Apesar de
Ventura. Livre discute mesmo rutura com Joacine
A Assembleia do
Livre vai mesmo discutir - e provavelmente votar - a resolução onde se consuma
a rutura entre o partido e a sua deputada única eleita, Joacine Katar Moreira.
Saiba todas as (20) acusações.
João Pedro
Henriques
30 Janeiro 2020 —
19:05
A discussão está
marcada para se iniciar às 20h00, na sede nacional do Livre, em Lisboa. Se
Joacine irá ou não continua em dúvida - mas a direção está convicta de três
coisas: que a deputada sabe que a sua presença foi requerida; que a deputada
sabe hora e sítio; e que a deputada sabe o objeto da reunião.
Eis então a parte
resolutiva do texto que estará em discussão, prevendo-se que vá a votos:
"Considerando que a eleição para a Assembleia da República de uma
representante do LIVRE é uma responsabilidade que transcende a Deputada eleita,
e porque não se vislumbra da parte da Deputada, Joacine Katar Moreira, qualquer
vontade em entender a gravidade da sua postura, nem intenção de a alterar, a
Assembleia do LIVRE delibera retirar a confiança política à Deputada, pelo que
deixa de reconhecer o exercício do seu mandato como sendo exercido em
representação do LIVRE."
Podendo acontecer
retoques no texto final, tudo aponta para que a decisão final seja mesmo a de
retirar a confiança à deputada. Esta passará então a deputada independente e o
partido perderá a representação que tem no Parlamento. Joacine já disse que não
renunciará ao mandato. A resolução foi feita pela Assembleia que
"reinava" antes do congresso de 17 e 18 de fevereiro passado - onde o
caso foi tema único e Joacine contestou, fora de si, as acusações de que é alvo
pela direção do partido.
A composição
dessa Assembleia mudou no congresso, com a eleição de uma nova. No congresso
foi deliberado passar o assunto para a reunião desta noite. Dos 42 membros, 21
vêm da anterior Assembleia e os restantes são novos. Mas não se duvida que a
corrente que defende a rutura com a deputada se mantém fortemente maioritária.
Para a reunião desta noite estão convidados também os membros do Grupo de
Contacto (direção executiva) e do Conselho de Jurisdição (CJ), que podem falar
mas não têm direito a voto.
O presidente do
CJ, o advogado Ricardo Sá Fernandes, tem sido das poucas vozes internas a
defender que ainda há um caminho de reconciliação.
A reunião desta
noite será à porta fechada - os dirigentes do partido acham que o congresso já
foi um espetáculo suficientemente mau e não querem mais.
Todas as (20)
acusações
1. "Reduzida
comunicação com o GC [Grupo de Contacto, ou seja, a direção executiva do
partido] no que concerne às negociações com o Governo relativas ao Orçamento
Geral do Estado 2020, doravante designado por OGE 2020, e no desinteresse
demonstrado no trabalho preparatório desenvolvido pelos Círculos Temáticos na
preparação das propostas do LIVRE relativas ao OGE 2020."
2. "A
deputada não foi recetiva e ignorou o apoio técnico disponibilizado pelo
partido para elaboração e apresentação de iniciativas legislativas,
nomeadamente na proposta da Lei da Nacionalidade, da qual o GC só teve
conhecimento no próprio dia de entrega na Assembleia da República."
3. "A
deputada não comunica pessoalmente com nenhum outro membro do GC, sendo os
contactos realizados por meio do seu gabinete parlamentar."
4. "A
deputada nunca explicou à Assembleia as razões para esse corte de comunicação,
que foi unilateral e contribuiu para a crise, tornada pública, em torno da
abstenção no voto n.º 54/XIV/1.ª, apresentado pelo PCP sob o título "De
condenação da nova agressão israelita a Gaza e da declaração da Administração
Trump sobre os colonatos israelitas."
5. "A
Deputada desrespeitou o compromisso institucional, assumido previamente pelo
Grupo do Contacto, em relação à composição da comitiva que representaria o
partido numa reunião de alto nível e não se mostrou disponível para a
preparação desta reunião, nem para a construção de uma mensagem pública
convergente sobre a mesma."
6. "O GC
propôs uma forma de articulação semanal que foi rejeitada pela deputada com a
justificação que a articulação se faria nas reuniões semanais do GC. Não
obstante, a deputada não esteve presente nas reuniões subsequentes, nem indicou
justificação para essa ausência."
7. "Não
comparência da deputada ou de qualquer elemento do gabinete parlamentar, em sua
representação, na reunião agendada pela Assembleia do Livre (Grupo de Trabalho
Programa) para articulação de trabalho sobre o OGE 2020, para a qual foram
convocadas todas as estruturas envolvidas na preparação deste trabalho,
nomeadamente o GC e os Círculos Temáticos Esquerda, Europa, Liberdade, e
Ecologia."
8. "Falta de
contributos apresentados pela deputada sobre o OGE 2020 na 42ª Assembleia, que
tinha este assunto como ponto da ordem de trabalhos."
9. "A
deputada comprometeu, reiteradamente, processos de escrutínio democrático por
parte da Assembleia." Um dos exemplos: "Uma reunião realizada entre a
deputada e o Governo, sobre a negociação para o OGE 2020, da qual o GC só teve
conhecimento no dia seguinte, apesar de ter reiteradamente solicitado a
marcação desta reunião e indicado o interesse em estar presente, como havia
estado em ocasiões anteriores. Quando interrogada sobre o teor da reunião em
questão por membros da Assembleia respondeu sobre o processo de marcação da
mesma, recusando desenvolver as propostas concretas que foram discutidas nessa
reunião."
10. "Na 39ª
Assembleia, em plena crise política no partido, afirmou que teria de se
ausentar mais cedo por motivos de deslocação em trabalho. Quando lhe foram
oferecidas várias soluções alternativas de transporte recusou e ausentou-se,
não ouvindo, nem respondendo às questões preparadas por diversos membros da
Assembleia."
11. "Na 40ª
Assembleia, a deputada impôs previamente um limite temporal para a sua
participação na Assembleia (duas horas), padrão de comportamento reiterado em
todas as Assembleias em que esteve presente, condicionando a possibilidade de
diálogo e debate sobre os assuntos em discussão."
12. "A
deputada sabotou repetidamente a primeira competência estatutária da Assembleia
do Livre, que é a definição da ação politica e estratégica do partido, quer
pelos seus processos de trabalho, quer pelo seu relacionamento com a
Assembleia, em relação à qual recusa partilhar informação, dar conta das
obrigações e tempos da Assembleia da República ou cooperar para atingir
objetivos e propostas políticas comuns."
13. "Na 40ª
Assembleia, lançou um ultimato relativo à presença de uma assessora na reunião
de caráter reservado, recusando-se a estar presente se não pudesse estar
acompanhada pela mesma.
14. "Ainda
na 40ª Assembleia, a deputada recusou expressamente ouvir a intervenção de um
dos membros da Assembleia, ausentando-se da sala durante essa
intervenção."
15. "A
deputada insurgiu-se, repetidamente, contra vários membros que participavam dos
trabalhos [da 40ª Assembleia], quebrando a cultura de respeito mútuo e de
urbanidade que norteia o partido, recusou assumir as consequências das suas
ações e omissões, e responsabilizar-se pelas mesmas, perante a
Assembleia."
16. "Na 42ª
Assembleia, a deputada recusou, num primeiro momento, apresentar a sua
avaliação política do OGE 2020 e quando a Mesa lhe explicou a importância de a
Assembleia ouvir a deputada para decidir sobre os seus posicionamentos
políticos, a deputada saiu da Assembleia sem justificação. Após o seu regresso,
a deputada fez algumas considerações políticas gerais, mas não deu conta da sua
avaliação política sobre este OGE, nem do consequente sentido de voto."
17. "Não
mostrou disponibilidade e abertura para trabalhar com os órgãos do partido com
vista a uma prestação política positiva no OGE 2020 e para o qual muito foi
produzido, através de trabalho anterior e atual desenvolvido pelos Círculos
Temáticos, pela Assembleia, pelo GC, através de moções específicas apresentadas
em Congressos, comunicados e programas eleitorais, e por muitos outros
contributos de membros e apoiantes do partido."
Por outro lado,
"em vários momentos da atual legislatura, a deputada cometeu erros
políticos que seriam evitáveis com uma relação colaborativa com os outros
órgãos e estruturas do partido e, de forma mais geral, a quantidade e qualidade
das iniciativas parlamentares do partido, assim como a coerência dos seus
sentidos de voto, sofreu com a ausência dessa relação". Exemplos:
18. "O
chumbo da Lei da Nacionalidade, sem pedido para baixar à especialidade, que se
deveu à completa falta de coordenação com os órgãos do partido na sua produção
e que tornou o LIVRE irrelevante na discussão parlamentar sobre um dos seus
principais compromissos eleitorais."
19. "A falta
de preparação revelada nas intervenções no plenário e nas comissões
parlamentares em relação à matéria em discussão, designadamente nas
intervenções no debate sobre o OGE 2020 e na Comissão de Ambiente, Ordenamento
do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, na interpelação ao
Ministro do Ambiente e da Transição Energética sobre a mineração de Lítio,
quando muito trabalho específico sobre este temas foi realizado no partido com
o conhecimento da Deputada"
20. "A
recusa em declarar (pela sua voz ou do partido) o sentido de voto do LIVRE no
OGE 2020 antes da votação na generalidade, contra o conselho do GC. O facto de
a explicação do sentido de voto ter sido pública já após a votação constituiu
mais uma oportunidade perdida de afirmação dos posicionamentos e propostas
políticas do Livre."
Em suma...
Na resolução que
hoje estará em discussão, o partido diz que "respeitou sempre a autonomia
da deputada Joacine Katar Moreira". Contudo, também afirma que "existe
uma diferença fundamental entre autonomia e desresponsabilização, diferença
essa que a deputada não tem respeitado".
"Joacine
Katar Moreira não exerce o seu mandato como independente: não só foi eleita nas
listas do Livre, como é membro do partido e até da sua direção, e está na
Assembleia da República também nessa qualidade"
"Joacine
Katar Moreira não exerce o seu mandato como independente: não só foi eleita nas
listas do Livre, como é membro do partido e até da sua direção, e está na
Assembleia da República também nessa qualidade".
Todavia, a sua
relação com os órgãos do partido "tem sido de antagonismo e polarização,
ao adotar a partir de São Bento, uma postura de constante e reiterado confronto
com estes órgãos".
Ou seja: "O
Livre respeitará sempre a autonomia dos seus eleitos e eleitas, como faz com os
demais representantes do partido, mas não poderá aceitar que estes adotem uma
atitude que tem como consequência o atropelamento dos órgãos internos, também
eles democraticamente eleitos, e dos processos colaborativos e colegiais que
caracterizam a ação política do partido."
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