
políticas fiscais dos Estados-membros no quadro do Semestre Europeu, para
assegurar que os regimes fiscais ou as práticas de um país não têm efeitos
prejudiciais noutros países da União Europeia”.
Em relação aos trabalhadores-beneficiários
do RNH que têm uma profissão de “elevado valor acrescentado” (médicos,
engenheiros, músicos, agricultores ou gestores de empresas, por exemplo), o
Governo também já tinha introduzido alterações ao regime, mas relativamente à
forma como o fisco controla se os beneficiários exercem uma das actividades que
permitem beneficiar do incentivo.
tp.ocilbup@omotsosirc.ordep
BE quer travar
benefícios fiscais a reformados estrangeiros
Bloco de Esquerda
diz que regime de residentes não habituais é "um dos principais fatores de
especulação imobiliária" e quer alterações no próximo Orçamento do Estado
Susete Francisco
25 Abril 2018 —
00:12
O Bloco de
Esquerda quer mexer nos benefícios fiscais atribuídos ao abrigo do regime de
residentes não habituais, uma medida que visa travar a especulação imobiliária
que se faz sentir, atualmente, em Portugal. Os bloquistas preparam-se para
levar esta exigência às negociações do Orçamento do Estado para o próximo ano.
A par deste regime fiscal, o BE quer rever também os vistos gold.
"Vamos
propor a alteração deste regime nas negociações do OE", diz ao DN o
deputado bloquista Pedro Soares, defendendo que os benefícios fiscais
atribuídos aos residentes não habituais tem sido um "um dos principais
fatores que contribui para a especulação no mercado imobiliário" - e o
mesmo é válido para os vistos gold. Os bloquistas abrem, assim, uma frente
política interna contra um regime que tem sido contestado pelo governo de
outros países, caso da Suécia e da Finlândia, que já ameaçou rasgar o acordo
fiscal com Portugal, firmado há mais de 40 anos.
O regime de
residentes não habituais permite a reformados estrangeiros não pagar IRS e
contempla uma taxa reduzida de imposto para os trabalhadores ligados a
determinadas áreas, consideradas de elevado valor (também se pode aplicar a
portugueses emigrados há mais de cinco anos). Os beneficiários têm de ter
domicílio fiscal em Portugal e passar 183 dias no país. O caso dos reformados é
o que tem levantado mais polémica, na medida em que permite uma situação de
dupla não tributação - impede o país de origem de cobrar impostos sobre as
pensões, enquanto atribui isenção de IRS em Portugal. Um privilégio fiscal que
o BE quer agora alterar. Em que medida, é uma questão que ainda não está fechada.
Ao que o DN
apurou, a revisão do regime de residentes não habituais é uma medida que conta
com adeptos no interior do próprio governo. E ontem foi, aliás, um deputado
socialista, Luís Vilhena, a perguntar ao ministro do Ambiente, numa audição no
parlamento, se não será altura de redirecionar os benefícios que são dados no
âmbito deste regime. Ficou sem resposta de João Pedro Matos Fernandes.
Se a possível
revisão deste regime fica remetida para o Orçamento de 2019, o BE vai avançar
já esta semana com outras três propostas em matéria de habitação e combate à
especulação imobiliária. Um dos projetos visa fixar a duração dos contratos de
arrendamento nos cinco anos e impor que a saída seja comunicada ao inquilino
com dois anos de antecedência. Um segundo pretende alterar o Código Civil
quanto ao regime do direito de preferência, que o BE diz estar a ser
"contornado por empresas que vendem as casas "em pacote"",
impossibilitando que os inquilinos possam exercer o direito de preferência
sobre os imóveis; e um terceiro pretende retirar o investimento em habitação
dos limites de endividamento das autarquias.
Esquerda quer
mais medidas
As três propostas
do BE somam-se a duas iniciativas já apresentadas pelo PCP, uma das quais - a
revogação do atual regime do arrendamento urbano - está agendada já para a
próxima semana. São cinco propostas das bancadas da esquerda, que dão corpo à
posição assumida ontem pelos dois partidos numa audição parlamentar com o
ministro do Ambiente: as medidas avançadas pelo executivo não chegam, na medida
em que não dão uma resposta imediata aos problemas da habitação. A discussão à
esquerda começa agora - não houve negociação prévia do executivo com os
partidos que sustentam o governo.
Para a deputada
do PCP Paula Santos o governo "não rompe com a financeirização da
habitação" e não dá resposta à "urgência de travar os despejos".
"Vivemos uma situação crítica, é preciso enfrentar esta situação de
emergência", defendeu também Pedro Soares. Ao DN, Paula Santos reitera que
o governo "não rompe com os interesses especulativos e dos grupos
financeiros" no setor da habitação, defendendo "uma intervenção
direta do Estado" neste setor - a começar pela revogação do novo regime do
arrendamento urbano, que apelida de "lei dos despejos". Já quanto às
propostas do governo, a deputada comunista remete uma posição para o futuro, na
medida em que não existem ainda propostas concretas. O mesmo diz Pedro Soares,
do BE.
PSD antecipa
"efeitos desastrosos"
Já o PSD
antecipou ontem "efeitos verdadeiramente desastrosos" no mercado de
arrendamento, em consequência da Nova Geração de Políticas de Habitação,
anunciada na última segunda-feira pelo governo. Para Jorge Paulo Oliveira,
coordenador dos sociais-democratas na comissão parlamentar de Ambiente, as
medidas avançadas pelo executivo representam um "regresso ao congelamento
das rendas" e aos "contratos vitalícios", além de constituírem
uma "mudanças nas regras, com o jogo já em movimento". João Pedro
Matos Fernandes devolveu as críticas, acusando os sociais-democratas de
insensibilidade social.
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