segunda-feira, 8 de abril de 2013

Acórdão do TC "estreitou caminho de permanência de Portugal no euro".


Acórdão do TC "estreitou caminho de permanência de Portugal no euro"

Por Cristina Ferreira e Luís Villalobos in Público

08/04/2013

Vítor Bento Em entrevista, feita antes e depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter "chumbado" as normas do OE, o conselheiro de Estado defende que o acórdão é ideológico e dificulta a margem de afirmação de um governo democrático

Antes de o Tribunal Constitucional (TC) se ter pronunciado, disse ter esperança de que "estivesse à altura do tempo histórico em que vivemos, não pondo a ideologia dos seus membros acima de considerações institucionais e existenciais". Como recebeu a decisão do TC?

Ainda não li o acórdão e só ouvi a declaração. Tenho, portanto, um défice de informação. Assim e à primeira vista pareceu-me que a decisão é ideologicamente marcada, sugerido até pela extensão dos votos dissidentes. É favorável ao aumento de impostos até quando estes se tornam confiscatórios e é desfavorável a cortes na despesa. Está para além do jurídico (como Vital Moreira demonstrara o ano passado e já acabou de reiterar). Estreitou o espaço de gestão orçamental para qualquer governo, dificultou o processo de ajustamento e estreitou o caminho para a nossa permanência no euro.

O que achou da declaração que o primeiro-ministro fez ontem ao país?
Foi muito boa.


Como interpretou a ameaça de demissão de Passos Coelho?

Se se demitisse, haveria outro governo, porque o problema não desaparece e tem de ser resolvido. O problema verdadeiramente grave é que a decisão estreitou consideravelmente a margem de afirmação das alternativas democráticas ao impor um limite ideológico ao que é politicamente aceitável dentro do regime, mesmo que mude a Constituição.

Depois do acórdão do TC que reacção espera da troika?

A minha previsão é a de um endurecimento face a Portugal, que tenderá a ser separado da Irlanda e aproximado da Grécia.

Com o chumbo pelo TC dos cortes da despesa do Estado, onde é que o Governo vai buscar 1,3 mil milhões de euros que previa arrecadar?

A decisão do TC só deixa três portas abertas: impostos, fecho de serviços e despedimentos. Não vejo outra via.

Mais impostos parece impraticável...

Porquê? É indesejável, mas não é impraticável. Por isso digo que os decisores e as sociedades são livres de tomar as suas decisões, têm é de tomar a responsabilidade e pagar o preço. Se se chumbam certas medidas, está-se a empurrar para outras medidas. O TC também faz implicitamente a escolha de um caminho orçamental.

No seu novo livro diz que o desafio central da zona euro é criar condições para que todos partilhem o mesmo regime monetário. É um desejo realizável com dois euros: o dos fortes e o dos fracos?

Em termos de filosofia de vida, acho que o futuro das pessoas, dos países e das organizações, é definido por três variáveis fundamentais: as circunstâncias, a vontade, o esforço. E, portanto, se as circunstâncias são exógenas, compete à vontade e ao esforço, ao serviço dessa vontade, exercer as compensações necessárias para atingir os objectivos. Acho que é um desejo exequível desde que haja vontade. E que se esteja disposto a fazer o esforço necessário, por muito que custe.

A quem é que falta vontade?

Às sociedades políticas, nacional e europeia. Mesmo esta última é muito fluida, pois, verdadeiramente, a Europa é ainda constituída por Estados-nação. Logo, as sociedades políticas são as nacionais, embora com interacção em termos europeus. É preciso saber se as sociedades políticas nacionais, e o seu conjunto, estão dispostas a fazer o necessário para ter o sucesso que enuncio no livro: uma convivência razoável com o mesmo regime monetário, permitindo às populações concretizar as ambições de bem-estar social e às economias realizar o seu potencial.

Admite uma maior clivagem dentro da moeda única?

É um cenário possível. Se durante vários anos esse desiderato fundamental não consegue ser atingido e as populações se convencerem de que não têm condições de satisfazer as suas aspirações razoáveis dentro da moeda única, então vão pôr em cima da mesa o cenário da saída. Isto independentemente do custo imediato que possa ter. O que defendo é que deve ser feito um esforço para ter sucesso dentro do euro, pois o que está em jogo não é só economia; é política e é geoestratégia. Para a Europa ter relevância global tem de estar integrada e, hoje em dia, não há nenhum país europeu que, por si só e por maior que seja, tenha dimensão para ter relevância no contexto do mundo globalizado e mais integrado. Mesmo a Alemanha tem a cadeia de valor repartida pelos países à sua volta. E tem interesse numa certa estabilidade e capacidade de interacção dentro da Europa. Esse é o desafio da Europa.

Já percebeu em que moldes é que a Alemanha quer manter o protagonismo?

É preciso saber se a Europa precisa dela toda ou se pode prescindir de alguns dos membros. Esse é o grande risco, nomeadamente saber se os países em posição mais periférica - geográfica, económica e política - são "prescindíveis". Portugal, infelizmente, acumula vários indicadores de perificidade. Como mostro no meu livro, Portugal foi o país que depois do alargamento a leste mais ficou afastado do centro da UE. O que significa que esta adversidade tem de ser compensada com esforço adicional da nossa parte para não perder relevância.

Perante o novo cenário que se abriu, deve-se discutir a nossa continuidade no euro?

Estes temas devem ser discutidos. A pior coisa é criar tabus. Mas as discussões devem ser racionais. Hoje, o nosso espaço público está demasiado cheio de algazarra e com poucas ideias concretas. Há pouca densidade na discussão. Quase tudo tem por base emoções, preconceitos e reacções do tipo Benfica-Sporting.

Na sociedade portuguesa existem duas correntes estratégicas: a atlantista e a europeísta. Auto-excluem-se ou podem conviver?

Podem conviver, o que é uma vantagem. Um dos grandes desafios que qualquer pessoa, individual ou colectiva, tem é o de transformar as eventuais fraquezas em forças. Somos periféricos face à Europa, mas somos centrais em relação ao espaço atlântico e podemos usar essa centralidade para nos dar poder dentro da Europa e usar a Europa para nos dar poder dentro dessa centralidade. Barack Obama lançou há pouco a ideia de uma união económica entre a Europa e os EUA. Nessa união, Portugal fica automaticamente recentrado, e deve aproveitar, e alavancar, a vantagem desse posicionamento.

Defende a necessidade de uma Europa unida face ao contexto global, mas é fundamental que tenha uma moeda única?

Não. No livro interrogo se os grandes desígnios da integração europeia são mais bem servidos com uma moeda única ou com diversidade monetária que salvaguarde a flexibilidade para chegar melhor aos objectivos principais. Não tenho resposta para isso. Mas uma coisa é não alargar o espaço da moeda única, outra é desfazer o que já existe e que tem custos consideráveis.

E a ser desfeita, seria para todos em simultâneo?

Esse cenário não existe. Mesmo concebendo teoricamente uma desintegração do euro, os países a que chamo do euro forte permanecerão sempre unidos porque já têm uma tradição de partilha de funções de preferência de regime monetário muito anterior ao euro, e vão querer manter a unidade monetária, ainda que com outro nome. O que acontecerá, em caso de desintegração, é que a sua "centralidade" será reforçada dentro da União.

Os analistas culpam os governos nacionais dos problemas que enfrentam. Mas, no descontrolo a que alguns chegaram, não há culpas partilhadas com a UE?

Não. De como se chegou aqui, a responsabilidade é primeiramente dos países em dificuldades. Em cima de uma política monetária expansionista aplicaram políticas orçamentais expansionistas. Isso foi um grave erro de política económica, que só pode ser atribuído aos governos nacionais. As regras estavam definidas e eram claras, embora eu perceba que os sistemas políticos pudessem não ter, nessa altura, disponibilidade para aceitar políticas contracíclicas. Onde se pode culpar as autoridades europeias é por não terem exercido a vigilância a que o Tratado as obrigava e não terem sido suficientemente severas em relação às dívidas e aos défices e em relação às políticas económicas erradas. A supervisão multilateral não se faz apenas sobre os orçamentos, mas sobre as políticas em geral. Mas é pouco importante, hoje, discutir de quem foi a culpa. Devemos preocupar-nos em como sair daqui. E nisto a abordagem unilateralmente moralista falha, porque a incapacidade de se sair desta situação já é responsabilidade de todos. E, numa parte grande, dos países excedentários, que estão a insistir num ajustamento assimétrico, aritmeticamente impossível. Falta fazerem a parte deles.

Os países excedentários já compreenderam o problema?

A experiência histórica mostra que uma situação muito complexa é difícil de apreender totalmente na contemporaneidade. Há sempre tendência para acreditar que, desta vez, é diferente. Estamos em risco, dentro do espaço europeu, de repetir os erros cometidos nos anos 1930, com o padrão ouro. Aí, o peso do ajustamento foi imposto unicamente aos países deficitários, tornando-o enviesadamente deflacionário, pois os países excedentários recusaram-se a reflacionar as suas economias. E não só não o fizeram como também as deflacionaram [com austeridade]. Hoje estamos a assistir ao mesmo na Europa, onde os países (externamente) deficitários aplicam a austeridade - o que têm mesmo de fazer - mas onde também os excedentários [Alemanha, Holanda, Áustria] o estão a fazer, quando deveriam fazer o contrário. Ora, se toda a gente reduzir a procura, não pode haver crescimento.

Está a ver um caminho para Portugal diferente daquele que não leve a uma maior recessão?

Há muitos constrangimentos. Um deles é a contradição política em que vivemos, na medida em que as políticas relevantes são decididas em termos europeus, mas os decisores são julgados em termos nacionais. E os decisores, agindo com preocupação europeia, têm acima de tudo de responder aos seus eleitores, que é donde lhes emana o poder.

Dos países "resgatados" qual corre maior risco de sair do euro?

O que apresenta o maior risco é Chipre. Mas esse cutelo está sempre pendente quando o nível de sofrimento da permanência é percebido como maior do que a alternativa de saída, podendo levar a que se procure esta alternativa. O que não quer dizer que seja a melhor. Tento olhar para estes problemas numa perspectiva distanciada da poeira dos acontecimentos. Aquilo que vejo em relação ao nosso país, e que me preocupa bastante, é que durante muitos anos, e com sucesso, vivemos num regime monetário inflacionista e de moeda fraca, de cuja mentalidade não nos conseguimos libertar.

Essa é a tese do seu último livro - Euro Forte, Euro Fraco...

É. Nos 30 anos que antecederam a criação do euro, de todos os países fundadores, Portugal teve a segunda maior taxa de crescimento. O que significa que os decisores em geral, e a sociedade, se habituaram a depender da inflação e da desvalorização como mecanismos de reconciliação, a posteriori, de escolhas sociais inconsistentes, a priori. A inflação, com os mecanismos redistributivos disfarçados pela ilusão monetária, acabava por reconciliar as inconsistências, levando a sociedade a aceitar a posteriori as soluções distributivas que rejeitara à partida. Com o euro devíamos ter mudado a forma de pensar e agir. Ora, o que eu verifico é que isto não aconteceu e a mentalidade dominante nos agentes políticos, económicos e sociais continua a depender da inflação para reconciliar a inconsistência das suas escolhas.

A quem se refere?

Por exemplo: tal como a maior parte dos políticos, toda a gente do Conselho Económico e Social (CES) "cresceu" nesse ambiente inflacionista e tem dificuldade em ajustar o seu pensamento a um novo quadro. E o acórdão do TC mostrou que a mentalidade dominante entre nós só aceita reajustamentos dos "direitos adquiridos" através da inflação. Por outro lado, temos de perceber que o "modelo de negócio" do regime político mudou. Já não é possível prolongar o modelo de venda de promessas a crédito. O modelo vai ter de ser muito diferente e vamos ter de acumular saldos primários orçamentais durante muitos, muitos anos. A classe política, com poucas excepções, não está preparada.

Pode explicar melhor?

O seu modelo mental não é compatível com esta ideia. E ou há uma renovação da classe política, não apenas de pessoas mas de mentalidade, e o regime se adapta às novas condicionantes ou vamos ter uma tensão muito complicada e andar duradouramente de crise económica para crise política, e de crise política para crise económica. O ajustamento do funcionamento do regime político ao seu novo "modelo de negócio" é o principal problema que temos pela frente.

Chipre não está já com um pé fora da órbita do euro?

Não. Está em violação de algumas regras fundamentais que a União Monetária prevê, como a proibição de restrição de circulação de capitais. São entorses, não são quebras definitivas. Estamos a viver tempos extraordinários e muito do que está a ser feito é à margem do Tratado, como aliás acontece com os próprios resgates. E no meio de toda a turbulência, de muitas asneiras, tem havido também bom senso e flexibilidade para gerir a situação e as circunstâncias. Diz-se muito mal da senhora Merkel, mas ela teve a capacidade de gerir as condições de tomada de decisão fundamentais, para o momento em que fossem politicamente aceitáveis no seu país. Muito do que foi posto em prática paulatinamente ao longo dos últimos três anos, desde que rebentou a crise do euro, teria sido liminarmente rejeitado, em 2010, sem possibilidade de apelo, se as decisões tivessem sido forçadas. Houve, pois, a capacidade de evitar a rejeição, de ir adiando, até que as condições políticas estivessem maduras.

Compreende a decisão de taxar os depósitos em Chipre?

É óbvio que o anúncio de que se ia taxar os depósitos abaixo dos cem mil euros [o que acabou por ser rejeitado] criou uma contradição muito complicada, pois desvaloriza a garantia dada, anteriormente, aos depósitos até esse valor. Quer queiramos quer não, teria efeitos na percepção de segurança dos agentes económicos em vários países. Prevaleceu o bom senso.

Em termos de política europeia, há um antes e um depois de Chipre, com envolvimento de accionistas, obrigacionistas e depositantes?

Cada vez que se faz uma experiência nova, nunca se pode viver como se não se tivesse tido essa experiência. É claro que fomos dotados de capacidade moral para fazer escolhas entre o bem e o mal. E deverá haver a sensatez para que não se repitam os erros.

Dentro da sua perspectiva analítica, o que sentiu quando, na sétima avaliação a Portugal, a troika reviu números e metas?

Considerei um acidente normal de percurso, ainda que desfavorável. Dá-se uma excessiva importância à falibilidade das previsões económicas, como se a economia fosse uma ciência exacta, que não é. É uma ciência aproximada. E quando damos demasiada importância a essas falhas, também desvalorizamos em excesso o grau de aproximação. Não é indiferente uma previsão passar de 1% para 2% ou passar de 1% para 20%. Há um mundo enorme entre 2% e 20%. O que significa que a primeira previsão é aproximada e a segunda é que é errada. Até ficaria infeliz se [as previsões] acertassem, porque isso significava que a natureza humana tinha perdido o livre arbítrio e se tinha robotizado.

Concorda com quem diz que o Governo funciona com modelos matemáticos errados e não testados?

Não testados, seguramente. Mas esse é o ponto. Estamos numa situação de turbulência que altera os parâmetros económicos dos modelos. Os instrumentos têm a falibilidade que têm, mas se não há outros melhores...

Olhamos para a taxa de desemprego e vemos as sucessivas revisões em alta...

Esse é outro problema e muito preocupante. E significa que, do ponto de vista da concepção do modelo de ajustamento, terá havido erros. Já é uma enorme diferença. Agora não me surpreende em excesso. Entrámos no processo de ajustamento sem ter todos os instrumentos ao nosso dispor e falta-nos um essencial, que é o equivalente à desvalorização. O problema é que tínhamos um nível de despesa superior à capacidade de geração de rendimento. E a forma de lidar com isto é reduzir a procura interna, alinhando-a com a capacidade de geração de rendimento. Mas esse movimento, só por si, alimenta-se e arrasta o PIB para baixo. É preciso actuar também noutro lado e criar um choque positivo da procura externa que alivie a retracção do PIB, compensando o choque negativo da procura interna. Em Portugal só tivemos um lado do ajustamento, a parte da austeridade. Faltou-nos a desvalorização [da moeda] - ou um seu equivalente - para provocar um choque de procura externa.

Que não é possível?

É claro que as exportações têm aumentado, mas não ao ritmo necessário para compensar o choque negativo da procura interna. Pelo que a economia é forçada a cair mais. Evitar isso seria a grande vantagem da desvalorização como instrumento de ajustamento. Como não temos moeda para desvalorizar, a sociedade deveria estar hoje à procura de um sucedâneo que provocasse um efeito parecido.

Por isso defendeu a descida da taxa social única (TSU)?

Foi um erro enorme não se ter discutido a TSU como instrumento sucedâneo. Não tenho a certeza se funcionaria mas deveria ter sido discutido racionalmente. A rejeição foi demasiado à flor da pele. Porque é que o FMI pôs sempre a TSU em cima da mesa? Porque percebeu que no processo de ajustamento faltava o braço do choque da procura externa e andaram à procura de soluções. E houve países onde a TSU funcionou. Mas também digo que, para que pudesse produzir os seus efeitos, era preciso haver uma redução dos preços dos bens não transaccionáveis, nem que fosse por via administrativa. E aqui o Governo foi demasiado tímido.

Que outras medidas podem reverter os impactos da austeridade?

O Governo não pode tomar decisões que a sociedade não aceite ou para as quais não esteja preparada. Mas esta, se se voltar para soluções fantasistas, vai rejeitar todas as soluções realistas. A única alternativa concreta e realizável é a da extrema-esquerda política: não se deve pagar aos credores e devemos sair do euro. Boa ou má, cada um terá as suas opiniões sobre ela, mas é uma proposta concreta e realizável.

Qual é a sua opinião?

Acho que teria mais e mais demorados custos sociais. Devemos cumprir as nossas obrigações e manter-nos no euro. Mas as outras alternativas de que se fala não têm conteúdo. Quando se diz que é preciso mais crescimento... isso é um desejo, não é uma solução. Mas como é que se cresce mais? Respondem: temos de aumentar a procura interna. Mas como? É que para aumentar a procura interna é preciso financiamento. E é a falta dele que nos obrigou ao resgate. Aumenta-se a procura interna ou com receitas das exportações, que financiem as importações arrastadas pela procura interna; ou com atracção de investimento estrangeiro que traga os recursos necessários; ou se alguém nos der dinheiro. Os grandes objectivos da economia nacional deveriam, por isso, ser: promover as exportações e atrair investimento estrangeiro.

Para o cidadão comum, o quadro actual surge como desolador. Como é que se reverte este cenário?

Temos de ter algum cuidado na utilização de superlativos. O cenário não é desolador.

Um cenário de desemprego de 20% não é desolador?

Não se podem banalizar as dificuldades. Desolador é uma guerra no nosso território ou um terramoto. Não desvalorizo todas as dificuldades, nomeadamente para os reformados e para os desempregados. Há que ter cuidado em não perder a noção das dimensões, porque o mundo pode ser sempre pior. O cenário é grave, muito preocupante para toda a sociedade portuguesa, pois dependemos uns dos outros, mas não é desolador. O termo é excessivo.

O acórdão do TC surgiu a dias de a República regressar aos mercados, e para emitir dívida a dez anos e libertar margem negocial. O passo é possível?

Não nos tempos mais próximos.

Em Fevereiro, Portugal surpreendeu ao ir ao mercados. Foi cedo de mais ou foi um gesto simbólico?

Julgo que a razão pela qual o Governo antecipou a ida aos mercados é devido a um preciosismo do BCE, que para mim é difícil de compreender, e que é o facto de este só ajudar quem está no mercado. Julgo que foi essa a razão que levou o Governo a avançar para estas emissões, para provar que está presente na curva de rendimentos, de modo a poder qualificar-se ao OMT [programa de compra de obrigações] do BCE. O que eu acho que está mal é esta reserva no programa do OMT. Até porque temos toda a condicionalidade. Estamos num programa de resgate, e se for necessário uma condicionalidade mais extensa, como há pouco tempo o governador do Banco de Portugal (BdP) propunha, por via de um programa cautelar, faça-se isso. Agora, não faz sentido obrigarem-nos ir ao mercado em condições que não são normais.

O que o governador do BdP disse não é novo... Se um país pedir o apoio do BCE no regresso aos mercados, fica sujeito a um programa, mesmo quando o actual chegar ao fim...

Mas é importante colocar isso em cima da mesa para as pessoas não ficarem a pensar que chegando ao final de 2014 a troika se vai embora e isto acabou. Porque não acabou. Em relação à questão do financiamento, por mim não teria nenhum problema se viesse mais dinheiro da União Europeia. Nem consideraria uma derrota, antes pelo contrário. Seria um passo normal no processo de ajustamento. Percebo que politicamente as oposições iriam cavalgar a ideia para tirar proveito político e denegrir o Governo, mas veria isso como um processo normal e no qual se calhar devíamos estar todos empenhados.

Os juros seriam mais baixos?

Porque uma dívida dessas, oficial, teria mais condições de ser adaptada às necessidades de ajustamento de uma forma mais prolongada. Com um grau de exigência muito elevado. Porque não podemos perder a ideia de que os nossos credores oficiais sabem também, por experiência histórica muito bem demonstrada, que no dia em que é aliviada a pressão financeira o ajustamento acaba. Eles sabem que quanto mais facilitarem, mais atrasado fica o ajustamento. E, portanto, mais em risco ficam os seus próprios créditos. Precisam, primeiro, da garantia de que o ajustamento é cumprido, de que a parte mais difícil é feita, para depois exercerem a sua disponibilidade de ajustar mais. Fazer ao contrário funciona mal. Temos de compreender e de nos empenhar em fazer a nossa parte, em cumprirmos as nossas metas. Só assim ganhamos crédito.

Portugal tem condições para pagar a dívida que acumulou?

Acima de tudo, acho que temos de preservar a nossa credibilidade, porque isso é fundamental para continuarmos a viver em boas relações com o mundo exterior.

Não é mais honrado chegar ao pé de um credor e dizer: "Vamos renegociar, não consigo pagar nestes moldes"?

Para todos os efeitos, isso altera o seu crédito no mercado. Da próxima vez, o credor irá ter em conta que não pagou, ou que não pagou nos termos devidos. Da próxima vez vai ter outra cautela. Ou empresta com juros mais elevados, ou diz que primeiro é necessário arrumar a casa e que só depois disso é que empresta. Agora, julgo que o que pode fazer mais sentido é, dentro da ajuda oficial, explorar mais o caminho da mutualização de dívidas. Aí há espaço para se fazer mais. E esse é um dos campos onde os países excedentários podem exercer a sua parte no processo de ajustamento.

Há quem sugira a necessidade de um segundo resgate. O que pensa desta solução?

O que é um segundo resgate? Ainda não consegui perceber.

São palavras usadas como argumento político?

Sim, mas o que é? Se for aumentar o empréstimo [da troika], não vejo que seja um resgate.

Sem comentários: