quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

As rendas abrandam, os desafios urbanos não



EDITORIAL
As rendas abrandam, os desafios urbanos não

Nada indica que o turismo ou a vinda de franceses ou brasileiros para viver cá esteja a acabar. O lado bom e o lado mau do turismo estão para ficar

MANUEL CARVALHO
15 de Janeiro de 2020, 7:03

Três anos e três meses depois, o preço das rendas em Lisboa acusaram pela primeira vez um recuo. Um recuo tímido, eventualmente circunstancial, insuficiente para provar uma inversão de tendência, é certo, mas um recuo. No Porto e no país os valores são ainda ascendentes, mas o arrefecimento do mercado das rendas na capital obriga a que o país comece a preparar o fim de um ciclo tão esperançoso como assustador. Esperançoso porque a elevada procura de casas nos principais centros urbanos é um claro testemunho do recente sucesso externo do país; assustador porque a carestia da habitação tornou a vida um inferno para milhares de cidadãos incapazes de acompanhar o preço das rendas.

O valor das rendas, que vinha a definhar desde o resgate externo do país, cresceu dramaticamente depois do terceiro trimestre de 2016, quando a imagem de Portugal no exterior começou a mudar radicalmente. O país relapso e irresponsável que chegara à beira da falência fora capaz de superar os seus dramas com coragem e determinação. O clima de paz social permaneceu invejável, ao contrário de muitos outros destinos turísticos do Mediterrâneo. A estabilidade política é exemplar. O país é apesar de tudo barato. Lisboa e Porto são à sua maneira duas cidades magníficas. As praias do litoral são incomparáveis. Os vestígios da História abundam e a identidade nacional é vincada. As rendas explodiram porque de súbito Portugal apareceu aos olhos do mundo como um lugar único para se visitar ou para viver.

Foi essa a mola da mudança que fez disparar as rendas e a regeneração urbana. Venha o que vier, o turismo salvou o centro das nossas cidades do marasmo e da ruína. O custo dessa salvação para muitos milhares de pessoas está à vista. A classe média e os jovens não têm lugar no centro das cidades. As políticas para a habitação falharam. E depois de terem de desistir do centro, as famílias de rendimentos baixos e médios começarão a ter dificuldades para viver nos subúrbios, para onde a procura se está a mover. Nada indica que o turismo ou a vinda de franceses ou brasileiros para viver cá esteja a acabar. O lado bom e o lado mau do turismo estão para ficar. 

O desafio social que a vaga turística impõe é dramático. Vai ser necessário lidar com ele. Com sensibilidade e bom senso. A pior forma de o encarar é culpar o turismo. O turismo foi uma dádiva a um país em dificuldades. Se gerou problemas, que se resolvam. Matar um factor de prosperidade nunca foi solução para os problemas da pobreza.

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