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OPINIÃO
China: a Nova Rota
da Seda aponta ao colapso climático
Em Davos como em
Pequim, a finança sustenta a crise climática, garantindo os investimentos
catastróficos do sistema capitalista fóssil. No caso da China não existe sequer
a ficção de que são elites separadas aquelas que dominam os estados, os bancos
e as indústrias energéticas: fica tudo mais claro de perceber.
João Camargo
21 de Janeiro de
2020, 10:50
Geralmente,
quando o assunto é alterações climáticas e China, já se espera um relambório
para desculpar os Estados Unidos e a Europa das suas responsabilidades
históricas e presentes em termos de emissões. Não é este o caso. Os Estados
Unidos são o maior produtor de combustíveis fósseis do mundo e o maior
obstáculo a uma política que trave o colapso climático, enquanto a União
Europeia é uma plataforma de negócios que espelha o capitalismo mais pragmático
– fazer dinheiro com renováveis enquanto continua a fazer dinheiro com fósseis,
como se as primeiras anulassem as segundas.
Mas a China, na
sua formulação mais avançada de capitalismo de Estado, é um importantíssimo
obstáculo para uma política climática global que respeite os limites da ciência
do clima. Não só a China é actualmente o maior emissor mundial de gases com
efeito de estufa como promove uma agenda de investimento massivo em
combustíveis fósseis, chamada A Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative,
BRI). A prossecução deste plano aponta inequivocamente ao colapso climático.
A primeira
questão a levantar é a razão da existência desta BRI. Além de ser um esforço
para ocupar o espaço vazio crescentemente deixado livre pelos Estados Unidos no
mundo (especialmente desde Trump), esta iniciativa responde principalmente à
crise do capitalismo chinês. A elite económica chinesa, concentrada no Comité
Central do Partido Comunista, percebeu o risco evidente de uma crise de
sobreprodução e excessiva capacidade industrial, com crescimento massivo de
capital e enorme quantidade de mão-de-obra, procurando, para contrariar este
risco, lançar como resposta uma nova globalização, desta vez chinesa.
O BRI procura
escoar os capitais, equipamentos e mão-de-obra excedentária para a construção
de projectos energéticos, infraestruturas, portos e vias de comunicação para
países mais pobres. De algum modo similar ao Plano Marshall, a China faz
acordos com vários países, financia a construção de portos, aeroportos,
autoestradas e caminhos de ferro, centrais energéticas (fósseis e renováveis),
minas, terminais de contentores e envia os seus próprios trabalhadores e
matérias-primas para executarem estas obras massivas e instalarem novos
corredores comerciais: rotas marítimas e terrestres para escoar as suas
exportações para os seus entrepostos comerciais e portos chineses em diferentes
continentes.
Seja qual for a
retórica usada, o principal motivo para a BRI é externalizar a sobrecapacidade
industrial chinesa, enviando-a para outros países, nomeadamente os principais
países perdedores da globalização, nos quais não houve investimento para a
integração no capitalismo global: no Sul, Centro e Sudeste Asiático, África e
América Latina. Naturalmente que neste processo a China não só receberá os
proveitos do seu investimento e fornecerá o financiamento para pagar às suas
próprias empresas, como fortalecerá relações de clientelismo e abrirá rotas
comerciais, escancarando mercados frágeis aos seus produtos. Retirando lições
do colonialismo que subjugou a China à Europa, da globalização que subjugou o
mundo ao Ocidente, e aplicando-lhe o modelo capitalista chinês, a democracia e
a transparência são factores irrelevantes no estabelecimento das novas relações
bilaterais.
Desde a armadilha
da dívida (os países têm de pedir enormes empréstimos aos bancos chineses para
pagar às empresas chinesas para os trabalhadores chineses construírem os
projectos) à inutilidade de vários dos projectos na óptica dos próprios países,
os impactos ambientais e sociais negativos presentes e futuros desenham-se já.
Sobre tudo isto está ainda a realidade de que se os projectos do BRI forem para
a frente, será absolutamente impossível manter o aumento da temperatura abaixo
dos 1,5ºC ou até 2ºC até 2100. Tal como a União Europeia exportou a sua
indústria poluidora para a China e importou os seus bens, reduzindo as suas
emissões mas aumentando as emissões globais, a China prepara-se para reduzir as
suas emissões exportando as suas fábricas e centrais de carvão para países mais
pobres.
Claro que existem
importantes diferenças em relação ao expansionismo global americano,
nomeadamente a ausência de coerção militar e política directa e indirecta. Até
agora, o BRI está a fazer-se sem qualquer acordo de comércio livre e à margem
da Organização Mundial do Comércio. A China, aliás, tenta apresentar-se como um
país em desenvolvimento a fazer uma grande cooperação com os outros países em
desenvolvimento.
São os principais
bancos chineses que financiam todo este processo – estimado em 40 a 45 mil
milhões de dólares por ano: o China Development Bank, o Export-Import Bank of
China, o Industrial and Commercial Bank of China –, assim como os fundos de
investimento chineses (Silk Road Fund e China Africa Development Fund). Até
hoje, 70% de todo o investimento do BRI foi em energia, com o carvão e o gás a
dominarem. Em Davos como em Pequim, a finança sustenta a crise climática,
garantindo os investimentos catastróficos do sistema capitalista fóssil. No caso da China não existe sequer a ficção
de que são elites separadas aquelas que dominam os Estados, os bancos e as
indústrias energéticas: fica tudo mais claro de perceber.
Numa nova
demonstração da total incapacidade do capitalismo para entender a crise
climática, o capital chinês aposta no desenvolvimento de mais indústria fóssil
e da estrutura anacrónica da indústria exportadora massiva, que hoje garante
uma degradação ambiental e social sem paralelos históricos. O BRI demonstra que
é possível uma viragem gigantesca nas escolhas de investimentos, mas que sempre
que esta viragem se subjuga à lógica do lucro se tomam as escolhas erradas para
os povos e para o futuro. A competitividade e o crescimento económico são hoje
expressões máximas do capitalismo terminal.
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