EDITORIAL
As rendas
abrandam, os desafios urbanos não
Nada indica que o
turismo ou a vinda de franceses ou brasileiros para viver cá esteja a acabar. O
lado bom e o lado mau do turismo estão para ficar
MANUEL CARVALHO
15 de Janeiro de
2020, 7:03
Três anos e três
meses depois, o preço das rendas em Lisboa acusaram pela primeira vez um recuo.
Um recuo tímido, eventualmente circunstancial, insuficiente para provar uma
inversão de tendência, é certo, mas um recuo. No Porto e no país os valores são
ainda ascendentes, mas o arrefecimento do mercado das rendas na capital obriga
a que o país comece a preparar o fim de um ciclo tão esperançoso como
assustador. Esperançoso porque a elevada procura de casas nos principais
centros urbanos é um claro testemunho do recente sucesso externo do país;
assustador porque a carestia da habitação tornou a vida um inferno para
milhares de cidadãos incapazes de acompanhar o preço das rendas.
O valor das
rendas, que vinha a definhar desde o resgate externo do país, cresceu
dramaticamente depois do terceiro trimestre de 2016, quando a imagem de
Portugal no exterior começou a mudar radicalmente. O país relapso e
irresponsável que chegara à beira da falência fora capaz de superar os seus
dramas com coragem e determinação. O clima de paz social permaneceu invejável,
ao contrário de muitos outros destinos turísticos do Mediterrâneo. A
estabilidade política é exemplar. O país é apesar de tudo barato. Lisboa e
Porto são à sua maneira duas cidades magníficas. As praias do litoral são
incomparáveis. Os vestígios da História abundam e a identidade nacional é
vincada. As rendas explodiram porque de súbito Portugal apareceu aos olhos do
mundo como um lugar único para se visitar ou para viver.
Foi essa a mola
da mudança que fez disparar as rendas e a regeneração urbana. Venha o que vier,
o turismo salvou o centro das nossas cidades do marasmo e da ruína. O custo
dessa salvação para muitos milhares de pessoas está à vista. A classe média e
os jovens não têm lugar no centro das cidades. As políticas para a habitação
falharam. E depois de terem de desistir do centro, as famílias de rendimentos
baixos e médios começarão a ter dificuldades para viver nos subúrbios, para
onde a procura se está a mover. Nada indica que o turismo ou a vinda de
franceses ou brasileiros para viver cá esteja a acabar. O lado bom e o lado mau
do turismo estão para ficar.
O desafio social
que a vaga turística impõe é dramático. Vai ser necessário lidar com ele. Com
sensibilidade e bom senso. A pior forma de o encarar é culpar o turismo. O
turismo foi uma dádiva a um país em dificuldades. Se gerou problemas, que se
resolvam. Matar um factor de prosperidade nunca foi solução para os problemas
da pobreza.
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